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Dezembro Vermelho e o tabu do HIV

Não supreendentemente, a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida ainda é um tabu passado que ressoa na contemporaneidade. Entretanto, em 1987, a ONU desenvolve a campanha Dezembro Vermelho, que visa a conscientização e paralelamente o rompimento dos preconceitos em relação aos portadores do vírus HIV. Em 1991, a fitinha vermelha surgiu com artistas de Nova York, no Brasil, o projeto foi adotado em 1988, pelo Ministério da Saúde.

Com isso, Arielle Teixeira, pesquisadora em Análise do Discurso e autora do trabalho “Mídia dissemina pânico sobre AIDS – uma análise discursiva sobre a representação de grupos minoritários” escreve para o DM Online sobre o tema.

Confira:

Caio Fernando Abreu, Renato Russo, Cazuza, Gia Carangi, Freddie Mercury, Claúdia Magno, Michel Foucault e Rouck Hudson são nomes que marcaram a década de 1980 e figuras que se fazem presentes até os dias atuais, antes de artistas, pessoas que cuja as vidas foram interrompidas em decorrência ao vírus HIV, uma sentença de morte naquela época. Atualmente sabe-se que a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida é a consequência da manifestação do Vírus da Imunodeficiência Adquirida, sua transmissão não restringe-se apenas a alguns grupos sociais, como já acreditou-se antigamente, ela ocorre indiscriminadamente através do contato com o sangue, sêmen e fluidos vaginais infectados pelo vírus. 

É de conhecimento que a AIDS é uma doença silenciosa, assintomática, a progressão da doença é resultado do processo de destruição do sistema imunológico ocasionado pelo vírus HIV, ninguém morre de AIDS, mas sim em consequência de doenças oportunistas que atingem um sistema imunológico sem mais capacidade de defesa. 

As décadas 1960 e 1970 foram marcadas pela revolução sexual, desafiou-se códigos morais e normas sociais, houve o surgimento da pílula anticoncepcional, movimentos feministas foram fortalecidos e tornaram-se mundialmente conhecidos. A sexualidade humana não mais era motivo de vergonha e algo que deveria ser escondida e explorada apenas na intimidade do casamento, mas sim algo a ser exaltado e celebrado através da arte, o corpo começou a ser explorado buscando o desvencilhamento de ideias como o pecado ou promiscuidade.

Mas a liberdade buscada e explorada nessas décadas foi silenciada no genocídio silencioso que amedrontou os anos 1980, a normatização do sexo antes do casamento, a popularização de expressões eróticas nos diferentes meios artísticos, assim como as marchas que clamavam a "Liberação das Mulheres", exigiam direitos à comunidade negra e o reconhecimento do direito à vida do homossexual, foram perseguidos e culpados pela epidemia que se alastrou e que estava dizimando centenas, até então, de vidas. 

Identificou-se que um inimigo desconhecido colocava a vida de todos em perigo, por muito tempo o vírus HIV espalhou-se entre as pessoas sem que fosse conhecida sua origem, mais de uma década foi preciso para que cientistas compreendessem o que este vírus era, como ocorria sua transmissão e para consolidar-se uma série de medicamentos necessários para a manutenção da vida daqueles que haviam adquirido o vírus.

Aos poucos o vírus HIV fez-se presente no cotidiano do povo brasileiro, compartilhou-se o medo, notícias de que as pessoas estavam morrendo fomentaram o pânico na população. Naquela época os conhecimentos eram raros, tinhasse a certeza da sentença de morte apenas, aquele que se descobria HIV+ podia apenas esperar a morte, sofria aos olhos de todos. Apenas em 1982, após mais de 120 mortes identificadas como resultado de um mesmo vírus em 1981, é que o Centro de Controle de Doenças dos EUA afirmou que a doença (Síndrome da Imunodeficiência Adquirida) era causada através da infecção do vírus (HIV), naquele momento definiu-se o grupo de risco, homens gays, hemofílicos, haitianos e usuários de drogas eram colocados como os responsáveis pela epidemia da AIDS, (entre os diversos exemplos, destacamos a manchete "PESTE-GAY JÁ APAVORA SÃO PAULO" divulgada no jornal Notícias Populares em 1983) em meio a ignorância das escassas informações, através de reportagens sensacionalistas todos viviam com medo, ter HIV era ser sentenciado imediatamente à morte.

Era de conhecimento popular que o vírus passava de uma pessoa à outra, mas não sabiam com exatidão como esse vírus era transmitido, criou-se um fantasma da doença, as pessoas passaram a temer o contato uma com a outra.

No momento em que a AIDS virou manchete nos diversos jornais e revista da década de 1980, trabalhou-se a imagem da doença relacionando-a como resultado à quebra das normas morais, crenças e padrões sociais. Quando relembramos quais assuntos relacionavam-se ao tema da AIDS na mídia daquela época, podemos ver que as manchetes trabalharam em construir para seus leitores o estigma da doença e sua restrição à determinados grupos.

Em 1985 uma revista popular ao falar sobre a AIDS afirmou "A doença e os heterossexuais", trabalhando assim e incentivando nos leitores a crença do senso comum de que a AIDS não era uma doença do heterossexual, ela era uma doença do outro, até então era um risco que pertencia apenas aqueles que não eram heterossexuais. O vírus foi constantemente trabalhado nas notícias através de sua associação com a norma, A AIDS colocava a norma moral em ameaça, aqueles que não agiam de acordo com o esperado eram a ameaça, eles eram os responsáveis pelo vírus. 

Atualmente o Brasil é referência mundial quando o assunto é a prevenção e cuidado à AIDS. O Sistema Único de Saúde (SUS) é internacionalmente conhecido, responsável por disponibilizar gratuitamente medicamentos que controlem o vírus HIV no sistema, assim como oferecer a testagem a sorologia e a disponibilização de preservativos (camisinha).

É preciso ter em mente que a AIDS é uma doença sem cura até os dias atuais, aqueles que possuem o vírus HIV podem recorrer apenas a tratamentos que controlam o vírus, impedem sua progressão.

É preciso não esquecer, não esquecer esses nomes, não esquecer o pânico que se alastrou na população, é preciso ter conhecimento do mal que o compartilhamento de informações equivocadas causa, até os dias atuais há esse pensamento errôneo de que a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida é uma doença gay, a peste gay, algo que já se tem a certeza ser uma ideia falsa. É preciso questionar o porquê de mesmo após décadas de conhecimento, ainda vigora através da anvisa o decreto nº 153, de 14 de junho de 2004 que proíbe qualquer homem gay à doação de sangue, contabiliza-se que 18,9 milhões de litros de sangue são anualmente recusados nos diferentes postos de doação.

Todo sangue doado passa por diversos exames, entretanto, de acordo com o Ministério da Saúde, por motivos científicos, um homem que tenha feito sexo com outro homem não pode doar sangue. Quando recusam-se a aceitar que homossexuais doem sangue ao registrarem relações sexuais em menos de 12 meses é porque acreditam na ideia de que o sexo entre homens é o perigoso, é ele o responsável pela transmissão da doença, a relação sexual entre um homem e uma mulher é segura se comparada à homossexual

Texto de Arielle Teixeira, graduada em Letras e pesquisadora na área de Análise do Discurso e Semiótica pela Universidade Federal de Goiás.

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