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Contradições de Moro podem invalidar Lava Jato

É conhecido o ditado de que o peixe morre pela boca. No caso do Direito, poderíamos dizer que o magistrado que fala fora dos autos se complica. É o caso do juiz federal Sérgio Moro. À frente das investigações da Operação Lava Jato, o magistrado se apegou a dois pilares na condição das investigações: os depoimentos do doleiro Alberto Youssef e a prisão  prolongada de  investigados de modo que façam uso da delação premiada para saírem do cárcere. Qual a surpresa do mundo jurídico ao descobrir que em 2010,  Sérgio Moro se declara suspeito  para analisar um inquérito contra ele em 2010 por “razão de foro íntimo”. Mais: em artigo sobre a atuação da Suprema Corte dos Estados Unidos, o juiz Sérgio Moro condenou prisões e torturas psicológicas para obter confissões.

Na última semana, Moro rejeitou o argumento da defesa do ex-diretor da Petrobras Renato Duque, que alega que o magistrado não poderia cuidar dos casos envolvendo Alberto Youssef por já ter se declarado “suspeito” para analisar  o doleiro em 2010 por “razão de foro íntimo”. Na decisão, o juiz rejeita o recurso da defesa do ex-diretor que pede que ele se afaste das ações da Lava Jato.

No despacho de terça-feira, 16, Moro rebate os argumentos que vêm sendo utilizados pelas defesas de vários réus da Lava Jato. Ele explica que, naquele caso, de 2010, se declarou suspeito para atuar em um inquérito contra Youssef por entender que as investigações da Polícia Federal contra o doleiro, na época, se baseavam em uma discordância do delegado com o acordo de delação de Youssef.

“Como entendia que as diligências requeridas pela autoridade policial deveriam ser indeferidas, preferi declarar a minha suspeição, uma vez que, em sua origem, o inquérito estava motivado por mera discordância quanto aos termos do acordo (de delação premiada)”, assinala o magistrado.

O novo pedido do Ministério Público para a prorrogação da prisão preventiva de João Vaccari Neto na carceragem de Curitiba permitirá aos brasileiros acompanhar a coerência das ideias e da postura do juiz Sérgio Fernando Moro, responsável pela Lava Jato.

Moro contradiz Moro

Sérgio Moro já defendeu publicamente o uso de prisões preventivas prolongadas como método de investigação na Operação Lava Jato –, e diga-se, a suspeitos presos há seis meses sem a mínima prova condenatória. Por isto causou perplexidade ao jornalista Paulo Nogueira, constatar que Moro assinou um artigo de 18 página sob o título “Caso Exemplar: Considerações sobre a Corte Warren”, onde faz um balanço da atuação de Earl Warren, o mais influente juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos no pós-guerra. Moro dedica bons parágrafos do texto a comentar o célebre caso Miranda x Arizona, um episódio marcante na luta pelas liberdades civis e pela defesa dos direitos individuais. A conclusão de Moro é que a corte “andou bem” e você tem motivos de espanto quando recorda o que acontece na 13ª Vara Criminal de Curitiba.

Nogueira relata que no caso Ernesto Miranda é acusado de ter raptado e estuprado uma moça em Phoenix, no Arizona, Ernesto Miranda foi levado a uma delegacia e, horas depois de interrogatório, assinou uma confissão de culpa não apenas por este crime, mas por dois outros que lhe eram atribuídos. Três anos depois da condenação, a Suprema Corte entrou no caso por duas razões. A primeira, explica Moro, foi para “garantir ao acusado o exercício do real direito da proteção contra a autoincriminação.” O que se queria, em resumo, é impedir que o réu fosse levado a fazer confissões naquele ambiente de delegacia no qual os suspeitos são levados a se autoincriminar de maneira não “totalmente voluntária”, como demonstrou o advogado de Miranda. A segunda razão, nas palavras de Moro, é “coibir a extração forçada por meios físicos ou psicológicos, de confissões em casos criminais. ” Eufemismos à parte, estamos falando de tortura. A sentença da Corte, favorável a Miranda, foi assim:

“Concluímos que sem salvaguardas próprias o interrogatório sob custódia de pessoas suspeitas ou acusadas de crime contém pressões que operam para minar a vontade individual de resistir para que não seja compelido a falar quando não o faria em outra circunstância. Para combater essas pressões e permitir uma oportunidade ampla do exercício do privilégio contra a autoincriminação, o acusado deve ser adequadamente informado de seus direitos e o exercício desses direitos deve ser completamente honrado.”

Nogueira esmiúça o caso e vai ao ponto: “o que a Suprema Corte dos Estados Unidos está dizendo é que o Estado não tem o direito de minar a vontade individual de resistir para obrigar um acusado a falar quando não o faria em outra circunstância. É preciso impedir que o prisioneiro sofra “pressões” e tenha assegurado o “privilégio” contra a autoincriminação. A Corte deve garantir que o exercício desses direitos deve ser completamente honrado,” frisa.

O articulista do portal Brasil 247 mostra ainda que o artigo de Moro lembra outro juiz da Suprema Corte, Tom Clark. Numa sentença de 1949, quando eram comuns as pressões por medidas arbitrárias, capazes de garantir prisões de qualquer maneira – típicas da Guerra Fria – Clark defendeu os direitos dos prisioneiros de forma sintética e profunda. Enfrentando argumentos de outros juízes, que alegavam que um prisioneiro não podia ser solto só “porque a polícia não trabalhou direito,” Clark rebateu:

“O criminoso sai livre, se assim deve ser, mas é o Direito que o deixa livre. Nada pode destruir um governo mais rapidamente que seu insucesso em obedecer suas próprias leis, ou pior, sua desconsideração da guarda de sua existência.”

Em seu voto, Clark lembrou a lição de outro mestre da Suprema Corte, Louis Brandeis, em outra definição preciosa que Sergio Moro faz questão de preservar no artigo:

— Nosso governo é o mestre poderoso e onipresente. Para o bem ou para o mal ensina todo povo pelo seu exemplo. Se o governo torna-se infrator da lei, cria ele próprio o desrespeito a mesma, incita cada um a tornar-se a própria lei e portanto, à anarquia.

O Código Penal Brasileiro regulamenta a prisão preventiva em seu artigo 312 e estabelece que poderá ser decretada como “garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal”. Mas há uma condição: “quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.” Preste atenção na condição. Lembre também da frase da Suprema Corte segundo a qual é preciso impedir pressões que “operam para minar a vontade individual de resistir.” Pense na frase: “é o Direito que deixa livre.”

É preciso dizer algo a mais?, questiona Nogueira.

Delação não é prova

Recém-emposado no Supremo Tribunal Federal, o  ministro Luís Edson Fachin declarou  que a delação premiada não é, por si, prova bastante e “deve ser  secundada por outra prova idônea pertinente e contundente, que são as características que num processo a gente tipifica como uma prova para permitir o julgamento e apenamento de quem tenha cometido alguma infração criminal”.

Sua Excelência disse o óbvio e o óbvio parece até novidade em matéria de Justiça neste País. Depois do emprego estapafúrdio do “domínio do e de uma juíza da nossa Suprema Corte dizer que dispensava provas para condenar, porque assim a literatura jurídica lhe permitia.

Fachin baseia-se no que está escrito na Lei das Delações (Lei 12.950/2013), mais precisamente no parágrafo 16 do Artigo 4°:

  • 16. Nenhuma sentença condenatória será proferida com fundamento apenas nas declarações de agente colaborador (nome jurídico do delator).


Conclui-se, portanto, que o empenho do juiz Sérgio Moro em inflingir prisões abusivas e tentativas forçadas de delações premiadas aos investigados na Operação Lava Jato, vai contra o que o próprio Moro disse e escreveu certa vez, e, principalmente, está em contradição com o que está posto no Direito. E como disse o ministro Fachin, “mesmo diante da inércia legislativa, o juiz não pode tomar o lugar do legislador”. Ou seja, para ele,  ninguém está acima da lei, seja promotor público, procurador da república, juiz federal ou ministro do Supremo.

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