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OPINIÃO

Contribuições de Paulo Freire à Agronomia

*Por André Luiz

Em setembro deste ano, comemora-se o centenário de nascimento de Paulo Freire. Não poderia deixar de lembrar como foram importantes suas contribuições para a extensão rural. Isso mesmo, suas contribuições vão além da área da educação. Mas como isso aconteceu? No obscuro período da ditadura militar, Paulo Freire foi acusado de agitador e se exilou no Chile, onde foi trabalhar no Instituto de Capacitação e Investigação em Reforma Agrária. Nesse período, escreveu o livro “Extensão ou Comunicação?”, uma obra dedicada a compreender o trabalho de extensão rural naquele país.

Nesse livro, o autor dialoga com os significados das palavras “comunicação” e “extensão” e tenta indicar o caminho da comunicação entre agrônomos e camponeses. O livro destrincha o que se tem feito de extensão naquele país, fazendo uma crítica ao modelo que desconsidera o saber do(a) agricultor(a) e enaltece o conhecimento externo.

O debate sobre o conceito de extensão parte do princípio do que é estender algo a alguém, neste caso, o conhecimento do(a) agrônomo(a) aos camponeses. Por outro lado, dentro do conceito de comunicação, há um viés de partilha, pois a comunicação envolve troca de informações entre os interlocutores. Ao discutir esses conceitos, Paulo Freire faz uma crítica ao modelo convencional de extensão e expressa o ideal da comunicação como método de abordagem da assistência técnica com os agricultores. Apesar de não ser um especialista em agronomia, Paulo Freire percebeu que na relação agrônomo/camponês havia um processo de educação e, portanto, deveria haver uma prática andragógica para abordagem. Nisso, ele identificou que o método de extensão rural em curso tinha características da educação bancária que ele tanto criticava. Dessa forma, a contribuição foi no sentido da crítica ao método e a proposta do diálogo nesta relação.

Para mim, o que marcou nesse texto foi a visão de Paulo Freire ao entender a relação que existe no campo, entre técnicos e agricultores, e compará-la a de uma sala de aula em que, nos moldes tradicionais, o(a) professor(a) é o possuidor do conhecimento que irá transmitir ao aluno, desprovido do saber. Sua proposta é que o(a) agrônomo(a) seja um educador(a) e, com isso, estabeleça uma relação de troca. Pode parecer um tanto utópico pensar isso para os tempos atuais, sobretudo para os nossos modelos de educação bancária, mas, na prática, o modelo extensionista acontece e é almejado, sobretudo na relação com pequenos agricultores.

O conhecimento tradicional do(a) agricultor(a) não é o conhecimento acadêmico, e sim sobre o ambiente em que vive, compreendendo aspectos naturais, como ciclos, fauna, flora, também a cultura, mercado, etc. Esses conhecimentos, somados aos acadêmicos, podem se reverter em bons resultados, tanto para economia, para o avanço científico e também para uma evolução sociocultural. Precisamos repensar nossos modelos de extensão rural, apostar em métodos que levem em consideração não só aspectos técnicos da produção agrícola, mas também questões ligadas à comunicação, relações humanas e, sobretudo, ao olhar do(a) educador(a). Ao assumir isso, podemos libertar (a)os agrônomos(a)s da responsabilidade pelo sucesso/fracasso na produção e compartilhar essa tarefa com os demais atores, com diálogo e respeito ao outro.

*André Luiz, Professor do curso de Engenharia Agronômica da UniAraguaia

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