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Os sigilosos e intrigantes gastos com o cartão corporativo

Por Cristian de Paula Sales Moreira JuniorEspecial para Opinião

Este ano o Natal não foi dos melhores. Não só devido à pandemia, mas também à crise econômica que vem se arrastando desde antes dos primeiros casos de coronavírus no Brasil, muitos não puderam viajar para se reunir com os familiares, trocar presentes e comprar o Chester. Este ano não foi nada fácil, e não seria o dia 25 de Dezembro que mudaria tudo.

Certamente a política compartilha deste clima meio atípico e preocupante. Os governantes dos mais variados níveis, neste momento, devem (ou deveriam) estar com os cabelos em pé. Alguns por motivos nobres, outros nem tanto. Para além da discussão se o sr. Presidente realmente “não dá bola” -ou se dá, visto que faz até gol- para assuntos que envolvem este tema controverso, gostaria de levantar uma questão. Segundo dados consultados no portal da transparência -uma ferramenta importante conquistada pela nossa democracia- o ano, pelo menos financeiramente falando, não foi dos piores para ele.

Foram gastos no Cartão de Pagamento do Governo Federal (CPGF), sob sigilo, de janeiro a dezembro de 2020, exatos R $19.188.856,91. Obviamente nem todas essas compras secretas são de responsabilidade direta do Presidente, visto que também incluem os gastos da ABIN, da GSI, da Secretaria Especial de Administração e do gabinete do vice-presidente. Mas, certamente, estão sob seu guarda-chuvas. Com o cartão corporativo pessoal foram R $7,86 milhões. Não é um dinheiro que se gasta fácil.

Sabemos que o salário do cargo de Presidente da República é simbólico, visto que se tem um cartão ilimitado. Mesmo assim, é muita grana. Interessante que durante a campanha a conversa era outra: austeridade. E se ao menos soubéssemos para onde este dinheiro está indo, não seria tão emblemático. Por exemplo, em fevereiro o sr. Presidente disse ter gastado R $739 mil com o cartão corporativo para trazer de volta para casa os brasileiros que estavam ilhados pela pandemia em Wuhan, na China. Só temos como comprovação disso sua própria palavra, visto que os gastos do cartão são sigilosos. E não temos como tradição acreditar no que dizem os políticos.

Em novembro do ano passado o STF declarou inconstitucional o fato de os dados serem sigilosos. O Planalto respondeu apenas que estava amparado pela Lei de Acesso à Informação (LAI). Um ano inteiro se passou e os gastos continuam aumentando. Há quem diga, nas discussões públicas, que este cartão pode estar sendo usado para comprar presentinhos para pessoas a quem ficar de boca calada interessa diretamente ao portador do cartão. Há quem diga que o cartão pode ser a chave para se descobrir esquemas de corrupção dentro do governo federal.

O sr. Presidente poderia, ele mesmo, acabar com essa conversa, mas optou por manter em secreto os gastos. Então, perguntar não ofende: com quê se tem gasto todo esse dinheiro? Onde? Se têm gasto de forma mais ou menos republicana? Quantas canetas BIC foram passadas neste cartão?

Essa é uma das pautas que o atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia, deveria colocar na mesa para negociar com os partidos a próxima eleição: revelar o cartão corporativo. Não fazer isso só o faz conivente com todo o processo. E para nós: enquanto não esclarecermos isso, haverá aquela pulga atrás da orelha.

Cristian de Paula é professor de História e Mestre em História pela Universidade Federal de Goiás (UFG)

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