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2021: uma questão de projeto e unidade

Por Cristian de Paula Sales Moreira Junior – Especial para Opinião

A excitação provocada pelo processo eleitoral acabou, mas a pandemia vai continuar. E, ao que tudo indica, a tendência das mortes -que hoje já ultrapassa a marca dos 170 mil- é continuar a subir. Os especialistas e as autoridades sanitárias apontaram que uma grande ação coletiva, de unidade, deveria ter sido promovida e incentivada pelo Governo Federal. Na contramão, o Ministério da Saúde apresentou um certo aspecto de confusão, de relativa inépcia, de conflito… Como se a autoridade, disputada internamente, fosse assunto mais urgente do que a própria crise sanitária. Essa disputa atravessou os dois Ministros da Saúde -a saber, Luiz Henrique Mandetta e Nelson Teich- e somada com toda a polêmica sobre o medicamento patrocinado pelo chefe do poder executivo, faz os quase quatro meses em que a pasta esteve oficialmente desocupada transmitirem uma ideia de vaidade pessoal, o que reforça a aparente despreocupação com esta que se apresenta como a maior crise sanitária da História da República.

Por estes e outros fatores, a Economia não mostra sinal algum de recuperação. Nomes de peso como Delfim Netto, Celso Pastore, Luiz Gonzaga Belluzo, Bresser Pereira, para citar só alguns exemplos de grandes economistas que estão sendo ouvidos nos principais veículos de comunicação, chegam a resultados estatísticos levemente diferentes mas concordam que a situação, apesar de amenizada pelo Auxílio Emergencial, é muito difícil. Os problemas principais, isto é, a crise fiscal e déficit público, não se resolvem com o auxílio. Este, multiplicado por três pelo Congresso Nacional -o executivo havia proposto apenas R$ 200,00-, apenas reaqueceu momentaneamente o mercado, principalmente de alimentos e de materiais para construção civil, o que mostra a carência de uma população que, com dinheiro na mão, procurou por comida e, quem sabe, terminar um muro ou um puxadinho no terreno, cobrir a garagem… Diga-se ainda que esta violenta retração da economia não é consequência única e exclusiva do novo coronavírus, tendo em vista que os índices de 2019 -quando esta crise era sequer imaginada- também foram negativos. Mas mesmo assim, o auxílio serviu para reaquecer, também, as pesquisas que favorecem o presidente. A questão que se coloca é se este reaquecimento também se mostrará momentâneo agora que a redução do auxílio pela metade já se faz sentir nos bolsos e no mercado.

Desta situação econômica espera-se o seu agravo. Se a reação às queimadas na Amazônia e no Pantanal foram discretas em um nível doméstico, assim não serão as pressões internacionais. O Ministério da Agricultura está tendo que lidar, neste exato momento, com as insatisfações do setor agropecuário que certamente enxerga nessa tragédia ambiental um infeliz ocasião para perda de exportações. Lembre-se da crise do óleo de origem indefinida que atingiu mais de 250 cidades do litoral brasileiro, prejudicando a economia local que depende não só do turismo em paraísos turísticos -como Porto de Galinhas, Morro de São Paulo, Lençóis Maranhenses-, mas também da pesca e de outros sistemas que ligam os trabalhadores à atividades que dependem da natureza. Sem contar o prejuízo ambiental que, atingindo tanto a fauna quanto a flora, foi e é incalculável. Nas duas situações, uma coisa é inegável: o governo revela mais exemplos da falta de projeto e unidade. Não fossem as atuações da população que espontânea e voluntariamente se dedicaram à colocar a mão na massa para limpar e ajudar a região, naquela ocasião, nada teria sido feito de relevante. O próprio Ministro do meio Ambiente, Ricardo Salles, apareceu sem avisar a nenhum prefeito ou governador, ao invés de convocar uma reunião e demonstrar solidariedade.

A situação do Brasil no cenário internacional se agrava pela postura ácida do presidente em relação aos seus principais parceiros comerciais. As últimas polêmicas envolvendo o relacionamento com a China dispensam comentários. O que se mostra mais evidente é que devemos esperar retaliações. O Consulado da China no Brasil já informou que pretende substituir gradativamente as importações que fazem do Brasil, principalmente de grãos. O nosso concorrente mais evidente é a Índia, mas na lista também se encontra Argentina e os Estados Unidos, para quem assumimos uma postura de submissão. Embora seja difícil qualitativamente difícil substituir os produtos de uma potência como é o Brasil, não possuímos o monopólio da produção de absolutamente nada, o que torna nossa postura irresponsável - pra dizer o mínimo. Essa mesma postura foi adotada com outros dois parceiros importantes: Argentina - quando da eleição do Alberto Fernández- e França -nem sequer a mulher do presidente Macron foi poupada. Com a eleição de Biden, o cenário se torna ainda mais dramático.

A estética da quarentena se aproximou de uma estética de Estado de Sítio em guerras. Economias ao redor do mundo estão beirando o colapso e, sem um novo "Plano Marshall", a situação se complica. Ao que tudo indica, a China financiará este plano, se aproveitando da "ausência" internacional dos EUA, que lutam para recuperarem a si próprios do mesmo problema.

Há um consenso de que assim como a China, apesar do seu êxito extraordinário para sair da crise, o Brasil deve mudar o caminho. Seria necessário construir um desenvolvimento que se fundamenta em ampliação do mercado interno, tendo em vista que até hoje a economia foi fundamentada no mercado para exportação. Isto é, um projeto audacioso de redistribuição entre regiões, classes e setores. E, por isso, é uma mudança polêmica que envolve muitos conflitos. Para tornar possível mudanças de tamanha envergadura, se faz necessário um amplo debate nacional. Mas para sair dessa camisa de força é fundamental, mais uma vez, projeto e unidade.

No setor de comércio e serviços, as pequenas e médias empresas estão se quebrando ou se afundando em dívidas. No entanto, os bancos estão mais saudáveis do que nunca. No início, meados de fevereiro e início de março, especulava-se entre os analistas que para resolver o problema da economia seriam necessárias ideias originais, mas o Ministério da Economia perdeu o timing. Tinha que, pelo menos, ter seguido os exemplos nos dados pelos Estados Unidos, Europa e Ásia. Como apontaram: para atender especialmente as micro e pequenas empresas, poderia-se ter aberto uma linha de crédito nos bancos privados de empréstimos para capital de giro (folhas de pagamentos, entre outros), por alguns meses. O avalista deste empréstimo, a juro zero, poderia ter sido o Banco Central. Haveria um prazo de carência de dois a três anos. É o que tem-se adotado em outros países como medida econômica para manter os empregos, os empresários, e a circulação monetária. Para isso seria necessário liderança e unidade, mas a pasta, à exemplo do que aconteceu com o Ministério da Saúde, parece também confusa e sem projeto.

De qualquer forma, um nova avaliação poderá ser realizada quando das posses das prefeituras ano que vem. O problema que se apresenta é como o Brasil de 2018, que elegeu Bolsonaro, resolverá sua contradição com o Brasil de 2020. Se for derrotado, com o aprofundamento da crise econômica e a permanência da pandemia, a sua situação política pode se encaminhar para soluções extremas. O ano de 2021 começou agora, e enquanto refletimos sobre isso, o poder executivo, na figura de seu chefe, prepara tardiamente um plano de ação que já está dando o que falar.

Cristian de Paula é professor de História e Mestre em História pela Universidade Federal de Goiás (UFG)

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