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Virtude e Inspiração: a obra de Jane Austen

Jane Austen, a clássica e louvada autora inglesa do séc. XIX escreveu apenas seis romances, infelizmente! Embora poucas, suas obras são de um encanto de difícil comparação. Não é à toa que os britânicos são tão apaixonados por ela quanto por Shakespeare! A autora viveu entre os anos de 1775 e 1817, na virada de século mais famosa da história.

O fim do século XVIII é marcado pelas grandes revoluções inglesa, francesa e pela independência dos Estados Unidos. Os emblemáticos textos que inspiram a constitucionalização dos direitos humanos e fundamentais são gestados também nesse período, como a Declaração dos Povos da Virgínia, de 1776 e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, frutos do movimento político-histórico-social.

Longe de retratar esse contexto, afinal a autora está ambientada nos condados rurais e aristocráticos da Inglaterra de então, as obras expressam, com profundo refinamento e sagacidade, aspectos da vida, do comportamento e da realidade humana não menos nobres. Em todos os romances Jane Austen constrói personagens dotadas de virtudes não tão valorizadas em dias atuais, mas igualmente importantes para a construção de uma sociedade igualitária, justa e fraterna.

Nobreza de caráter, resiliência, altruísmo, integridade, sensibilidade e autocrítica são algumas das virtudes dessas personagens. As mulheres são as principais, não resta dúvidas, o que faz com que muitos estudiosos atribuam às obras também um caráter feminista. Mas não só elas, os homens, especialmente os objetos do amor das heroínas, são também capazes de “dar um passo atrás”, de pensar no outro mesmo contra os próprios interesses. E é exatamente isso que os torna encantadores.

Catherine Morlan em A Abadia de Northanger, assim como Fanny Price em Mansfield Park, são personagens cujas histórias relacionam-se ao pouco ou nenhum dinheiro de suas famílias. Enfrentam humilhação e decepção em virtude de suas origens, e nisso, lamentavelmente, suas histórias continuam atuais. As narrativas dos livros, contudo, são tão bem construídas e os conflitos existenciais tão conhecidos que a identificação acontece naturalmente. Por mais difíceis que sejam suas condições de vida, Catherine e Fanny não inspiram pena. Possuem uma resignação carregada de força. É incrivelmente inspirador!

Em Persuasão, e em Emma, por outro lado, as personagens centrais são de origem aristocrática, mas igualmente inspiradoras. Senão pela força diante de circunstâncias adversas, pelo senso crítico que conquistam ao longo da história, com relação ao mundo que as cerca, a suas famílias e a si mesmas (ainda que isso demore a acontecer, no caso de Emma!). Anne Elliot, de Persuasão, é, segundo pesquisadores da vida e obra de Austen, uma personagem carregada de elementos autobiográficos e, coincidentemente ou não revela uma intensa capacidade de transformação não só interior, mas da realidade ao seu redor.

As mais conhecidas personagens da autora, porém, são Lizzie Bennet, de Orgulho e Preconceito e as irmãs Elinor e Marianne de Razão e Sentimento (ou Razão e Sensibilidade) em virtude das obras cinematográficas estreladas por Keira Knightley, Emma Thompson e Kate Winslet, respectivamente. Nessas obras, os conflitos familiares aparecem de forma intensa, assim como as desigualdades sustentadas inclusive pelo direito à época. Mulheres, inclusive filhas e esposas, só têm direitos resguardados enquanto vivos os pais e maridos. Mesmo os filhos do sexo masculino não possuem direitos iguais. Todavia, mesmo em um ambientadas em tempo e realidade tão diversa e retratando injustiças de tantas naturezas a leitura dessas obras flui deliciosamente e a identificação com as personagens, mais uma vez parece perfeitamente natural.

As histórias de Jane Austen são, nesta perspectiva, enriquecedoras pelas mais diferentes razões. Pelo fino tratamento da linguagem e do rico vocabulário, pela sagaz crítica à sociedade da época, pela diversidade de temas jurídicos, políticos e econômicos sutilmente apresentados, pela profundidade dos conflitos humanos retratados. E, sendo bastante honesta, porque são um verdadeiro deleite!

ROBERTA NASCIMENTO BARROS
Advogada, jornalista e professora de Direito Constitucional da UniAraguaia. Mestre em História pela Universidade Federal de Goiás.

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