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OPINIÃO

Lembrai-vos de Nelson Rodrigues “Todo castigo para corno é pouco”

Hélmiton Prateado

O jornalista, contista, cronista, romancista e teatrólogo Nelson Falcão Rodrigues foi um dos maiores pensadores brasileiros no século passado. Sua verve ladina para as letras e de formação intelectual clássica fizeram-no elaborador de frases de admirável e cativante lembrança nos mais diversos quadrantes da vida cotidiana. Discorria sua inteligência pela política, casamento, sociedade e até futebol, tudo com magnífica mestria, condensando em um curto período um pensamento que os pobres mortais gastariam uma semana inteira pensando.

Com a inteligência e ironia típicos dos nativos de Recife, no estado de Pernambuco, notável por produzir grandes pensadores, Nelson Rodrigues caiu no caldeirão fervilhante da vida pensante e altamente incendiária que permeia o jornalismo. Leitor voraz de romances do Século XIX e observador atento da vida carioca, com os crimes de amor, a concupiscência na sociedade que era a corte naquela época, a libertinagem no submundo social construíram sua capacidade para abstrair situações da vida comum e traduzir as situações mais abstratas para frases de efeito que se eternizaram na literatura brasileira.

Nelson Rodrigues, um torcedor apaixonado do Fluminense, expunha as mazelas das pessoas em frases curtas e sentenciava com sabedoria pouco usual as limitações a que estamos expostos. Dizia ele que o indivíduo que aceita conviver com uma traição, mesmo depois de descoberta a infidelidade da sua consorte sai às ruas como se nenhum infortúnio em seu lar tivesse se sucedido. Usa chifres de rosca em casa para olhar para a cabrita em sua casa e os retira para se mostrar fagueiro para a sociedade. Para esse tipo de indivíduo, lecionava Nelson, nenhuma punição é limitada.

Pois, é usual vermos chifrudos dessa cepa em todos os lugares, dizendo-se o rei da situação e todos sabendo que o “fura-fronhas” não tem vergonha de ostentar a galhada. O pior é que o guampeiro, mesmo sabendo que sua mulher fez sua inscrição na Confraria de São Cornélio insiste em fazer de conta que nada aconteceu. Mais sem vergonha ainda é o que não larga a traidora para não dividir os bens. Esse, sim, merece todas as chacotas possíveis.

Há indivíduos assim, que descobrem a traição, são confrontados com a verdade inscrita no alto de sua cabeça ornada com um par de chifres e tenta olhar para outros cidadãos, cuja esposa é fiel e amantíssima, como se fossem eles os desgraçados pela relação maculada com a traição repetida. Para esses não há remédio: somente a chacota pública de olhar sua cara sem vergonha e dizer em voz baixa: lá vai ele, com a cabeça enfeitada.
Um cretino com esses predicados jocosos costuma me olhar com sua cara de corno conformado que se orgulha de ninguém lhe dizer em público que sabe de sua galhada exposta. Ele tenta dizer que tudo é maldade das pessoas, que não entendem a volúpia da mulher e que na pior das hipóteses fica valendo a máxima do lupanar: lavou, está tudo bem. Não assume o chifre que carrega e se locupleta em fazer com que todos acreditem que isso não passa de maldade popular.

Enquanto isso a cabritona também se expõe de cara lavada como se nada aconteceu e ninguém sabe de suas puladas de cerca para ir se deleitar em outras pastagens, carregando para seu lar a mácula da traição. Faz cara de paisagem e ignora os comentários maledicentes e nada respeitosos de quem sabe de suas picardias. Todavia, na verdade, todos olham a messalina e falam a boca miúda: nós sabemos o que fez no verão passado, com quem e atrás de qual moita. E mesmo assim a infiel insiste em se fazer de rogada e enverga uma cara de Madalena arrependida, implorando aos outros o mesmo perdão que o marido corneado lhe concedeu.

Diariamente assistimos alguns coitados como um desses “fura-fronhas” a olhar os demais como se fosse deles a culpa por sua desgraçada condição. Poderiam até ser valer de desafios, no vernáculo ou no discurso, mas não o fazem para não passar recibo. Só uma arma em especial não propõem para o embate por saberem que nem todos têm arma similar para lhe confrontar: chifres. Por essa má-ventura do destino permanecem no limbo destinado aos covardes e continuam sendo lembrados por sua alcunha mais temida de cornudos.

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