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OPINIÃO

O equívoco da fé

“Se um ho­mem ti­ver re­al­men­te mui­ta fé, po­de dar-se ao lu­xo de ser cé­ti­co.”

Fri­e­drich Ni­etzsche)

Sua fe­li­ci­da­de não de­pen­de da fé, mas sim, de evi­dên­cia. Te­mos de se­guir as evi­dên­cias. A fé não exis­te por si só, é ape­na um sub­stan­ti­vo abs­tra­to de nos­sa lín­gua ou sim­ples­men­te ad­je­ti­vo ro­mân­ti­co; as evi­dên­cias sim têm vi­da pró­pria, es­tão cer­te­za da exis­tên­cia das coi­sas re­ais! Es­tas flu­em de fo­ra pa­ra den­tro, aque­la, sai de den­tro; uns até a con­fun­dem com de­se­jo. "No prin­cí­pio era o ver­bo"...: ação, fe­nô­me­no e es­ta­do. Deus não pre­ci­sou de fé pa­ra os fei­tos da cri­a­ção! A fé não mo­ve mon­ta­nha, fe­liz­men­te a mon­ta­nha mo­ve a fé. Por que vo­cê não man­da es­se mor­ro sa­ir da­li? Ah! Ele não vai sa­ir, iria con­tra os prin­cí­pios Di­vi­nos?! E nin­guém o ti­ra­rá de lá, se­não por ou­tros me­ca­nis­mos ma­te­ri­ais. Só Deus o re­mo­ve­ria de lá mi­la­gro­sa­men­te, con­tu­do sem pre­ci­sar do ape­lo ou a ora­ção dos pre­ten­sos re­pre­sen­tan­tes dE­le. Pri­mei­ro vem a evi­dên­cia, de­pois a fé. Gra­ças ao in­ver­so dis­so, os hos­pí­cios es­tão chei­os de pes­so­as fer­vo­ro­sas no im­pos­sí­vel, po­rém, es­tas não re­a­li­zam na­da.

— "Fé é crer no im­pos­sí­vel". – as­sim me dis­se um cren­te. Eu o ta­xei de equi­vo­ca­do du­as ve­zes, pri­mei­ro por con­cei­tu­ar e des­cre­ver o Deus ca­ren­te da sua fé pa­ra re­a­li­zar al­gu­ma coi­sa a seu fa­vor; de­pois, por me re­co­men­dar sua re­cei­ta de fé: — "Pe­ça a Deus que lhe dê mais fé". Ca­bem aqui as pa­la­vras de Blai­se Pas­cal: "Por que se­rá que um co­xo não nos ir­ri­ta, e um es­pí­ri­to co­xo nos ir­ri­ta? Por­que um co­xo re­co­nhe­ce que an­da­mos di­rei­to, en­quan­to um es­pí­ri­to co­xo diz que so­mos nós que co­xe­a­mos; se as­sim não fos­se, te­rí­a­mos pe­na e não rai­va". "Não é pos­sí­vel con­ven­cer um cren­te de coi­sa al­gu­ma, pois su­as cren­ças não se ba­sei­am em evi­dên­cias; ba­sei­am-se nu­ma pro­fun­da ne­ces­si­da­de de acre­di­tar." - Carl Sa­gan.

Co­mo se fé fos­se gra­du­á­vel e fos­se a ra­zão do su­ces­so nes­sa vi­da. Se es­sa fé, so­bre a qual en­si­na a igre­ja, va­les­se al­gu­ma coi­sa, não exis­tia nin­guém do­en­te, e to­dos nós se­ri­a­mos ri­cos. Quem são os ga­nha­do­res das lo­te­rias? - evan­gé­li­cos não jo­gam! E quan­to à fé...? Pre­ci­sa-se de fé pa­ra ad­qui­rir mais fé? Pa­ra­do­xal... Não...? Sem fé é pos­sí­vel con­se­guir fé!

Pre­ci­sa­mos sim de uma fé em al­go re­al­men­te exis­ten­te, al­go pos­sí­vel, é vá­li­do crer-se com a ra­zão", "com­pro­va­ção". Nem sem­pre o ima­gi­ná­vel é pos­sí­vel. E o ima­gi­ná­vel vin­do à to­na não é por­que a fé o trou­xe, mas por­que ações bem ar­ti­cu­la­das o trou­xe­ram.  Pe­lo exer­cí­cio da fé, sem o re­sul­ta­do de­se­ja­do, cul­pam cru­el­men­te o pa­ci­en­te, já ado­en­ta­do. Do sem fé, der­ru­ban­do-lhe as­sim sua au­to­es­ti­ma e o ape­go a Deus, fa­zem-no so­fre­dor de­pen­den­te!

On­de es­tá a efi­cá­cia da fé se é pos­sí­vel abu­sar de­la? Eu me re­jo pe­la von­ta­de do sis­te­ma. Os cren­tes no im­pos­sí­vel acei­tam um Deus uni­ver­sal cri­a­dor de Si mes­mo, mas não acei­tam que o Uni­ver­so ge­rou-se a si mes­mo, crer nis­so não me é pro­ble­ma. Um con­jun­to de leis na­tu­ra­is me or­ga­ni­za nes­ta vi­da, e eu ape­nas acei­to de bom gra­do. Ou me­lhor, o mi­la­gre acon­te­ce mes­mo sem eu per­mi­tir. Às ve­zes, de­se­jo pro­fun­do e ati­va­men­te, não ma­gi­ca­men­te, is­so é con­ve­nien­te a Deus, por is­so re­ce­bo a ben­ção. E Deus faz de mim o me­lhor que Lhe apraz. Bem dis­se a Bí­blia so­bre a fé sem as obras ser mor­ta (Tg 2:20). Qual mo­ti­va­ção vo­cê tem pa­ra re­a­li­zar o im­pos­sí­vel? Dis­se, com mui­ta pro­pri­e­da­de, Jo­sé Or­te­ga y Gas­set: "É imo­ral pre­ten­der que uma coi­sa de­se­ja­da se re­a­li­ze ma­gi­ca­men­te, sim­ples­men­te por­que a de­se­ja­mos. Só é mo­ral o de­se­jo acom­pa­nha­do da se­ve­ra von­ta­de de pro­ver os mei­os da sua exe­cu­ção".

(Clau­de­ci Fer­rei­ra de An­dra­de, pós-gra­du­a­do em Lín­gua Por­tu­gue­sa, li­cen­cia­do em Le­tras, ba­cha­rel em Te­o­lo­gia, pro­fes­sor de fi­lo­so­fia, gra­má­ti­ca e re­da­ção em Se­na­dor Ca­ne­do, fun­cio­ná­rio pú­bli­co)

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