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OPINIÃO

Esta cidade, rodeada de montanha...

Foi Isó­cra­tes de Oli­vei­ra quem can­tou:

Mi­nha ci­da­de é ro­de­a­da de mon­ta­nha

tem um rio que a ba­nha

mur­mu­ran­do sem pa­rar.

Eu, quan­do can­tei, evo­quei

ma­nhãs ale­gres

sol dou­ra­do jun­to ao rio

e um de­sa­fio a que acom­pa­nham vi­o­lões.

Co­mo não evo­car ma­nhãs de sol, tar­des pre­gui­ço­sas, noi­tes ale­gres e ma­dru­ga­das ro­mân­ti­cas nes­ta Meia Pon­te das mi­nas de Nos­sa Se­nho­ra? A do Ro­sá­rio, dos Bran­cos e dos Pre­tos. A dos Pre­tos ru­iu sob os des­gas­tes do tem­po e a fra­que­za das bol­sas, min­gua­das de re­cur­sos na­que­le tem­po dos anos de 1940, quan­do os ban­cos fa­li­am an­te a cha­ma­da mo­ra­tó­ria pe­cu­á­ria. A dos Bran­cos, in­cen­di­a­da sob o sig­no de Vir­gem na­que­le fa­tí­di­co 5 de se­tem­bro de 2002. E a lem­bran­ça de mim, em­bri­a­ga­do na Fes­ta do Di­vi­no, pro­cis­são com ban­da-de-cou­ro. Iner­te e bê­ba­do, qua­se im­pe­di o re­tor­no da pro­cis­são, dei­xa­do na so­lei­ra da por­ta la­te­ral, do la­do da Rua Di­rei­ta.

Ma­nhãs de fes­tas

acor­dan­do Meia-Pon­te

ao pé do mon­te seus an­ti­gos ca­sa­rões.

Meu can­to é de sa­u­da­de; sa­u­da­de de mim me­ni­no, ou de mim mais mo­ço. O mur­mu­ran­te Rio das Al­mas...

Rio das Al­mas

vai le­van­do as mi­nhas má­go­as

em meio às águas / a ro­lar, bus­can­do nor­te.

Foi na Ra­ma­lhu­da, ve­rão em 1952, que me afo­guei pe­la pri­mei­ra vez. Um ho­mem gor­do ti­rou-me do po­ço fun­do e seu sor­ri­so me dei­xou con­fi­an­te. Afo­guei-me mui­tas ve­zes mais, po­rém sem me­do. Em quan­tos po­ços, quan­tos co­pos me afo­guei?

Po­ção da pon­te, de tan­ta me­mó­ria! Mú­si­ca eter­na das águas ve­lo­zes... Meia Lua, Pe­drei­ras, La­jes... Tem­po ma­ta­do sem pres­sa em tar­des e ma­nhãs de fé­rias. Vô Lu­iz, meu xa­rá de Aqui­no Al­ves, ma­es­tro e se­res­tei­ro, não se ba­nha­va em ca­sa – só nas águas do Rio das Al­mas.

Meia Pon­te Pi­re­nó­po­lis de se­re­na­tas e cer­ve­ja mui­ta, ca­cha­ça e lua de pra­ta. Meu pri­mei­ro por­re... Acho que foi no Bar do Chi­na, ir­mão de Pér­sio For­za­ni, no ca­sa­rão que, ca­í­do, deu lu­gar à atu­al Ca­sa de Jus­ti­ça.

An­tes dos por­res, os amo­res são a mais do­ce lem­bran­ça. Amo­res fur­ti­vos à mar­gem do rio, amo­res ine­bri­an­tes atrás das igre­jas, ao so­pé dos mon­tes, no pi­co do Fro­ta en­tre as an­te­nas de te­vê (o som da ci­da­de, a ci­da­de lá lon­ge, o ar fres­co da noi­te e a po­e­sia emer­gen­te).

Se­re­na­ta de me­tais e cor­das na noi­te se­re­na­da. Ca­ju ba­ti­za­do na ca­sa de Wil­no. Ale­xan­dre, o ma­es­tro, era um me­ni­no que to­ca­va na ban­da. Meu avô Lu­iz ti­ra­va no­tas ca­ri­nho­sas de um trom­bo­ne e eu vo­li­ta­va, ru­mo ao pas­sa­do, pa­ra en­con­trar meu tio Is­ma­el, o da cla­ri­ne­ta, e Di­to de Me­la­ni, o do pis­tom.

Ai, que sa­u­da­de

de acor­dar ao som do pi­nho

cá no meu ni­nho

e sen­tir a lua cheia

na se­re­na­ta

que dá vi­da à noi­te cal­ma

e le­va a al­ma

à vi­o­la que pon­teia.

Meu can­to de ver­sos ga­nhou rou­pa no­va na me­lo­dia de Jo­sé Pin­to Ne­to. Zé Pin­to, o de Cal­das No­vas, meu par­cei­ro mu­si­cal, tam­bém se foi mais ce­do. Foi en­con­trar os meia-pon­ten­ses idos an­tes, co­mo meu Avô.

E Pi­re­nó­po­lis, a das ve­rô­ni­cas do Di­vi­no, das con­ga­das e dos do­ces cris­ta­li­za­dos, a do li­cor de ja­bu­ti­ca­ba e vi­nho de ca­ju, a Pi­re­nó­po­lis dos meus so­nhos e mi­nhas sa­u­da­des, es­sa que não dor­me... Es­sa, a ci­da­de ro­de­a­da de mon­ta­nha, en­ci­ma­da na pai­sa­gem pe­las três co­li­nas ani­la­das dos gi­gan­tes Pi­re­neus... Ah, es­sa!

Mi­nha, nos­sa, eter­na ci­da­de de Nos­sa Se­nho­ra do Ro­sá­rio! Não há fo­go nem en­chen­te que te apa­gue de nos­sas al­mas.

(Lu­iz de Aqui­no, es­cri­tor, mem­bro da Aca­de­mia Go­i­a­na de Le­tras)

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