Noites de Orfeu é um show-concerto. Quase uma declaração de amor e gratidão a dois dos maiores compositores que alçaram a música brasileira ao mais alto patamar mundial: Tom Jobim e Vinícius de Moraes. Mas outros grandes compositores também estão no programa, como Caetano, Baden e Bonfá. Obras-primas, como: Eu sei que vou te amar, Corcovado, Chega de saudade, Se todos fossem iguais a você, Lígia, entre outras, ganharam uma interpretação muito personalizada com Toni Garrido e o apoio de uma banda luxuosíssima formada pelo pianista Oscar Milito, que acompanhou ‘in loco’ muitos dos momentos históricos da Bossa Nova; Marcel Powell, no violão, filho de outro ícone – Baden Powell; Ronaldo Silva, na bateria e percussão, representante do clã percussivo dos Silva (filho do antológico Robertinho); e Zé Luís Maia, baixista, filho do não menos antológico Luisão Maia. Uma banda de responsa, diriam alguns.
Mas, o show apresentado no Centro de Convenções da PUC-GO neste fim de ano teve um tempero a mais – e muito especial. A presença iluminada da Orquestra Sinfônica de Goiânia, na ocasião sob a regência inspirada do maestro Eliel Ferreira. Como o próprio Garrido informou durante o concerto, este espetáculo já havia sido realizado com um grupo pequeno de cordas. Era a primeira apresentação com acompanhamento de uma orquestra inteira. E tinha mais: arranjos escritos por Sergio Kuhlmann, maestro brasileiro que vive hoje na Espanha e que é um mestre na arte de repaginar canções. Kuhlmann cuidou também dos arranjos das músicas brasileiras que a Sinfônica Jovem de Goiás apresentou na China, em recente turnê. Sempre muito elogiado e reconhecido por seu trabalho.
Mesa posta, com tanta fartura, Toni se esbaldou. Se usa potência máxima de voz quando canta com sua banda pop-reggae Cidade Negra, nesse espetáculo era hora de mostrar outra linha vocal: leveza, sensibilidade. Bem no estilo João Gilberto, ou até mesmo Chet Baker, considerado grande influenciador vocal para o “pai da Bossa Nova”. Garrido tem um belo timbre de voz, algo que casa muito bem com a proposta do espetáculo. E, em cena, é elétrico. Cantou no meio da Orquestra, da plateia, abraçou um e outro, fez selfie e, no fim, saiu pela porta da frente do Teatro. Tudo certo. Segundo ele mesmo, a função do artista é colocar o lúdico no mundo. Faz sentido.
E, num espetáculo com tantas lembranças e referências, não podiam faltar histórias daqueles que viveram a efervescência da Bossa Nova, como o maestro Milito. E, claro, Marcel Powell contando curiosidades das composições e da vida de seu pai, Baden. Histórias de botecos, momentos de inspiração poética e musical, amizades. Coisas do dia a dia, que podem até ser simples, mas que, vistas com outro olhar, formam a atmosfera envolta na criação artística.
Noites de Orfeu em Goiânia ganhou uma nova dimensão. A produtora cultural Vilma Sousa e o maestro Eliseu Ferreira, diretor da Sinfônica de Goiânia, criaram a oportunidade para que o show tivesse esse formato mais amplo. Um belo espetáculo, sem dúvida. Mas não apenas isso. Necessário, urgente. A Música Popular Brasileira que, há alguns anos, era reverenciada no mundo todo por sua riqueza harmônica, melódica e rítmica anda exportando produtos opostos a tudo isso. É a máquina da indústria do entretenimento que não para de fazer dinheiro. E não é o caso de competir. Basta saber que há muita gente ansiosa por ouvir essa música criativa e genial de compositores como Jobim, Baden, Vinícius e tantos outros que estão por aí, renovando a mais rica sonoridade brasileira. Precisamos que isso sobreviva. E que noites como a de Orfeu se repitam.
(Reny Cruvinel, jornalista e músico)