Neste Natal Papai Noel foi para Marte. Ele foi anunciar o nascimento de um menino plácido e bom. Os marcianos são globoamorizados. Os terráqueos preferem a devastação ambiental, a apropriação privada, as armas, a guerra, a opressão, o egoísmo, a hipocrisia, a imoralidade, o desprezo pelo bem-estar do povo, a permissividade social, a elevada taxa de confisco, a destruição brutal da classe média, o desprezo cínico pelas virtudes, o abandono da religião, a busca da riqueza materialista, a inflação, a deterioração do sistema monetário, o suborno, a criminalidade, as atividades incendiarias, os distúrbios, as infindáveis manifestações de ruas, a libertação de criminosos a fim de gerar caos e terror, os escândalos nos cargos públicos, endividamentos, pilhagem do erário público, a tolerância diante da injustiça da exploração, a centralização do governo, o desprezo pelos homens bons e honrados, os constantes “regulamentos” perversos, baixados constantemente por burocracias e burocratas, a perda da firmeza masculina, a feminilização do povo e a sofisticação de certos equipamentos. Além de tudo isso, a miséria em que hoje vive tanta gente e a filosofia de que “Deus está morto”, fizeram com que Papai Noel decidisse ir para esse planeta.
Escurecia quando no céu de Marte flutuou na palha cor de ouro, tenro como um cordeiro, um menino tenro como o nosso filho. O seu rosto refulgia diante da cara de um boi e de um jumento que o olhavam. O aroma do seu corpo aqueceu o ar etéreo em contraste com as chamas de fogo que evaporavam de um mar morto. À meia-noite, Papai Noel desceu subitamente de uma nave argêntea, cumprida, cilíndrica e feérica; com as suas simpáticas renas e o trenó salpicado de engalanados pacotes de presentes, o velhinho sempterno cruzou o céu azul cantando numa tempestade de névoa química:
Ho-ho-ho-ho,
em Marte agora
eu estou.
Os marcianos compreendendo a inocência do menino, adoravam o nascido com o olhar amoroso e a tepidez dos seus corações abertos ao mundo. A essa altura, em todos os lares marcianos, icebergs voadores flutuavam entre as pilastras de cristais das casas servindo aos convivas, panetones assados, frutas, refrigerantes, vinho e miríades de pães de cristais, que eram degustados com fogo elétrico. Entrementes, a criança que nasce na Terra em todos os natais, renasceu também em muitas casas do mundo, sonhando em tornar os homens e os seres dos outros planetas, unidos e felizes sob a vibração de milhares de estrelas captando a flutuante e interrupta música do silêncio que nos anuncia a noite mais feliz, mais sagrada, noite em que o menino tornaria homem nos ensinando a fraternidade.
(Edvaldo Nepomuceno, escritor)