Em meados de 2006 resolvi explorar um dos países mais bonitos e diversificados em flora, fauna e cenários geográficos: a Venezuela. Convidei os aventureiros de sempre, coloquei no papel o roteiro e marquei reunião. O melhor de tudo é sonhar, pensar num lugar desconhecido, inóspito e ir lá explorar. Aprendi isso com Sir Richard Burton, meu ídolo-mor.
Começaríamos pela escalada do Monte Roraima. E assim foi. Surpreendeu-me o imenso e moderno posto fiscal na estrada da fronteira. Senti ali um estado rico. Mas fiquei chateado em não poder abastecer nosso veículo. O primeiro posto ficava a 230 km, a distância entre Boa Vista e Pacaraima. Preços subsidiados são sempre uma lástima. Cria distorções de valor e um mercado negro cruel.
Pacaraima era a porta de entrada, nosso guia brasileiro. Carregadores locais. Longa caminhada pelas savanas venezuelanas, e a “mãe das águas”, o Monte Roraima, ao fundo. Muito bonito o visual, quase surreal as nuvens correndo céleres nas franjas do Tepui. No café da manhã – eu que como muito e bem, logo cedo – tive a desagradável surpresa do racionamento de comida. Oras, se eu paguei; ele tinha que ter comprado o suficiente para todos, certo? Mas não, o estado determina o quanto você pode comprar para comer.
Segunda noite o paredão de agiganta a nossa frente. Percebi pequenas encostas onde passaríamos em “escalaminhada”. Primeiro encontro com a Stegolepis guianenses, bromeliácea local esplêndida, endêmica da região. E lá, ela é mato. Vários pássaros que nunca vi. E chuva e sol, e chuva e sol. Frio e calor, coloca capa e tira a capa. Rotina de trocas constante. Igual à moeda local, desvalorizada permanentemente perante o dólar e um câmbio totalmente esdrúxulo.
Subimos com muita força e determinação e depois de caminhar num solo argiloso de depois meio que vulcânico. Vale lembrar que os tepuis são as formações rochosas do planeta mais antigas de que se têm notícia. Fomos acampar nos “hotéis”, que eram cavernas rasas de espaço exíguo, único local abrigado em toda área de uns 50km2 do topo. Cada detalhe, cada trilha explorada é um turbilhão de novidades. Assim como as notas do presidente local em campanha para reeleição.
A rãzinha negra e venenosa que coloquei na testa. O Vale dos Cristais e seu esplêndido contraste de ângulos e pedras. São dias que passam longos na vivência e curtos nas horas. Impressionado com tanta riqueza e com tão mau aproveitamento dos recursos, o que se refletiu no país como um todo, uma pena. Destaque para o banho na água “polar” das jacuzzis naturais e para “El Foso”, porta de entrada para um sistema de cavernas incrível.
São três dias muito intensos de caminhadas e névoa. O ponto culminante a uns 2700 metros, chamado “Maverick” é espetacular. As formações rochosas mais destacadas, têm nomes de acordo com o seu traço, mas você adivinha quase sempre a denominação, de tão óbvias e realísticas que são. Ali o vento esculpiu com primor. A fome é grande, mas o prazer indescritível. Por incrível que pareça, é fácil se perder por lá.
A coleta diária de dejetos em um tubo e posterior colocação num saquinho para levar de volta é idêntica a política local. Esconde-se e recolhe a merda. Incomoda, mas é necessário para manter as aparências e integridade locais, me explicaram.
Voltamos bem mais magros, o que para as meninas foi motivo de júbilo, e cansados. E prontos para o posterior deslocamento para o Salto Angel. Não sem antes termos sido revistados pela polícia local em busca de não sei o quê.
Esse país me impressionou tanto pelos paradoxos de beleza e mediocridade que comecei a acompanhar a sua política e trajetória há 10 anos. Sinto verdadeira lástima ao recordar das longas conversas com os jovens locais, cheios de sonhos e aspirações. E ver que hoje o país está na beira da bancarrota, montado em petróleo e governado por irresponsáveis. Espero que o Brasil não siga esse rumo, pois aqui a árvore é maior e consequentemente o tombo também.
(JB Alencastro, médico)