“A linguagem predominante das ciências econômicas tende a censurar e invalidar toda e qualquer linguagem alternativa” (Assmann-Hinkelammet, 1993).
O planeta é um grande palco repleto de diversos cenários diante de indivíduos passivos. Uma realidade onde observar é mais importante que agir, como age a criança que quando precisa de conforto busca no pai. Nele, criamos e somos atores de um show, oriundo das “condições modernas de produção”, automaticamente, e, apesar das crises, ainda não há sugestão de liderança para o entrevero que se tornou o mundo. Vivemos a cultura da passividade, analisada pelo teórico social francês Guy Debord, na sua principal obra A Sociedade do Espetáculo, autor que atuou na política, principalmente nos movimentos de maio de 1968. Foi figura importante da Internacional Situacionista – grupo dedicado à crítica daquilo que ele chamou de sociedade do espetáculo: uma coletividade mediada por imagens, onde a lógica do mercado determina o cotidiano de vínculos familiares sem necessariamente a necessidade do amor.
A obra em questão pode ser entendida como uma crítica violenta à sociedade do consumo, à cultura da imagem e à invasão capitalista em todas as esferas da vida. Essa crítica faz de Debord um pensador extremamente atual, que resgata o debate urgente e necessário, como exemplo com relação à presença do intelectual orgânico, ou seja, o profeta ou carismático, o empoderado e endinheirado legitimado em relação a um grupo. Tudo se converte em imagens para compor o espetáculo. E o ser humano é um ter, cada vez mais, incapaz de distinguir a imagem do real, destruída à sombra do muro que separa a ilusão da vida real.
Imersos nesse contexto “teatral” temos a mídia e as redes sociais como habitat. Elas se apresentam como a grande fonte das “fantasias” compartilhadas em que os indivíduos “adestrados” acreditam nos aparelhos ideológicos do Estado, tese discutida por Althusser. Contudo, não estamos tratando de um tipo de fantasia poética, tampouco da magia “necessária” para encarar a vida e sonhar. Estamos diante de uma programação, da imposição de padrões e do “imperativo do senso comum” de uma história que se insere nos corpos sob a forma de costumes expostos por uma moral a ditar modelos de homem, da polícia, da transgressão, do habitus que busca Deus no mercado. E esse Deus, enquanto mercadoria vulgarizada, a partir de sua morte, esconde na condição sagrada que ergue as mãos da alma ao numinoso de um universo religioso comercial onde a religiosidade crucificada pelo cristianismo está cada vez mais menos transcendente, mais acessível no dízimo e real.
Sobre a perspectiva da sociedade do espetáculo, o grande pensador polonês, Zygmunt Bauman argumenta: “Na sociedade de compradores, todos nós somos consumidores de mercadorias, e estas são destinadas ao consumo; uma vez que somos mercadorias, nos vemos obrigados a criar uma demanda de nós mesmos. O resultado geral é uma ‘sociedade confessional’, com microfones plantados dentro de confessionários e megafones em praças públicas. A participação na sociedade confessional é convidativamente aberta a todos, mas há uma grave penalidade para quem fica de fora. Os que relutam em ingressar são ensinados (em geral do modo mais duro) que a versão atualizada do ‘Cogito de Descartes’ é ‘sou visto, logo sou’ – e quanto mais pessoas me veem, mais eu sou…” (BAUMAN, 2014, p. 37).
Assim, destruímos também o muro entre o público e o privado. Queremos público, seguidores, “likes”, inscritos, amigos. O que não nos torna tão diferentes de páginas e perfis comerciais, que procuram basicamente as mesmas coisas com o objetivo de estimular o consumo. Destruímos também o muro que nos ajudava a discernir entre coisas e pessoas. De acordo com Bauman: “Vivemos numa sociedade confessional, promovendo a autoexposição pública ao posto de principal e mais disponível das provas da existência social, assim como a mais possante e a única eficiente. Milhões de usuários do Facebook competem para revelar e tornar públicos os aspectos mais íntimos e inacessíveis de sua identidade, conexões sociais, pensamentos, sentimentos e atividades.” (BAUMAN, 2014, p.71-72).
Nessa “vida espetáculo”, onde predomina o vazio e a padronização, a vontade de ser protagonista se mostra débil. Deixamos de ser para pertencer. Somos meros figurantes, portanto, espectadores “felizes” de um reality show. É certo que parte da sociedade, apressada e conectada, busca conhecimento, desde que prático, aplicável, que possa ser transformado em sabedoria, apesar de sua efemeridade, sem entender bem ao certo a diferença entre conhecimento e sabedoria. Conhecimento é compreensão por meio da razão ou experiência, sabedoria é qualidade, um valor humano, virtude.
Do lado de fora das telas é difícil encontrar alguém capaz de extrapolar a teoria abarcada a conta-gotas de horas acumuladas no banco de uma academia na forma de mercadoria a caminho de um título a ser pendurado na parede, esquecido numa “gaveta qualquer” e que pode até ser útil numa eventualidade de emprego em “qualquer lugar” e numa “área qualquer”. Há aqueles os quais, com pouco conhecimento, podem realizar sim algo mais palpável que os mais intelectuais não conseguem, fazendo assim, e, na luta pela sobrevivência, a pequena grande diferença. O conhecimento está ligado ao raciocínio, já a sabedoria aos aspectos mais profundos do Ser Humano, à sua essência.
Se tudo que é sólido desmancha no ar (Marx), de acordo com Bauman, a sociedade não está atrás do sólido.
O consumo do material que tira o plausível da vida, tem sentido na prateleira, e, no movimento que faz nela. Quando Deus “condena” o homem à Terra, ele fornece insumo para que este viva melhor, o paraíso pregado pelo comunismo, o céu, a prosperidade ou superação e conquista alcançada na teologia da igreja ou igreja da interação com o consumo, a vida melhor aqui e agora, deuses mais líquidos, menos vorazes, prazer ao invés do medo, sem o propósito da transcendência espiritual como o quer e prega a igreja tradicional a mirar e prometer o céu – paraíso que nada mais é que a volta ao útero da mãe..
De acordo com Marx, “não é a consciência que determina o ser social, mas ao contrário, a sua realidade social é que determina a sua consciência”. Nos resta pensar e afirmar, sem comprar, e, mais uma vez, que a realidade sempre foi mais pesada que a regra.
E o pulso, ainda pulsa!
(Antônio Lopes, escritor, filósofo, professor universitário, mestre em Serviço Social e doutorando em Ciências da Religião/PUC-Goiás, mestrando em Direitos Humanos/UFG)