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OPINIÃO

Rio de Janeiro a Dezembro

De janeiro a dezembro será sempre tudo igual. Paisagens deslumbrantes, calçadões famosos, ondas poluídas, trânsito engarrafado, nomes tão doces e tenros. Pão de Açúcar, Arco da Lapa, do Leme ao Pontal, etc. Pichações e malandragens. Sotaques da moda e butiques refinadas. Um centro de atrações que sediou os jogos olímpicos e a copa de futebol.

As atrações são vastas, e os novos tempos inglórios. Um pesadelo avassalou a soberania das madrugadas e o portão abissal trouxe à superfície seres monstruosos, estranhos e terríveis. Tomaram conta da cidade e dos morros. Hecatombe e caos misturavam subúrbio e nobreza. Delegacias metralhadas, helicópteros atingidos, ônibus incendiados, uma explosão infindável de balas perdidas era distribuída como chuva para cabeças.

Mas o carnaval não pode parar nunca. O apito, o samba, a alegria, o Cartola, a memória... Tudo se contagia em exaustiva festa, alvejado em moralidade duvidosa. Mas, ali é o Rio. E de janeiro a dezembro será sempre tudo igual. E agora que venham os jogos, um pedacinho grego pomposo do esporte.

As bandas estão afinadas, os políticos e repórteres mostram os dentes dos sorrisos nos programas da TV. Os jornais e as revistas enquadram o entusiasmo do turismo local. Agentes do governo fazem escutas e investigam profundamente para calar a boca dos que a chamam de a “cidade mais violenta do mundo”.

A madrugada de hoje foi soberana. Estava pálida e fria, e o Cristo Redentor olhava tudo com braços abertos, para abraçar mais pessoas que vão para o céu. A tranquilidade era arrogante: expectativa para novo susto.

Milhares de faíscas rajavam o breu dos morros. Prédios se vestiam como queijos suíços para o novo carnaval. Tropas de choque progrediam. Avançavam. Corpos caíam dos dois lados. Moradores inocentes eram alvos fáceis. E a busca aos mafiosos continuava.

Os morros se avermelharam enquanto a população diminuía. Era o início dos festejos inaugurais da proximidade dos jogos olímpicos. Já falei que a copa vem por aí? Alegria! Bebedeira! Zoeira! O carnaval não faz mal, de janeiro a dezembro é sempre tudo igual!

As avenidas e ruelas se misturam num coleio labiríntico. As rajadas comemoravam o quê? O ano novo? Não: jogos e copa, ainda no passado. Cidadãos abaixados, carros explodindo, e foguetes teleguiados lançados. Tudo denotava a primazia do Rio, na frente de todos os países dos jogos. Os barulhinhos do Iraque eram estalinhos de São João se comparados aos estouros triunfais cariocas.

O Cristo abraçava mais gente nova no céu. A receptividade e hospitalidade carioca são incríveis. Uma tempestade de balas para alegrar os turistas. É festa! O comitê aplaudiu a realização da primeira cidade da América do Sul a sediar os Jogos Olímpicos de Verão em 2016.

A partir de hoje há mais uma proibição: ninguém poderá dizer “Arpoador (Praia do Diabo)”. Isso espanta os turistas!

Uma reflexão sobre os jogos: já temos um favorito na modalidade tiro ao alvo. A Vila Olímpica foi no Recreio dos Bandeirantes, de onde são vistos jacarés (do papo amarelo) e a imponência linda de uma das cidades mais bonitas do país. Quiçá do mundo! No peito: medalhas de ouro, prata, bronze e chumbo. E o carnaval? De janeiro a dezembro será sempre tudo igual!

Este texto foi escrito em 2009 (mudei apenas o tempo verbal, pois os jogos olímpicos não tinham acontecido). Continua atual, com figuras importantíssimas do governo agora atrás das grades, ou melhor, prisão domiciliar. Salvo os memes do Garotinho dando chilique, continua sempre tudo igual. Inclusive, nesta semana mais uma tragédia repetida: caiu outro helicóptero, vitimando outros trabalhadores da segurança pública.

Há esperança num futuro distante, onde esse ciclo seria apenas uma triste lembrança do passado? Rio, de janeiro a dezembro... (já repeti demais!). Até a próxima página!

(Leonardo Teixeira, escritor, escreve às quintas-feiras neste espaço. Contato: [email protected])

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