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Colômbia: o brado da paz venceu a insanidade das armas

O dia 24 de agosto de 2016 virou mais uma página sangrenta da História do povo colombiano. Após 52 anos de conflitos, assassinatos, sequestros e covardia as Farc – Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – assinaram um cessar fogo, depondo suas armas, libertando prisioneiros e dispostos ao diálogo. O acordo histórico fruto de longos e árduos anos de tentativas – desde 1991, no México - foi selado definitivamente em Havana, Cuba, entre o comandante das Farc Iván Marquéz e o chefe da delegação de paz colombiana Humberto de la Calle.

Para conhecermos um pouco mais dessa tragédia que marcou a Colômbia, precisamos ter um breve panorama, do processo de como tudo foi construído.

Com o assassinato do líder liberal Jorge Eliecer Gaitán, em 1948, explodiu novamente a histórica  rivalidade entre liberais e conservadores. O resultado da violência que começou em Bogotá e se espalhou pelo país inteiro,  deixou um rastro de milhares de mortos. Em decorrência do conflito, os partidos rivais envolvidos – Liberal e Conservador - costuraram um acordo e juntos, respaldaram um golpe militar em 1953, contra o então presidente Laureano Gomez, comandado pelo general Gustavo Rojas Pinilla comandante das Forças Armadas da Colômbia e partilharam o poder, usufruindo das benéfices dos canhões.

A insatisfação de alguns liberais que viveram de perto toda aquela carnificina das décadas de 30 e 40 resultou em 1964, na formação das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia – Exército do Povo. Uma organização guerrilheira de esquerda, de inspiração marxista, que inicialmente lutavam pela implantação do socialismo na Colômbia – dentro do contexto da Guerra Fria e do chamado mundo bipolar -, defendendo o direito de presos e o incansável combate ao governo colombiano. Buscando  tomar o poder por uma revolução armada, numa demonstração clara de oposição ao avanço das ditaduras de direita no continente sul-americano, arquitetadas, financiadas e executadas pela democracia norte-americana. Inicialmente era composta por famílias camponesas e que passou a receber crescentemente a influência do Partido Comunista Colombiano.

Ao longo de décadas, houve inúmeras tentativas infrutíferas de cessar-fogo. A violência não cessou, ataques e incursões cada vez mais violentas de ambos os lados, até que em 1993, as negociações cessaram por falta de acordo e a coordenação das Farc se dissolveu em grupos guerrilheiros que passaram a agir de forma independente. Dividiram-se em 70 frentes espalhadas pelo país, com um efetivo entre 7.000 e 10.000 combatentes.

Alguns de seus principais comandantes ou líderes foram, Pedro Antonio Marín, conhecido por Manuel Marulanda Vélez; Luis Edgar Devia Silva, conhecido por Raúl Reyes, ambos mortos em 2008 (março e novembro respectivamente); Guilhermo León Sáenz Vargas, vulgo Alfonso Cano, morto em novembro de 2011, entre outros.

Foi considerada o maior grupo paramilitar na América do Sull, organizadas seguindo as linhas militares e incluiam diversas frentes urbanas ou células de milícia. Defendiam o pobre agricultor na luta contra as classes favorecidas colombianas e eram contrários à influência dos Estados Unidos no país, particularmente o Plano Colômbia – criado no ano 2000 pelo governo norte-americano, com a finalidade de combater a produção e o tráfico de cocaína no país. Porém, tinha também como propósito, desestruturar as guerrilhas de esquerda, como as FARC, com ajuda financeira e militar ao governo colombiano.

Nenhum outro presidente colombiano foi tão incisivo, combativo e ferrenho com as FARC, como Álvaro Uribe (2002-2010). Além de razões pessoais – seu pai foi assassinado pelo grupo em 1983 – as pressões populares, que exigiam do governo ações mais concretas e o combate aos altos índices de violência por todo país. De assassinatos a sabotagem; narcotráfico a sequestros. Os dólares americanos e o apoio militar foram determinantes para o avanço dessas ações. Em 2005 os índices de criminalidade no país, já era um dos menores dos últimos 20 anos. E sua popularidade em 2008 era 91%.

Segundo fontes do governo colombiano, as Farc teriam sequestrado 6.000 mil pessoas nos últimos 10 anos, mantendo-os em condições sub-humanas. No final de 2007 o grupo tinha perto de 800 reféns em cativeiro. Um dos casos mais emblemáticos foi o sequestro da senadora e ativista anticorrupção franco-colombiana Íngrid Bentacourt, que ficou em poder do grupo de 2002-2008, quando foi libertada com mais 14 reféns.

Países como Colômbia, Estados Unidos, Canadá e União Europeia – ao todo 31 -, classificam as FARC como uma organização terrorista. Diferentemente do posicionamento dos governos da Venezuela, Equador, Bolívia, Brasil, Argentina, Uruguai e Chile que aplicam outra classificação.

O ex-presidente Hugo Chávez rejeitou publicamente esta classificação em janeiro de 2008 e “apelou à Colômbia como outros governos a um reconhecimento diplomático das guerrilhas enquanto “força beligerante”, argumentando que elas estariam assim obrigadas a renunciar ao sequestro e atos de terror a fim de respeitar as Convenções de Genebra”. Venezuela e Cuba adotam o termo “insurgentes”.

País de um dos maiores narcotraficantes do mundo nos anos 70 e 80 Pablo Escobar, chefe do cartel de Medellín e grande produtor mundial de cocaína. Vários governos tentaram, mais nenhum conseguiu de fato, combater Escobar e as FARC, nem muito menos, o narcotráfico.

Durante o governo de César Gaviria (1990-1994), após uma caçada implacável, Escobar foi morto numa operação policial em 1993. No sombrio horizonte colombiano, ainda restava combater a pobreza, a violência e as Farc.

Nesse universo incerto, o grupo guerrilheiro com caráter político ideológico de esquerda, para garantir sua existência, continuou recrutando jovens de vários países – inclusive Brasil -  especializando em táticas de guerrilhas e financiadas pelo narcotráfico, que também buscava combater o governo. Ou seja, os rebeldes inconformados com a aliança espúria entre liberais e conservadores, num gesto semelhante, aliam-se, a outros igualmente covardes e canalhas. E danem-se as ideologias e os escrúpulos!

(Marcos Manoel Ferreira, professor, pedagogo, historiador, escritor. Pós-graduando em Docência do Ensino Superior.  [email protected] e www.vozesdasenzala.blogspot.com.br)

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