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OPINIÃO

Escola sem partido

A bancada evangélica não se cansa de inventar moda! Agora, decidiram que têm o direito de definir o que pode ou não ser ensinado nas escolas, mesmo as particulares. O projeto, que é um dos mais absurdos da história do congresso brasileiro é uma tentativa de “proteger” os jovens dos malvados professores comunistas, e ao mesmo tempo forçar garganta abaixo a ideologia protestante a todos os brasileiros, sob a desculpa de que estão garantindo direitos de pais e alunos. É óbvio que é mentira. É óbvio que é apenas mais uma tentativa de instalar o Estado Fundamentalista cristão no Brasil.

O PLS 193/2016 é de autoria do senador Magno Malta, aquele que tem um histórico limpo e brilhante no Congresso brasileiro. Sua vida pública é um show de manchetes, nunca positivas. Em 2007 ele foi indiciado pela Polícia Federal por envolvimento na máfia das sanguessugas. Em 2009, quando presidia a CPI da pedofilia o senador evangélico, defensor das famílias e da moralidade, viajou para Índia para participar de um congresso sobre violência infantil, e de lá esticou o passeio pra Dubai, passando quatro dias por lá sem compromissos oficiais, por conta do povo brasileiro. E a família segue os mesmos passos, seu irmão também esteve envolvido em escândalos de corrupção em 2011.

O único mérito do senador no congresso é defender sua religião e ideologia a ponto de impô-la a todos (Ok, isso não é mérito nenhum). Ele é um dos criadores da frente de defesa da família, que defende somente um tipo de família: a família evangélica, e quer impor esse modelo para todo o povo brasileiro, mesmo quem tenha outra religião, ou nenhuma. Ele, também, já criticou o Conad, por proibir o uso de religião em tratamento de dependentes químicos, defendendo, pelo jeito, que devemos abrir mão de todo o conhecimento científico para tratar os pacientes com oração, mesmo quem não seja evangélico.

Ele chegou ao disparate de criticar o Ministério Público do Rio de Janeiro que denunciou traficantes evangélicos de perseguirem fieis de religiões de matriz africana em favelas do Estado, afinal não podemos criticar cristãos, mesmo os bandidos. Ah, ele também criticou o STF por ter aceitado a denúncia por apologia à estupro contra o dep. Bolsonaro, defendendo que ele tem o direito de falar o que quer contra Maria do Rosário e a favor do coronel Ustra.

Dominação e imposição, aliás, é algo muito familiar às ditaduras e fundamentalistas religiosos. Talvez por isso o senador, apoiado pelas bancadas evangélicas e da bala, as com mais afinidades com estes temas, tenha apresentado esse projeto de lei, carinhosamente chamado de Lei da mordaça. O projeto em si e suas justificativas são tão absurdos que parecem piada. O mais interessante, porém, são as contradições. Não que isso seja novidade vindo desta ala do Congresso que tem contribuído tanto para o país, que nunca foi tão tolerante e exemplo de laicidade.

A justificativa, que está completa no site do senado, começa falando que “é notório que professores e autores de materiais didáticos vêm se utilizando de suas aulas para obter adesão de estudantes à determinadas correntes políticas e ideológicas para fazer com que eles adotem padrões de julgamento e de conduta moral – especialmente moral sexual – incompatíveis com os que lhes são ensinados por seus pais ou responsáveis”. A pergunta é: notório pra quem? Se isso fosse verdade, o PSTU governava o país e todo mundo teria um pôster do Lula em casa.

Essa balela da direita de que existe uma doutrinação Marxista nas escolas brasileiras é tão esdrúxula que fica difícil até contra-argumentar, sem dizer o óbvio. A grande maioria da população nunca leu nada de Marx na vida. Se tivessem lido, provavelmente entenderiam o conceito de “Mais-Valia” e jamais iriam para as ruas defender o pato da FIESP, ou apoiar um governo que está caminhando para aprovar a aposentadoria só depois de morto, e o fim de direitos trabalhistas básicos.

A grande maioria da população, inclusive os que estudaram há 20 ou 30 anos, como diz a justificativa, é contra o comunismo e socialismo, mesmo sem sequer saber o que essas palavras significam. É absurdo achar que existe tal doutrinação sendo que os próprios defensores do projeto, em sua maioria, são a prova viva de que isso não acontece. Basta comparar o número de pessoas nos protestos contra o governo do PT e a favor. A maioria do Brasil hoje quer o fim do PT.

Sobre a “moral sexual” citada, provavelmente estão se referindo à temas envolvendo sexualidade e preconceito. Mesmo com provas científicas de que não se influencia ou se muda a orientação sexual de ninguém, os fundamentalistas continuam batendo nesta tecla, afinal é absurdo em pleno século XXI gays acharem que merecem ser tratados com respeito, sendo pecadores. Taí o “bispo”, que tirou foto com o deputado Jean Wyllys, apenas pra “profetizar” que se o deputado que é gay, não se converter, deve morrer, que não me deixa mentir. O amor cristão é inspirador!

Continuando na justificativa, o senador vai além e chega a citar o ECA, fazendo uma conexão entre as supostas doutrinações a uma forma de exploração. Esse argumento é tão desonesto que soa como uma piada inserida no texto para descontrair o leitor. Talvez para quem usa a bíblia como ferramenta de extorsão, tirando dinheiro fácil de gente ignorante, o termo exploração tenha outro significado. Explorar fiéis tá de boa. Falar de Marx ou tolerância contra minorias em sala de aula, heresia!

O oitavo argumento é contraditório e ao mesmo tempo doentio: “Ao estigmatizar determinadas perspectivas políticas e ideológicas, a doutrinação cria as condições para o bullying político e ideológico que é praticado pelos próprios estudantes contra seus colegas. Em certos ambientes, um aluno que assuma publicamente uma militância ou postura que não seja a da corrente dominante corre sério risco de ser isolado, hostilizado e até agredido fisicamente pelos colegas. E isso se deve, principalmente, ao ambiente de sectarismo criado pela doutrinação.”

O mau-caratismo do autor chega a doer. Ele justifica que a lei, serve para defender quem tem uma posição política diferente de sofrer bullying. Mas e os gays, negros, adeptos de religiões de matriz africana que sofrem perseguições e bullying por um grupo de evangélicos conservadores, no país inteiro, inclusive nas escolas? Esse tipo de doutrinação doentia de certas igrejas não é errado? Pelo jeito, somente evangélicos fundamentalistas têm o direito de perseguir e hostilizar quem não concorde com eles, ou siga suas ideologias.

Além do mais, ninguém é hostilizado no Brasil por ser de direita, que tem um grande número de adeptos, mas se coloca como vítima perseguida pelos comunistas, gayzistas e socialistas, que de acordo com eles, são dominantes, mesmo que os números mostrem o contrário. PSTU, PC do B e afins que o digam. Sua representatividade é mínima se comparada aos pobres coitados da direita conservadora. Agressão tem sofrido quem é justamente a favor de partidos de esquerda, como uma atriz hostilizada recentemente, por representantes da família tradicional brasileira, protestando contra quem não pensa como eles.

Mas o mais absurdo ainda está por vir. De acordo com o nobre senador, “um Estado que se define como laico – e que, portanto, deve ser neutro em relação a todas as religiões – não pode usar o sistema de ensino para promover uma determinada moralidade, já que a moral é em regra inseparável da religião; Permitir que o governo de turno ou seus agentes utilizem o sistema de ensino para promover uma determinada moralidade é dar-lhes o direito de vilipendiar e destruir, indiretamente, a crença religiosa dos estudantes, o que ofende os artigos 5º, VI, e 19, I, da Constituição Federal”.

Pode rir, a piada principal é essa! Moral é inseparável da religião! Imagino quantos filósofos estejam se contorcendo neste momento. A moral não precisa e nunca precisou da religião para existir. Pelo contrário, um dos primeiros códigos morais da humanidade, já havia sido deixado por Confúcio em 500 a.C.: “Aquilo que não desejas para ti, também não o faças às outras pessoas.” A moral plena é, justamente a que não precisa de uma muleta social, como a religião, para existir.

O Estudo Longitudinal de Gerações americano, realizado ao longo de 40 anos, identificou temas muito pertinentes em relação à moral e famílias religiosas. Os dados mais surpreendentes mostram altos níveis de solidariedade familiar e maior proximidade emocional entre pais e filhos não religiosos. Foram identificados fortes padrões éticos e valores morais enraizados e transmitidos aos jovens. Os pais sem religião possuíam mais princípios éticos e os seguia com mais força do que pais religiosos.

Esses pais ensinam desde cedo a seus filhos a grandeza da empatia. A reciprocidade é a grande regra de ouro. Se colocar no lugar do outro e tratá-lo como gostaria de ser tratado. Não que isso não seja ensinado por diversas religiões. Mas se você não coloca isso como regra da religião e sim como uma ferramenta para uma vida melhor, os valores passam a ser mais firmes. Mesmo que questione sua religião, você não irá questionar esses valores.

As crianças filhas de pais sem religião, não se importam em agradar os "legais" da escola, e não sentem uma necessidade de se adaptar às exigências de grupos para serem aceitos. Quando adultos eles tendem a ser menos racistas que seus pares religiosos, (lembre-se que no Brasil tem pastor que diz que negros são amaldiçoados). Além disso, esses adultos tendem a ser menos vingativos, autoritários e mais tolerantes que adultos religiosos.

Chega a ser irônico, isso. Os que não seguem o Deus de amor tendem a ser pessoas melhores que os religiosos. Esses adultos sem religião tendem a apoiar direitos das mulheres e homossexuais e outras minorias, além disso, cometem menos crimes. De acordo com documentos do Departamento Federal de Prisões, dos EUA, os ateus representam menos de meio por cento da população carcerária do país.

Pra terminar, ainda sobre a ideia ridícula de que Moral só existe por causa da religião, em 2012, um estudo realizado por diversos estudiosos, entre eles Robb Willer, numa parceria entre as universidades da Califórnia, do Colorado e a Universidade Estadual do Oregon resultou em descobertas interessantes sobre compaixão e generosidade, envolvendo religiosos e não religiosos. O estudo foi realizado com mais de 1500 voluntários e concluiu que pessoas menos religiosas tendem a ser mais sensíveis às necessidades de um estranho. Além disso ficou evidente que a compaixão e caridade vinda de religiosos estava mais ligada à obrigação com a religião ou preocupação com a imagem perante outros religiosos e a sociedade em geral.

Ou seja, as pesquisas mostram justamente que a moral não só não é vinculada à religião, como jamais precisou desta pra existir. O mais absurdo foi ainda usar a desculpa do Estado Laico, que a bancada evangélica tem desrespeitado constantemente, impondo os “valores cristãos” à toda população, mesmo que não professem o cristianismo, para justificar essa barbaridade. A contradição é gritante.

Nem chegamos na lei propriamente dita, e já percebemos absurdos imensos contidos na justificativa. A Lei em si é rasa, cheia de ambiguidades e com a proposta de implantar uma nova ideologia, muito mais rígida que a tal ideologia que eles fingem querer combater. A começar por ignorar o que já está definido como princípios da educação na Lei 9.394/96 que dispõe sobre as diretrizes e bases da educação nacional, incluindo outros itens que são tão absurdos que chegam a ser constrangedores.

O primeiro item, é talvez o único válido, mas que vai ser contrariado pelos seguintes: neutralidade política, ideológica e religiosa do Estado. Na Lei original um dos principais itens é respeito à liberdade e apreço à tolerância, deixado de lado pelo projeto atual, já que nele é proibido falar de sexualidade, ou seja, se você for gay, vai continuar sendo perseguido pelos coleguinhas crentes na escola.

Um dos itens diz que é direito dos pais a que seus filhos recebam a educação religiosa e moral que esteja de acordo com as suas próprias convicções. Primeiro, a lei não define o que vem a ser essa educação moral e religiosa, já que não é obrigação do Estado fornecer estudo bíblico por exemplo. Além do mais, moral não está ligada à religião, portanto esse item não faz sentido, já que ao estudar algo de acordo com suas “próprias convicções” você não está educando, apenas perpetuando um doutrinamento.

O projeto que visa defender nossos jovens dos malvados comunistas, é apenas mais uma ferramenta na cruzada evangélica contra os gays, baseada nessa obsessão absurda pelo aparelho reprodutor/excretor alheio. Tanto que a lei tem um parágrafo exclusivo para tratar da famosa ideologia de gênero que só existe na mente doente destes parlamentares.

O projeto diz que: “O Poder Público não se imiscuirá (se intrometer) na opção sexual (ninguém no mundo além desses fundamentalistas tratam orientação sexual como opção!) dos alunos nem permitirá qualquer prática capaz de comprometer, precipitar ou direcionar o natural amadurecimento e desenvolvimento de sua personalidade, em harmonia com a respectiva identidade biológica de sexo, sendo vedada, especialmente, a aplicação dos postulados da teoria ou ideologia de gênero.”

O projeto é inócuo, nesse ponto, já que não é possível aplicar uma ideologia que não existe. Não existe registro de nenhum professor ou escola que esteja tentando “mudar” a orientação sexual dos alunos ou forçar algo neste sentido. O que muitos professores vêm trabalhando é justamente tolerância e respeito para com o diferente, principalmente gays, trans, negros e fiéis de religiões africanas. Mas ao trabalhar com isso fica escancarado a perseguição evangélica contra essas minorias. A frente em defesa da família não pode permitir que isso aconteça!

A lei da mordaça, ou projeto escola livre, quer apenas tornar todas as escolas brasileiras em sucursais protestantes fundamentalistas, que não aceitam quem ouse pensar diferente. O pretexto é o mais esdrúxulo possível: combater a doutrinação comunista no Brasil, mesmo que os protestos contra o atual governo mostrem justamente que a maioria da população não apenas não sabe o que é comunismo, como rejeita todo partido oficialmente ligados à essa corrente política.

Ao fortalecer uma escola com alunos que tenham pensamento crítico, os estudantes se afastam mais ainda das igrejas, principalmente as fundamentalistas, ao perceber que são fonte de preconceito e discriminação gratuitos. Ao abrir suas mentes, o resultado é apenas um: mais jovens ateus que evangélicos, como mostrou uma pesquisa recente da PUC-RS que traçou o perfil do jovem da geração Y. Ateus não pagam dízimo. Jovens questionadores não aceitam calados o que seus líderes religiosos ditam. Isso não é bom para os negócios.

O alvo do “escola sem partido” não é e nunca foi o comunismo. Como não conseguiram retirar da pauta das escolas a discussão sobre preconceito, mesmo após o show ridículo contra a “ideologia de gênero” no PNE. Resolveram criar uma nova ferramenta para impor seu falso moralismo, cheio de ideologias. Dizem que querem combater uma ideologia comunista, mas o objetivo real é apenas um: dar mais um passo na implantação do Estado Fundamentalista Cristão, implantando sua própria ideologia. Vem logo, meteoro!

(Bruno Rodrigues Ferreira, psicólogo e jornalista. Especialista em Educação e Tecnologia e Gestão em Saúde. Twitter: @ferreirarbruno)

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