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OPINIÃO

As peripécias de um ditador 

A América Latina e a África sempre tiveram pontos em comum, dentre eles o fato de ambas terem pontificado como criadouros de ditadores, não precisando nem descer a detalhes, bastando folhear as páginas da História.

Em se falando de ditadores, até que o Brasil não se destaca nesse particular, uma vez que não se pode contar como ditadura o período do descobrimento até a proclamação da República, pois, em regra, praticamente todo o mundo era governado por monarquias. A única fase do Brasil que pode ser enquadrada como ditadura é aquela posterior a 1964, vulgarmente conhecida por “Ditadura Militar”. A não ser o caso dos Estados Unidos, que em 1789 elegeu George Washington seu primeiro presidente, os países do mundo, eram de origem monárquica, e as eleições surgiram a partir de lutas pela independência, pois que, invariavelmente, queriam ter seus próprios governantes. E o caso dos Estados Unidos fugiu a esta regra: sua colonização foi feita de forma racional, sem vínculo com o regime de seus colonizadores e, diferentemente de Portugal com o Brasil, os ingleses vieram para a América com ânimo de permanência, trazendo suas famílias, professores, bens e tecnologia, enquanto Portugal iniciou o povoamento do Brasil com pessoas condenadas ao degredo e usaram o Brasil apenas como fonte abastecedora de pau-brasil, cana-de-açúcar, café e ouro.

Para encurtar conversa, basta que o leitor leia o livro “Bandeirantes e Pioneiros”, de Viana Moog, para compreender o porquê de, apesar de ter iniciado sua colonização um século antes dos Estados Unidos, o Brasil estar com muito mais de um século em atraso. Daí, todos os países colonizados principalmente pela Espanha, terem virado criadouros de caudilhos e déspotas.

Mas não é fácil dizer qual o caudilho que praticou mais desmandos e arbitrariedades, e vamos eleger apenas um como exemplo: pouco conhecido fora das fronteiras de seu país, o general boliviano Mariano Melgarejo, contemporâneo do nosso D. Pedro II, e que governou o país andino por apenas sete anos (de 1864 a 1871), e não obstante o relativamente curto período de seu governo, é considerado pela quase unanimidade muitos bolivianos como o pior presidente da história de um país marcado por péssimos mandatários.

Ele subiu ao poder após uma guerra civil que derrubou o presidente Manuel Isidoro Belzú, este foi convidado por Melgarejo para uma reunião para um entendimento, oportunidade em que foi assassinado por Melgarejo. Ali começam as histórias que erguem o mito. Até hoje circulam no país anedotas sobre as condutas absurdas e às vezes criminosas do então presidente, muitas delas com tons de lendas.

Com o poder consolidado, Melgarejo estabeleceu uma ditadura violenta que perseguiu opositores e prejudicou especialmente a majoritária população indígena boliviana, tomando suas terras. Em 1868, Melgarejo reuniu o Congresso para a edição de nova Constituição para o país. Com ela na mão, e de pé, reuniu a elite política e econômica da Bolívia para um banquete.

Após ouvir discursos exaltando a superioridade da nova Carta Magna sobre a anterior, respondeu, para a perplexidade generalizada dos presentes: “Não sou nenhum falso nem hipócrita: saibam todos os senhores deputados que a Constituição de 1861, que era muito boa, meti nesse bolso, e a de 1868, que é melhor, segundo esses doutores, já meti em esse outro, e que ninguém governa na Bolívia mais que do que eu.”

Um episódio famoso envolve o Brasil, tendo sido decisivo para a assinatura do Tratado de Ayacucho, de 1867, que vendeu largas porções do território boliviano ao Brasil, a inclusão na negociação de um belo cavalo branco para Melgarejo. A história se confunde com a lenda comum no Brasil de que o hoje Estado do Acre foi comprado da Bolívia por um cavalo. Na verdade, a incorporação do Acre só ocorreria décadas depois, por meio de outro tratado, o de Petrópolis.

Corre na Bolívia um caso segundo o qual Melgarejo obrigou um embaixador britânico, que o teria contrariado, a montar nu, e de costas, sobre um burro e circular por La Paz, antes de expulsá-lo do país.

Ao saber do ocorrido, a rainha Vitória mandou bombardear a capital boliviana. Naquela época o avião não tinha sido inventado, e após ser informada de que isso não seria possível pela distância da cidade do litoral, mandou trazer um mapa, riscou a Bolívia e anunciou que o país não mais existia.

Deposto por adversários internos em 1871, Melgarejo se exilou no Peru, onde acabou assassinado por um ex-cunhado naquele mesmo ano.

Filho de um espanhol com uma boliviana, Melgarejo era analfabeto, alcoólatra e deu um golpe para chegar ao poder. Era dado a orgias e a passear bêbado com tropas pelas madrugadas de La Paz.

Essas peripécias não têm paralelo com o Brasil, mas o ser um semianalfabeto e alcoólatra bem que lembra uma pessoa por aqui que quer deixar o nome como estadista.

(Liberato Póvoa, desembargador aposentado do TJ-TO, membro-fundador da Academia Tocantinense de Letras e da Academia Dianopolina de Letras, escritor, jurista, historiador e advogado, [email protected])

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