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OPINIÃO

Os podres poderes

“Enquanto os homens exercem

Seus podres poderes

Morrer e matar de fome

De raiva e de sede

São tantas vezes

Gestos naturais”

(Caetano Veloso)

No ano de 1984, o eterno tropicalista Caetano Veloso lança seu álbum "Velô" onde traz, além de dez canções, a paradigmática "Os podres poderes". Em si, é poema e mais do que isso, é breve e sintético tratado lírico e musicado a refletir sobre a lástima do poder em nossa América Latina.

São quatro minutos e vinte segundos de um tocante chamamento acerca do que tem sido historicamente o poder real e concreto nesta parte do mundo.

Não podem ser considerados os pensadores, políticos ou analistas sociais que não bebam nas fontes artísticas. Atrevo-me a dizer que artistas são espécies de oráculos de um tempo e que por meio de suas artes, sempre libertárias, nos comunicam o presente, velando e revelando o passando e anunciando aquilo que se chama futuro.

Betinho tem lindo arremate sobre os artistas. Diz o grande sociólogo: "Artistas são deuses e não sabem que o são". Na verdade é bem isso. Na execução de sua arte provocam arrebatamentos individuais, reflexões, emoções e estados de espírito.

Veloso com o seu "Os podres poderes" nos leva a pensar na necessidade de concebermos novas formas de poder. Recordo-me do filósofo francês Michel Foucault sobre a assertiva de que o poder está em tudo.

Como não podemos nos livrar desse "mal" podemos e devemos pensar novas engenharias ou arrumações societárias acerca do poder e, asseguradamente a melhor forma de fazê-lo é descentralizando-o; repassando-o, transferindo-o sobretudo, àqueles que lhe dão forma e sentido: a população.

As velhas formas de governo, velhas formas, portanto, de exercício de poder, useiras e vezeiras da concepção falaciosa de converter o povo em mero receptáculo de benefícios públicos, evidentemente, em doses homeopáticas é fórmula velha, crônica e integralmente superada.

Emancipar é ativar a participação; é ser parte militante no processo de liberação de consciências individuais e coletivas a fim de que homens e mulheres assumam os rumos de suas vidas; que definam os próprios destinos e que não deleguem seus horizontes para qualquer sorte de homem, poder ou governo a não ser o seu próprio.

Diferentemente a emancipação individual não é a ruptura com o mundo social ou a elevação de um despótico mundo individualizado. Bem ao contrário, é a possibilidade de qualificação da própria vida social e coletiva. A defesa é que homens livres e autônomos são mais produtivos, mais integrais nas pelejas de construção da vida comum. Homens livres pensam melhor, intervem com mais propriedade e luminosidade do que escravos, mesmo que sejam escravos modernos.

É nesse sentido, contexto e intenção que um governo de homens deve atuar. Com base em princípios de equivalência, igualdade e justiça, daí... Não tem jeito, o melhor caminho é a distribuição de poder. Por meio de assembleias populares, conselhos, cooperativas, grupos de autogestão, plebiscitos e ouvidorias.

Não duvidem... Estamos tratando da construção de uma nova cultura política, de uma outra civilização. Atrevidamente, de homens e mulheres livres.

(Ângelo Cavalcante, economista, cientista político, doutorando (USP) e professor da Universidade Estadual de Goiás (UEG), campus Itumbiara)

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