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OPINIÃO

Um exemplo do excesso de leis criadas pelo governo que estão prejudicando o trabalho da iniciativa privada e da sociedade civil

Em nosso último artigo, terça, dia 1º.03.16, disponível em dmdigital.com.br, mostramos como a “Lei Psiquiátrica” que exige enorme burocracia para hospitalização involuntária está produzindo centenas de milhares de  irreversíveis zumbis (lesionados cerebrais por falta de internação por alcoolismo ou drogas). O objetivo de tal “lei”, a meu ver, em sua confecção, foi duplo: dar um argumento legal para o SUS evitar internações (que, evidentemente, como tudo no Governo, quer barrar a canseira de “excesso de serviço” e o acesso do cidadão) e podar o “poderzinho médico”:  configurando uma agenda “moderna”, corporativista, coitadista, antiautoritarista, de “castrar” os detentores do poder, evidentemente poupando os reais detentores, dando-lhes  até mais poderes, p.ex., obrigando o médico a “pedir autorização” para os profissionais da carreira jurídica, que, evidentemente, não entendem nada do assunto médico-psiquiátrico em questão. O foco é a agenda antipsiquiátrica: senão, por que não estender a lei a Todos os pacientes que não podem ou não querem decidir seus tratamentos médicos, p.ex., os pacientes comatosos que recusam cirurgia ou intervenções, os púberes, crianças que rejeitam agulhadas, os infartados que chegam gritando de dor e chutando todo mundo, etc? Ninguém pergunta se esses aqui estão sendo internados “involuntariamente”, ninguém acha que o médico ,nesses casos, precisa expedir um pedido de internação para juízes,  promotores, grupos colegiados, etc.

O médico psiquiatra F.P. que dirige um hospital para toxicomania, me escreve argumentando:  “Marcelo, acho que é, sim,  possível ,com a nossa atual legislação, internar ‘à revelia’. Configurar-se-ia crime não internar quando há risco de vida, ameaca grave à ordem pública ,incapacidade grave de autocuidados, exposição social grave e perturbacao grave da ordem pública.”

Eu respondo: Caro F.P., a dependencia química/toxicomania, mesmo em pacientes “não-em-risco-para-si-ou-outrem”, é doença mental e doente mental perdeu a capacidade de ter a liberdade de decidir entre o sim e o não.

Acho que no SUS o entendimento é um pouco diferente, pois, para se verem livre dos problemas (só indivíduos e instituições particulares querem “canseira”, pois isto lhes dá dinheiro), dão uma olhada no cara e se ele não tá comendo b...*, dizem que “tem capacidade de discernir”. Só quando chega no Korsakoff (demência alcoólica grave) que eles dizem que “é, agora ele não tem mais capacidade de discernir”, mas aí já não tem mais nada pra fazer.

Infelizmente, só um médico psiquiatra – e dos muito bem formados – sabe quando uma pessoa tem ou não capacidade de discernir. A pessoa sem formação específica na área, por mais competente o seja, p.ex.,  juiz, promotor, psicólogo, as. social,  conselheiro tutelar,  etc, não tem esta capacidade técnica, evidentemente auferida em anos de prática hospitalar e estudos altamente especializados.

Penso que só não é passivel de hospitalização a pessoa que eu, como psiquiatra, vejo que tem capacidade de discernir. Mas isso é extremamente difícil, requer um expertise enorme. Por exemplo, há muitos por aí, aparentemente altamente “normais”, articulados, inteligentes, vivos de espírito, etc, mas cuja querelância, erotomania, reivindicacionismo, fanatismo, “idealismo”, fixidez ideica, energia implacável, irredutibilidade afetiva,   etc, mostram que perderam a capacidade de discernimento. É o que o psiquiatra francês Clerembault chamava de “psicoses passionais”. Sem medo de parecer muito cabotino, apenas a formação psiquiátrica sólida capacita para este diagnóstico.

Para 99% da população, são “normais”. Inclusive, em muitos casos, tais pacientes tem acolhidos processos contra médicos, hospitais, etc, pois todos, Governo, Justiça, órgãos “humanitários”, “antimanicomiais”, os acolhem de braços abertos (“coitados desses indignados”, “estão mesmo sendo injustiçados”, “vamos ajudá-los a defenderem-se contra os poderosos”).

Quando se trata, então, de toxicomania/alcoolismo, de qualquer nível, a incapacitação, a meu ver, é escancarada. Para os serviços privados também (aqueles que querem trabalhar). Ou seja, só não é escancarada para o SUS, porque o SUS não quer ter canseira com este tipo de gente (“não está dando dinheiro para ninguém”). Daí terem de inventar leis e mais leis equivocadas para eximirem-se o tanto que puderem.

Essa discussão continua em nosso próximo artigo, domingo.

(Marcelo Caixeta, médico psiquiatra. Artigos as terças, sextas, domingos ([email protected] )

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