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OPINIÃO

O amigo

Mais um dia, sigo minha jornada, sem olhar para trás, lembranças são o que restam, o hoje, o amanhã e o ontem. O presente e agora, depois que acontece não adianta arrepender-se.
A mente do andarilho anda mais rápido do que seu corpo, por mais que o corpo acelere a mente vai estar à frente.
Todas as histórias que já se passaram sempre renovam o amanhecer, as experiências do passado fazem que o caminho do hoje ofereça mais segurança.
O andarilho sente que a cada dia esta mais preparado para os problemas vindouros, o saco nas costas parece ter dobrado o peso, deve ser o cansaço, o andarilho sente a necessidade do descanso
O caminhante vê ao longe uma casa abandonada as margens da estrada, caminha lentamente ate chegar, entra, pois as portas foram arrancadas por algum desocupado, ou por alguém que estivesse precisando muito.
Coloca o saco no chão, deita sua cabeça sobre ele, e mal fecha os olhos para iniciar um descanso e de repente uma voz.
Boa tarde.
O andarilho se vira e da de cara com um projeto de ser humano.
O sujeito fala ao andarilho.
Fique a vontade, pois a casa e nossa.
O andarilho continua observando aquele projeto de ser humano, e pergunta ao homem.
O senhor e que e o dono daqui.
Não, eu apenas usufruo.
Aqui e de todos que vagam por essa estrada, o lugar mais próximo para se abrigar da chuva fica a uns trinta km, e um hotel pulguento em um velho posto de gasolina.
O andarilho percebe que aquele ser apenas quer agradar, e segue a conversa.
O senhor esta aqui há quanto tempo.
Faz uns dois anos, eu vivia vagando de um lado para o outro, mas me deu trombose nas pernas e eu não pude mais ficar vagueando por ai, ando um pouquinho e as pernas esquentam e começam a doer.
E a família. Pergunta o andarilho.
O sujeito da um sorriso longo e responde.
Ta por ai. Desde que perdi o dinheiro e a dignidade.
O andarilho pergunta.
E como foi isso.
O sujeito puxa uma lata de tinta vazia que esta em um dos cantos da casa senta-se e fala.
Vou lhe contar.
Eu era bem sucedido, bem visto e todos gostavam de mim. Mas tinha um amigo de infância que não deu muito certo na vida, e vivia colado em mim, todos o chamavam de ima, pois ele não desgrudava.
Ele se acomodou para ele estava bom, não precisava trabalhar e vivia me sugando, sempre na minha sombra, e quando alguém perguntava o que ele fazia ele respondia que era meu sócio.
Eu sempre levei aquilo como brincadeira, não tinha como alguém pensar que um sujeito que nunca trabalhou pudesse ter construído um patrimônio como o que eu possuía.
O andarilho fica encabulado, mas ainda não coordenou seus pensamentos, mas percebe pelo tom de voz do homem que o final da história não pode ser bom.
O sujeito continua.
Bem viajante, eu sempre estranhei o padrão de vida que o amigo levava frequentava somente festas de gran fino, usava muita droga, e fingia ser patrão, sempre rodeado de mulheres, e ao seu lado um bombado mal encarado, que fazia sua segurança.
Um dia ate comentei com minha mulher sobre o que eu estava vendo e ouvindo, mas ela só falava, deixe o para La, ele só quer se divertir.
O tempo foi passando e ele cada vez mais querendo se fazer de patrão, eu fui ficando chateado com aquilo, ate que um dia me cansei e cheguei nele.
Fui objetivo, disse que não estava gostando daquela situação e pedi para que ele procurasse o caminho dele.
Ele se transformou, não aceitou, não parecia à mesma pessoa.
O andarilho começa a imaginar o final daquela historia, mas só balança a cabeça e continua calado.
O sujeito continua.
Ele me pediu sua parte, e falou dos anos de dedicação, e que não iria sair de mãos abanando senão eu iria me arrepender.
Então perguntei o que ele queria.
Ele friamente me disse.
Quero a metade do nosso patrimônio.
Ele foi ao contador das minhas empresas e pediu o balanço, e fez tudo isso agindo em meu nome.
O andarilho rompe o silencio e pergunta. O que você fez.
O sujeito então continua.
Ora não cedi à pressão, o que fiz foi tentar ajudá-lo do meu jeito.
Dei a ele, mas que suficiente para tocar sua vida.
O andarilho interrompe, mas uma vez e pergunta.
E ai.
O sujeito responde.
Bem ele pegou resmungando e saiu.
Mas pouco tempo depois voltou pedindo mais, fiquei com pena e dei, mas não adiantou ele sempre voltava.
Mas um dia me cansei, pois fiquei sabendo que ao invés de montar um negocio ele estava gastando tudo na farra.
O andarilho não consegue se conter, e diz ao homem, quando e assim o urubu só vai embora quando acaba a carniça.
Pois essas almas negras alem de sugar o dinheiro também sugam a energia vital daqueles que o cercam.
O homem continua.
Da ultima vez que ele me procurou e eu neguei, ele disse que eu me arrependeria, e que ele iria me destruir. Não dei atenção e segui minha vida, mas as palavras dele não me saiam da cabeça.
Pois sabia que ele estava armando alguma coisa para me destruir, de vez em quando eu sentia sua presença, ele rondava minha casa, a empresa e todos os locais que eu freqüentava.
Ate que em uma tarde de domingo eu tirava o carro da garagem para ir ate um parque fazer uma caminhada e fui surpreendido por dois homens que se identificaram como policiais.
Eles me trataram com arrogância e me conduziram a um distrito policial, chegamos ao DP e me colocaram a certa distancia do meu carro, e iniciaram uma busca veicular, não demorou muito e encontraram certa quantidade de cocaína.
O andarilho se surpreende cada vez mais com a história. E fica imaginando o tipo do amigo que aquele sujeito deu guarida.
E o homem continua sua história.
Apos encontrar a droga os policiais me levaram ao interior do distrito. O delegado foi me interrogar, e alguns minutos depois os policiais voltaram com uma grande quantidade.
A pressão foi ainda maior, mas eu sabia que nada daquilo era meu e continuei alegando minha inocência.
Mas nada do que eu dizia tinha valor.
O andarilho apenas ouve.
O sujeito fica com um semblante triste, uma lagrima teima em rolar dos seus olhos, pois contar aquela história e reviver uma parte muito ruim de sua vida.
Em seguida o tom de voz muda, a revolta surge naquela face corroída pelo tempo.
E meu caro eu sabia que era armação, mas fui autuado em flagrante, fui levado a julgamento e peguei doze anos no regime fechado.
O sofrimento era intenso, não pelo fato de ficar preso, mas pelos acontecimentos que se sucederam na minha ausência.
O andarilho pergunta o que aconteceu enquanto você cumpria sua pena.
O sujeito agora bem mais calmo continua.
Bem. Enquanto eu estava preso o amigo se aproximou da minha mulher e com a ajuda de outros amigos contou uma história criada por eles.
Onde eles questionaram meu patrimônio, disseram que foi tudo adquirido com dinheiro do trafico de drogas. Levaram uma mulher com um filho nos braços dizendo ser meu.
E inventaram uma longa história a meu respeito. Ao final minha esposa acreditou em tudo.
O andarilho fica perplexo, e Indignado com os fatos.
O sujeito continua.
Bem apos todos os acontecimentos ela foi me visitar, me xingou muito, e disse que eu devia pagar por tudo que fiz.
Essa foi a ultima vez em que a vi.
Tive que me adaptar a nova vida, pois não tinha mais escolha.
Tive que aprender a ter paciência.
O andarilho não entende. E pergunta como assim.
Caro amigo eu fui julgado pelo mundo, mas estava em paz comigo mesmo, se não tivesse mantido o equilíbrio perderia a lucidez.
Nos momentos de desespero conversava com um colega de cela, ele era espírita e como tínhamos tempo conversávamos muito, e acabei aceitando esta filosofia de vida.
O andarilho se sente feliz por saber que o homem aceitou os acontecimentos com sabedoria.
O homem continua.
Meu caro, quem errou não fui eu, aqueles que me prejudicaram e que sofreram, pois a cadeia para minha vida teve sentido, e para eles qual o sentido da vida.
Foram eles que criaram toda a situação, eles e que foram condenados, ao final só irão colher o que semearam.
Pois quem faz o mal atrai para si a divida, pois da mesma forma que me julgaram serão julgados.
Não adianta lamentar, e os pensamentos vindos do desespero e do ódio devem ser deixados de lado.
A vida não e uma ação, e sim uma reação do que fizemos com ela, tudo e um processo de escolha no qual tudo vem através da reação dos nossos atos.
O nosso processo de escolha e que nos guiara pelos caminhos da nossa existência.
O andarilho percebe a grande lição que o homem aprendeu ao deixar um preguiçoso viver ao seu lado como um carrapato.
E o homem segue sua triste historia de vida.
Aos poucos destruíram tudo que levei anos e esforço para construir, e ao final a ruína se abateu sobre todos.
Eu fiquei apenas 5 anos na prisão, pareceram trinta, e quando sai e fui ver o que tinha sobrado, percebi que os cinco anos para eles foram o limite de suas existências.
Vi de longe o antigo amigo na praça da cidade manipulando um monte de bêbados, colocando os pobres homens para mendigar e buscar o dinheiro para comprar pinga, que os faziam se manterem vivos.
Tentei não ser visto, mas ele, esperto como era me identificou de longe, e quando tentei me afastar não teve jeito, ele se aproximou como se não tivesse acontecido nada.
Quando dei as costas ele falou em voz baixa, me perdoe eu não sabia o que fazia, fingi não ouvir e segui meu caminho, e naquela mesma noite ele foi morto a pedradas e pauladas pelos moradores de rua os quais tinham se tornado sua família, parecia só estar vivo para me pedir perdão.
O andarilho sente que as engrenagens do destino seguem um tempo próprio, e que deixa tudo em sintonia, se uma se move ao contrario o tempo para ate que as conexões se restabeleçam para que o fluxo evolutivo continuo siga.
O homem diz ao andarilho. Eu o perdoei, pois o erro também foi meu, eu deveria ter interrompido sua jornada de sanguessuga desde o inicio, mas não o fiz, também tive parte na criação daquele comportamento doentio.
Ao sair da praça onde o antigo amigo estava passei diante da minha antiga morada, estava mais bela ainda, o lugar valorizou muito, e por ali se encontravam os mais abastados.
E lentamente fui me afastando do antigo lar, e quando passava em frente a minha antiga loja alguém me chamou, olhei e era um antigo funcionário.
Ele me levou ate a copa e tomamos um café, ele me atualizou de todos os acontecimentos.
Disse-me que depois de todo o ocorrido o antigo amigo enlouquecido pela droga contou a todos que tudo foi armação, mas como a vida tinha melhorado para muitos todos preferiram se calar e deixar a vida seguir.
Minha antiga esposa se entregou ao próprio destino, ela tinha tudo e não sabia o preço de nada, e com minha ruína ela se foi e nunca mais se ouviu falar nela.
Os policiais que armaram para mim seguiram seu destino, cada um foi para um lado, tiveram que sair da cidade, pois não tinham mais credibilidade, perderam tudo que construíram e saíram pior do que chegaram.
E eu meu caro andarilho, vivo em um mundo próprio, aprendi que armazenar não significa ter, o ter para mim e sinônimo de prisão, posso ate estar errado, mas hoje minha vida segue em outra direção.
Fico por aqui e tento ajudar a todos que caminham por essa estrada, me sinto útil não me falta nada, sempre tem alguém disposto a ajudar.
Aqui e meu escritório, a minha moeda de troca e o bem, muitos dos que passaram por aqui sempre retornam com algum tipo de ajuda, nada do que faço e perdido, ora estou sozinho e em outro momento estou cercado de peregrinos do destino.
Hoje sou luz, sou paz, sou parte do caminho.
O andarilho observa o homem, depois da conversa já não parece o mesmo ser de antes, do seu hálito exala o perfume de lírios do campo.
A ruína pode ter se abatido sobre aquele ser, mas os bens que ele agora acumula são a moeda de troca no momento da transição.
Não devemos escolher a quem, mas sim continuar ajudando sempre, um tempo que passamos ouvindo um aflito tem mais valor do que uma noite de farra e esbórnia.
Isso e a vida, um tempo que se segue, não importa onde esteja ou quem seja, o valor do tempo e único, a diferença esta em como usaremos a ampulheta do destino.
E assim caminhante e caminho se fundem, fazendo todas as jornadas serem únicas, pois ao final estaremos todos no mesmo nível de igualdade, do pó ao pó.
E depois de tão agradável conversa o andarilho volta ao caminho que e único na multiplicidade das existências, na fração cósmica do multiplano existencial.

(Paulo César de Castro Gomes é graduado em Direito pela Universidade Salgado de Oliveira Goiânia, pós-graduado em docência universitária pela Universidade Salgado de Oliveira Goiânia, pós graduando em Criminologia e Segurança Pública pela Universidade Federal de Goiás. (email. [email protected]))

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