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Famoso poema “Só” e o poeta das estrelas

Nos tempos de Páscoa, quando os cristãos celebram a ressurreição de Cristo, vamos esquecer por momentos os horrores que vêm sendo praticados no mundo pelo Estado Islâmico sem que tenha havido, até agora, uma reação plena das nações civilizadas para eliminar de uma vez por todas o terrorismo que ameaça a segurança mundial, assim como o lamaçal da corrupção que inunda os escalões da República brasileira, a começar pelo Palácio do Planalto, além dos descalabros na política, na economia e na ética, para uma abordagem sobre temas condizentes com a alegria pascal, que fazem bem a alma, ao coração e autoestima. Vamos nos referir a dois poemas famosos e memoráveis. Até porque em Literatura o que mais importa é a qualidade e não a quantidade, a exemplo de Castro Alves, o poeta da Abolição, que se tornou notável com o poema “O Navio Negreiro”. Os dois célebres protagonistas de nossa temática de hoje são o goiano da antiga Vila Boa (Cidade Goiás, 28/8/1845 – 29/3/1887, em sua terra natal), o juiz e desembargador Antônio Félix de Bulhões Jardim, que se notabilizou com o famoso poema “Só”, autêntica joia literária; e o carioca Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac (RJ, 1865 - idem 1918), expressão maior do parnasianismo no Brasil. Na condição de jornalista, defendeu o civismo e combateu o analfabetismo. Também foi considerado o poeta mais lido do País. Entre outras obras, escreveu “Panóplias”, “Via-Láctea” e “Sarças de Fogo”, que compõem o livro “Poesias”. Bilac foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras.
No caso específico do magistrado, desembargador e poeta Antônio Félix de Bulhões Jardim, quando era juiz de Direito de Arraias, em 1872 (antigo Estado de Goiás, atualmente Estado do Tocantins), ele escreveu seu famoso poema “Só”, que o consagrou na poesia. Na Academia Goiana de Letras é Patrono da Cadeira 4, cujo fundador foi o professor Colemar Natal e Silva, posteriormente ocupada por sua filha Moema de Castro Silva Olival. Aliás, o Prof. Colemar muito colaborou com o sociólogo e antropólogo Darcy Ribeiro, ministro da Educação e Cultura, em 1961, para a fundação da Universidade Federal de Goiás (UFG) na Rua 20 e também foi seu primeiro Reitor. O então governador Mauro Borges Teixeira foi o paraninfo de nossa turma em Direito na referida faculdade, que funcionava na Rua 20. Segundo arquivos da AGL, a obra completa de Félix de Bulhões, com o título de “Poesias”, foi publicada pela Fundação Cultural Pedro Ludovico, em 1995, com edição preparada por Domingos Félix de Souza e prefaciada por Linda Monteiro. É oportuno registrar que seu irmão mais novo, José Leopoldo de Bulhões Jardim, nascido em Goiânia, em 1856, e formado pela Faculdade de Direito de São Paulo, além de ter sido senador por Goiás, ocupou por duas vezes as funções de ministro da Fazenda, a primeira no governo Rodrigues Alves e a segunda na administração do presidente Nilo Peçanha. A cidade goiana de Leopoldo de Bulhões, que fica às margens da antiga Estrada de Ferro Goiás, tem o seu nome em homenagem ao irmão mais novo de Félix de Bulhões, o qual, além de poeta, também foi um dos mais talentosos jornalistas goianos com críticas sensatas aos desmandos.
Vamos agora transcrever o famoso e consagrado poema “Só”, do poeta, jurista e jornalista, o goiano da histórica e tradicional Via Boa, Félix de Bulhões Jardim:
“Parei! – chegado havia ao cimo da montanha
Aspérrima e tamanha –
O sol morria além!
Parei; sentei-me à beira do caminho,
Sentei-me ali sozinho,
Eu só, sem mais ninguém.

Olhei atrás e avante. – Os largos horizontes
Debruçam-se nos montes.
E longes, por além,
De branco e azul e fogo e púrpura toucados,
Diziam contristados:
“Tu só sem mais ninguém.”

Percorro o estádio feito em um só lance d’olhos
Sem contar os abrolhos,
E muito, muito além,
Nas veigas serpentes o trilho venturoso
Que eu correra ditoso,
E só, sem mais ninguém.

Atrás deixava o prado, a vida, a flor, o aroma,
E o doce amor que assoma
Na juventude. Além,
Além a névoa densa, a dúvida insegura,
Além a bruma escura,
Eu só, sem mais ninguém.

Avante a escarpa está de crua descambada,
Precípite e eriçada,
Um passo mais além,
Eu vou com passo firme e resoluto e certo
Para o eterno deserto,
Eu só, sem mais ninguém.”

Ainda sobre Félix de Bulhões, ele foi criteriosamente estudado no Dicionário do Escritor Goiano, do também escritor José Mendonça Teles, que também o incluiu no livro “Memórias Goianas II”, edição da Universidade Católica de Goiás e sob sua coordenação. Tinha 24 anos quando ganhou de seu pai, major Inácio Soares de Bulhões, uma tipografia, o que favoreceu sua vida como jornalista. Mais tarde, em 1885, fundou o Centro Abolicionista, editando o periódico “O Libertador”, quando defendeu entusiasticamente a abolição da escravatura negreira. Foi professor de História Sagrada e Eclesiástica no Seminário Episcopal de Santa Cruz na antiga Capital do Estado. Também exerceu o Ministério Público e ocupou com honradez várias funções eletivas.
Por sua vez, Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac, em sua “Via-Láctea”, um conjunto de poemas publicados no livro “Poesias”, ficou célebre com o soneto número XIII, que começa: “Ora(direis) ouvir estrelas”. A “Via-Láctea” é uma galáxia do sistema solar. E o poeta em noites com o céu estrelado, tinha por hábito acordar nas madrugadas, abrir as janelas e conversar com as estrelas. Vejamos o teor do soneto número XIII do poeta das estrelas:

“Ora (direis) ouvir estrelas! Certo
Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto,
Que, para ouvi-las, muita vez desperto
E abro as janelas, pálido de espanto...

E conversamos toda a noite, enquanto
A via-láctea, como um pálio aberto,
Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céu deserto.

Direis agora: “Tresloucado amigo!
Que conversas com elas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão contigo?”

E eu vos direi: “Amai para entendê-las!
Pois só quem ama pode ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrelas”.
Saudemos, enfim, com entusiasmo e o rosto risonho, o famoso poema “Só”, do imortal poeta e juiz goiano Félix de Bulhões e da mesma forma o poeta das estrelas!

(Armando Acioli, jornalista e formado em Direito pela UFG)

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