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OPINIÃO

A pensão alimentícia

Na feição solidária dada pela constituição ao novo direito de família, os alimentos não são apenas sinônimos de despesas relacionadas à alimentação, mas sim, o conjunto de meios materiais necessários para a existência da pessoa, sob o ponto de vista físico, psíquico e intelectual. Isto é, tudo o que se afigurar necessário para sua manutenção de maneira digna, incluindo-se no conceito tanto as despesas corriqueiras do alimentando: alimentação, habitação, saúde, educação, vestuário, cultura e lazer; quanto as despesas ocasionais: farmácia, uniforme escolar, livros educativos, etc.

Consequentemente, por tratar-se de obrigação tendente à manutenção digna da pessoa humana, o regramento legal dos alimentos é cercado de peculiaridades que o afasta das relações obrigacionais comuns. Eles, por exemplo, têm natureza personalíssima, de modo que deverão ser fixados à vista da possibilidade financeira do alimentante em compasso à necessidade de recursos do alimentando; não admitem cessão gratuita ou onerosa, nem tampouco toleram compensação com dívidas de que natureza for; são impenhoráveis e, além disso, gozam de preferência de pagamento no caso de concurso de credores.

São, também, irrenunciáveis quando fixados em prol de incapazes e, ainda, imprescritíveis, vez que o direito de obtê-los em juízo pode ser exercido a qualquer tempo, desde que presentes os requisitos exigidos por lei – parentesco, necessidade e possibilidade. Sobre o aspecto da prescrição, não se deve confundir a imprescritibilidade do direito de exigir em juízo a fixação de pensão alimentícia, com o direito de se exigir judicialmente o pagamento das prestações já arbitradas pelo juiz e inadimplidas pelo devedor, que prescreve em dois anos.

Aliás, tendendo os alimentos à manutenção digna do alimentando, devem servir-lhe no tempo presente e futuro, não sendo concedidos no pretérito. Assim, a conhecida “pensão atrasada”, que pode ser cobrada judicialmente e que prescreve em dois anos, abrange, como dito, tão só as parcelas já fixadas pelo juiz e não cumpridas pelo devedor.

O novo código civil trouxe ainda a possibilidade de a pensão alimentícia ser cobrada dos avós, no caso em que o parente responsável por suportar o encargo – na hipótese: um dos pais – não tenha condições para tanto.

Por último, fechando a explanação sobre as principais peculiaridades da pensão alimentícia, impende ressaltar o caráter irrepetível da verba e a impossibilidade da suspensão automática de seu pagamento, ou seja, a quantia paga a título de alimentos não pode ser restituída ao alimentante, por ter servido à sobrevivência do alimentando e, na mesma perspectiva, não pode ter seu pagamento suspenso sem que haja decisão judicial que exonere, ainda que temporariamente, o alimentante dessa obrigação.

Ancoradas essas premissas, nos ateremos a discorrer sobre os critérios para fixação do valor da pensão alimentícia, escudados, é claro, no binômio formado pela necessidade de quem a recebe vs a capacidade contributiva de quem a paga. Isso porque, ausente um desses elementos, frustra-se a prestação alimentícia, porquanto, ainda que se reconheça as necessidades do credor, não é possível fixar uma pensão que escape à capacidade econômica do devedor.

Desse modo, como não há um percentual ou valor previamente estabelecido para fixação dos alimentos, deve o magistrado, à vista das particularidades de cada caso, sopesar com prudência essas duas variáveis, definindo o quantum da pensão com base na equidade.

Portanto, o critério mais seguro para definir o valor da pensão é a sua vinculação à soma dos rendimentos do devedor. Entretanto, somente quando o alimentante está vinculado ao serviço público ou tem relação empregatícia é que se vê a possibilidade de utilização deste critério.

Por outro lado, em se tratando o alimentante de profissional liberal, autônomo ou empresário é evidente a dificuldade para o arbitramento do valor da pensão, dada a dificuldade de se aferir os valores de seus rendimentos. Inclusive, para mitigar essa dificuldade, tem a jurisprudência admitindo a quebra do sigilo fiscal e bancário do alimentante, no intuito de identificar os seus efetivos rendimentos.

Todavia, em não sendo possível a aferição desses rendimentos, deve o magistrado tomar como parâmetro para identificação da capacidade contributiva do devedor de alimentos o seu particular modo de vida, de forma que o alimentando possa manter-se proporcionalmente à maneira exteriorizada por quem está obrigado a alimentá-lo.

Não por outro motivo, vem sendo admitido tanto pela doutrina quanto pela jurisprudência, sobretudo a do Superior Tribunal de Justiça, a utilização da teoria da aparência para guiar a estipulação da verba alimentar. Surgem, nesse contexto, os chamados “sinais exteriores de riqueza” do devedor de alimentos.

Desse modo, toma-se como critério para fixação dos alimentos não a alegada falta de recursos do alimentante – em não raros os casos, até mesmo comprovada por documentos –, mas, isto sim, o padrão de vida social e econômico por ele ostentado.

Assim, fixam-se os alimentos levando em consideração os sinais de riqueza demonstrados pelo modo de viver e por tantos outros aspectos do cotidiano do devedor, admitindo-se a aferição de sua capacidade contributiva com base nessas referências, visto que muita das vezes, embora prove ganhar pouco, tem um padrão de vida elevado, incompatível com sua alegada carência de recursos.

(Carlos Leopoldo Dayrell, professor emérito da cadeira de direito civil da Faculdade de Direito da UFG e sócio do escritório Dayrell, Rodrigues e Advogados Associados S/S. Lucas Yuri Coutinho Toledo, estudante de Direito da PUC/GO, estagiário em Direito do mesmo escritório)

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