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Virada na jurisprudência: STF abre a porta da cadeia e fecha a janela da impunidade

No último dia 17 de fevereiro, o STF proferiu, embora por maioria, uma decisão histórica: autorizou o cumprimento da pena, quando uma decisão de segunda instância confirmar a condenação. A decisão indica mudança no entendimento da Corte, que desde 2009, no julgamento da HC 84078, condicionava a execução da pena ao trânsito em julgado da condenação, mas ressalvava a possibilidade de prisão preventiva. Até 2009, o STF entendia que a presunção da inocência não impedia a execução de pena confirmada em segunda instância.
Nada mais lógico, pois o princípio da presunção de inocência, com as carradas de recursos protelatórios nada mais era do que “empurrar com a barriga” casos de notórios condenados, que só deveriam cumprir a pena após o esgotamento de todos os recursos.
Para o relator do caso, ministro Teori Zavascki, a manutenção da sentença penal pela segunda instância encerra a análise de fatos e provas que assentaram a culpa do condenado, o que autoriza o início da execução da pena.
Para os advogados a expedição de mandado de prisão sem o trânsito em julgado da decisão condenatória seria um tapa na cara da presunção da inocência (artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal). É claro que para quem vive disso, a decisão joga um balde de água fria nas pretensões de qualquer defesa.
O ministro Teori Zavascki, relator do caso, com muita razão, ressaltou em seu voto que, até que seja prolatada a sentença penal, confirmada em segundo grau, deve-se presumir a inocência do réu, a partir daí, exaure-se o princípio da não culpabilidade, até porque os recursos cabíveis da decisão de segundo grau, ao STJ ou STF, não se prestam a discutir fatos e provas, mas apenas matéria de direito. E citou, para respaldar-se, que a Lei Complementar 135/2010, conhecida como “Lei da Ficha Limpa”, expressamente, consagra como causa de inelegibilidade a existência de sentença condenatória proferida por órgão colegiado.
É preciso lembrar que em país nenhum do mundo, depois de observado o duplo grau de jurisdição, a execução de uma condenação fica suspensa aguardando referendo da Suprema Corte. Só no Brasil.
O relator foi acompanhado pelos ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Luiz Fux, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes; restaram vencidos os ministros Rosa Weber, Marco Aurélio, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski.
Agora, depois da confirmação de uma condenação por um tribunal de segunda instância, a pena já pode ser executada, já que a fase de análise de provas e de materialidade se esgota. Ao STJ e ao STF cabe apenas as discussões de direito. Por isso, disse o ministro, o princípio da presunção de inocência permite que o recurso seja imposto já durante o cumprimento da pena, já que a fase de análise de provas e de materialidade se esgota em segunda instância.
Para Alberto Zacharias Toron, um dos mais respeitados advogados do país, secundado por outros luminares da advocacia, o resultado é “duplamente desolador”. “Primeiro porque, a pretexto de se interpretar a Constituição, negou-se vigência a uma garantia do cidadão. Ao invés de lermos que não se presume a culpa até o trânsito em julgado, agora devemos ler que não se presume a culpa até o julgamento em segunda instância. Se o Constituinte errou, pior para ele. Mudar a regra constitucional, nem pensar. O Supremo faz isso sozinho, tiranicamente”, declarou, acusando o Supremo de se deixar levar pela voz das ruas.
Em 2010, o Plenário do STF decidira que a Constituição é literal ao dizer, no inciso LVII do artigo 5º, que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”, conforme acórdão relatado pelo ministro Eros Grau, hoje aposentado. E esse entendimento deu força aos advogados criminalistas, que argumentam que o Supremo, que tinha coragem de tomar decisões impopulares, agora a perdeu.
Não há dúvida de que, com o nosso falido sistema carcerário, será muito grande o impacto, pois aumentará sobremaneira a população carcerária, que hoje está na ordem de 600 mil presos. Mas, por outro lado, vai obrigar o poder público a construir mais presídios e a sensação de impunidade vai acabar trazendo certo alívio aos brasileiros, para quem cadeia, no Brasil só é feita para três pês: preto, pobre e prostituta.
No entendimento anterior, de se aguardar se esgotarem-se todos os recursos para levar os facínoras à cadeia, pode ocorrer a prescrição, o condenado morrer e outros fatos, que fazem com que o povo desacredite na Justiça, pela impunidade dos mais fortes, que têm dinheiro para bancar advogados.
Agora ficou resumido: se o tribunal estadual confirmar a sentença do juiz singular; se o TRF fizer o mesmo com o condenado porum juiz federal; se o STJ confirmar a condenação de um juiz federal pelo TRF ou uma condenação por um tribunal estadual e se o STF confirmar uma condenação do STJ, abrem-se as portas do presídio e fecham-se as janelas da impunidade. Estranhamente, o que os advogados vão fazer é torcer para que seus clientes não sejam tão cedo julgados pelo tribunal “ad quem”, a não ser que tenham absoluta certeza de que serão inocentados. De cabeça de juiz, bumbum de criança, boca de urna e traseira de jumento pode haver surpresa.
Embora não haja sido abordado o caso de condenação pelo próprio Supremo, que é a única instância para quem tem privilégio de foro, e não havendo outra instância, vem fechar a derradeira janela da impunidade para os políticos, pois, ressalvado o remoto caso de embargos declaratórios com efeito modificativo, aquela Corte já pode mandar o condenado para a cadeia.
Mas vamos ficar com Victor Hugo: “Quem abre escolas fecha presídios”;

(Liberato Póvoa, desembargador aposentado do TJ-TO, membro-fundador da Academia Tocantinense de Letras e da Academia Dianopolina de Letras, escritor, jurista, historiador e advogado, [email protected] )

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