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OPINIÃO

Passando o Brasil a limpo!

Toda vez que ouço a velha história de que querem passar o “Brasil a limpo” já sei que o que está por vir destoa e muito de justiça, liberdade e democracia. Já tentaram “passar o Brasil a limpo” em outros episódios e todo mundo sabe no que deu... Ainda hoje estamos procurando ossadas em valas de norte a sul do país.
Sei bem o que é “passar o Brasil a limpo”. Fazem quinhentos anos que matamos índios; tem igual tempo que estupramos adolescentes e emprenhamos mulheres na força e no ódio; fazem quinhentos longos anos que nos devotamos à prostituição, ao vício e a matança. Vivemos pela violência e pelo extermínio desses malditos pobres. Por quatro séculos escravizamos negros e ainda hoje saímos à caça de seus quilombos, nas periferias, nas favelas, nas roças e nos bairros populares.
O Brasil é uma grande favela e já somos um país suburbanizado. E daí? O que eu ou você temos que ver com isso? Que me importa?
Carregamos meio milênio de abusos e violências contra crianças e somos um país de infanticídios. Matamos pela fome, pela chacina, pela diarreia, pelo analfabetismo e pela indiferença; desde que chegamos neste “paraíso tropical” estamos a intermitentemente destruir o meio ambiente. Por quê? Porque queremos ser modernos, atrair negócios do além-mar e arrasar com o que sobrou de nossa natureza e das vidas e que por aqui existiam.
Copiamos europeus, bajulamos americanos e, simplesmente, temos pavor daquilo que de fato, somos: negros, caboclos e misturados. Essa gente somos nós e... Serão estes que irão “passar o Brasil a limpo”?
Não há um único dia em que um esgoto não estoure; que um policial não exija uma propina; que um professor não fique “doente” para não dar aulas; que um aluno não fuja da escola.
Somos um país que assiste “Big Brother”; que escuta conselhos de economia de Mirian Leitão; que se admira com as falas rebuscadas e apocalípticas de William Waack e que, ao mesmo tempo, jamais se reuniu na associação de moradores, no sindicato do trabalho ou no partido popular porque, para nós, “política é coisa suja”, “se reunir dá trabalho” e quer saber... Vou é cuidar da minha família.
Somos um povo que de fato, acredita que não se deve discutir religião, futebol e política. Dessa estranha compreensão nasceram espécimes raras e putrefatas como Edir Macedo, Valdomiro Santiago, dentre outros e outras; dessa infame e trágica percepção, a CBF e o futebol brasileiro se tornaram o maior lamaçal desportivo do mundo sendo, inclusive, objeto de investigação de policias internacionais como o FBI ou a Interpool; por vivermos essa desgraçada crença ideológica, a política brasileira já se encontra na antessala da maior ruptura institucional desde a assunção política do Marechal Deodoro da Fonseca.
Por tanto querer “passar o Brasil a limpo” já somos um país de neonazistas, de partidos fascistas onde inclusive já se fez apologia aberta e escancarada ao estupro, ao assassinato em massa de homossexuais e de indígenas.
Os que bradam desesperadamente por “passar o Brasil a limpo” são os mesmos que defendem “justiça” com as próprias mãos, que se encantam com linchamentos, com esquadrões da morte e acusam, de novo acusam, qualquer um que esteja em um partido trabalhista de já ser uma espécie de “inimigo público número um”.
Quem vai passar o “Brasil a limpo”? O judiciário brasileiro? De longe o mais fechado e antidemocrático dos poderes da República, confraria de muito altos e injustificados salários, espécie de nova dinastia onde famílias se perpetuam em seus intestinos e, conforme a mesma tradição, se nega a qualquer sorte de efetiva reforma.
Serão os togados os que irão “passar o Brasil a limpo”?
Será a mídia brasileira e que, até as pedras sabem que toda ela, toda a ampla, moderna e “imparcial” mídia brasileira está na mão de cinco famílias? Estrutura rígida, que não presta contas a ninguém e que se nega veementemente a qualquer tipo de democratização ou controle social e público. Serão estes?
Será o congresso nacional? Comité secular de defesa de privilégios de minorias abastadas desse país de crimes e injustiças?
Os empresários? Gente “de bem”, branca, de sobrenome europeu, de bons modos e que abocanham durante os 365 dias no ano os principais nacos dos orçamentos sociais e públicos sob a ameaça de: “Me conceda ou...Vou demitir!”.
Quem vai “limpar o Brasil”? A falsa moral da classe média brasileira, este sofrido segmento que gravita entre o medo da proletarização e o sonho de se aproximarem da alta e minúscula burguesia brasileira?
Sinceramente, acho que não. Com a palavra, os trabalhadores conscientes deste país de quinta categoria; a gente das periferias e de suas organizações sociais; os trabalhadores rurais portadores de sonhos e inteligências coletivas; dos bons servidores do povo; de padres e pastores do mundo social, das proximidades e identidades e que entenderam a centralidade do trabalho na produção da vida nacional.
Quem vai “limpar o Brasil”? Com a palavra... A periferia!

(Ângelo Cavalcante, economista, cientista político, doutorando em Geografia Humana (USP) e professor da Universidade Estadual de Goiás (UEG), campus Itumbiara)

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