Home / Opinião

OPINIÃO

Viu no que deu, congresso?

Não foi erro não. Escrevi congresso com letra minúscula mesmo, e com a autoridade de quem esteve lá, por 16 anos, além de ser Constituinte de 1988.

Ultrajado pelas últimas decisões do Supremo ao interpretar o diz-que-diz-que (tradução deste termo: fofoca) instalado via filigranas jurídicas incabíveis e desonestas a serviço de se manter um status que garanta sustentabilidade ao governo e à oposição, os dois sem razão nenhuma, cada qual querendo engolir o outro, enquanto a Nação sangra, que aponto o meu dedo em riste e acuso de inepta toda a querela, sobretudo seu desfecho.

A meridiana clareza com que o texto constitucional trata a questão do processo contra o presidente da República por crime de responsabilidade não autoriza ninguém, mas ninguém mesmo, a alterar a sua inteligência mandamental, alem do que, é auto-aplicável. Tem eficácia jurídica, ou seja, apta a produzir efeitos na ocorrência de relações concretas.

Vejamos. Três remansosos artigos da Constituição vigente iniciam e terminam dizendo como se faz um impeachment no Brasil. Fora deles, qualquer tentativa de subverter-lhes a ordem, aí sim, é golpe. Não me interessa contra quem e em que circunstâncias. Uma lei não tem lado. Assim se comportam: o Art. 51. Compete privativamente à Câmara dos Deputados: I - autorizar, por dois terços de seus membros, a instauração de processo contra o Presidente e o Vice-Presidente da República e os Ministros de Estado; o Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal: I - processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles; e o Art. 86. Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade. § 1º O Presidente ficará suspenso de suas funções: II – nos crimes de responsabilidade, após a instauração do processo pelo Senado Federal. Onde remanesce dúvida, pergunto.

Ainda que se quisesse questionar o modus faciendi (uso o termo em homenagem aos colegas que gostam de expressões latinas), nenhuma margem de dúvida fica. Uma vez assente que dois terços de uma Casa (Câmara dos Deputados) autorizam a instauração, e isso é apenas a declaração de início (aqui ainda não há julgamento), à outra (Senado Federal) cabe processar e julgar, sem nenhuma autorização constitucional que permita objeção a tal declaração de início, qual seja o conhecido juízo de admissibilidade, uma vez proclamada, a suspensão do Presidente deverá ser automática (mas no âmbito da Casa que o processará). Votar o que, indago.

Se o Constituinte 88 ficou calado em relação ao quórum nos artigos 52, I, e na parte final do 86, é porque optou pela regra determinada pelo Art. 47. Salvo disposição constitucional em contrário, as deliberações de cada Casa e de suas Comissões serão tomadas por maioria dos votos, presente a maioria absoluta de seus membros. Tudo tão claro.

Trocando em miúdos. A Câmara dos Deputados admite o processo por dois terços de seus membros, envia ao Senado a autorização, e este, sem rever a decisão da Câmara, inicia o processo e já suspende o Presidente, mas com todas as garantias ao devido processo legal. A deliberação no julgamento será tomada por maioria dos votos, presentes a maioria absoluta do Senado. Os atos processuais (a forma de fazer) são assuntos internos das Casas, já diz a Constituição.

A Suprema Corte estaria hoje imune de qualquer maledicência se tivesse sentenciado ao congresso (insisto nas letras minúsculas): “Cumpra-se a Constituição Federal”, além de reclamar que aos deputados e senadores é que cabe a função de elaborar leis, alterá-las, revogá-las, enfim, cuidar para que o Judiciário não seja instado a fazer o que acaba de fazer: legislar.

Jamais esqueçam, senhores parlamentares, que Rui Barbosa já havia exortado: “A pior ditadura é a ditadura do Judiciário. Contra ela, não há a quem recorrer”.

(Iram Saraiva, ministro emérito do Tribunal de Contas da União)

Leia também:

edição
do dia

Capa do dia

últimas
notícias

+ notícias