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OPINIÃO

Hóspede ‘ilustre’ da 7ª CSM

Na minha próxima ida a Goiânia, vou solicitar uma visita à sede da 7ª CSM (Circunscrição do Serviço Militar), ali na esquina da Av. Paranaíba com a Rua 74. Quero rever os corredores e as salas de minha hospedaria. Da sacada do 1º andar, apreciar o movimento lá embaixo, as pessoas indo e vindo, indiferentes ao que se passa lá em cima.

A primeira vez que lá me hospedei, foi na tarde do dia 17 de fevereiro de 1956. Acabara de descer de um monomotor, vindo da Serra do Cachimbo, onde fui cobrir a ‘revolução’ do major Veloso e do capitão Lameirão. Ambos da Aeronáutica, dia 11 daquele mês, surrupiaram um avião do Campo de e se aquartelaram na serra, no Estado do Pará. Deflagravam um movimento de insatisfação contra Juscelino Kubitscheck, que ficou conhecido como o Movimento de Jacarepaguá, que não foi muito longe.

Gentis, dois oficiais do Exército me ‘recepcionaram’, solicitando-me que os acompanhasse. Entramos num jeep e lá nos fomos.

– Não se preocupe. O senhor não está preso, queremos apenas algumas informações – disse um deles.

Não me dei por muito preocupado, porque ambos eram conhecidos, e estávamos sempre juntos no nosso dia a dia. Como o carro da Folha de Goyaz atra-sou, pedi a eles que avisassem sobre o meu paradeiro.

Pediram, ‘por empréstimo’, os filmes fotográficos, os cadernos de apontamentos, além do depoimento do que vi, ouvi e uma descrição do ambiente e das pessoas que estavam lá. Fui dispensado lá pela meia noite, depois de um jantar com os oficiais. Mas o material demorou uns três dias.

Um mês depois, o jornal me mandou a Porangatu-GO, onde a PM se aquartelara, numa vigília, à distância, ao movimento campestre liderado pelo campesino José Porfírio. Ele e seus cabras estavam acantonados nas quebradas das serras e grotas nas terras de Trombas, município de Formoso de Goiás. Região conflagrada, não havia movimento para lá, mas se tinha notícias de que a turma estava preparada para ‘receber’ a polícia e até disposta a atacar o acampamento da PM, o que mantinha a tropa em alerta máxima.

Como a polícia não ia, nem Porfírio vinha, uma manhã mandei uma mensagem telegráfica para o Jornal, dizendo que eu estava a caminho de Trombas. Aluguei um jeep e nele fui até Formoso, onde o prefeito se negou me ajudar, ‘por medida de segurança’.

No dia seguinte, cedinho, paga a pensão, me mandei a pé, rumo a Trombas. Tinha todas as informações como chegar lá, as encruzilhadas, os atalhos, o rio, que atravessei a nado, com a roupa e a máquina fotográfica amarradas na cabeça. Pus a camisa para dentro das calças, para mostrar que estava desarmado, só conduzindo a máquina, um caderno e dois lápis.

Nem sei quantos quilômetros andei, quando dei de cara com dois cangaceiros, a cavalo, puxando um terceiro, bem arreado.

– Bom dia, moço. Você é o jornalista?

Pronto, estou perdido! Que diabo vim fazer nestas quebradas, pensei. Sim, sou, falei tremendo.

– O comandante Porfírio mandou nóis lhe buscar. Sabe andar a cavalo?

Mandar me buscar? Como o jornal poderia comunicar a eles minha presença?, rodei.

– Quando menino andei tomando uns tombos, mas acho que dou conta – respondi assustado.

Um deles me pos em cima da cela, regulou os estribos e me disse:

– É um estirão, mas já, já estamos lá.

E galopamos, sem ter certeza de onde me metera!

Já era quase meio dia, quando o comandante me ajudou descer da cela, me abraçando.

– Jornalista, você é nosso hóspede. Fica aqui o tempo que quiser para conhecer nosso sofrimento, a razão  nossa revolta.

Animei-me. Parece que são de paz – tomei um banho de coragem. O problema deles é com o governo do estado.

Durante o almoço, no estilo caipira, Porfírio me contou que tem olheiros em Porangatu, e eles lhe informaram sobre minha vinda. E falou, várias vezes que, ‘aqui, você está entre amigos’.

Ao fim de três dias, com o meu desejo de retornar, Porfírio mandou preparar o mesmo animal que me trouxera e escalou quatro cabras para me acompanharem até Formoso.

Aluguei um teco-teco em Porangatu e voei para Goiânia.

Nem pusera os pés no chão do ‘aeroporto’, dois oficiais do Exército me ‘convidaram’ a acompanhá-los até a 7ª CSM.

Mantiveram-se calados e eu também. Já imaginava o que eles queriam: saber o que eu estava fazendo ao lado de comunistas bandoleiros e ‘emprestar’ a eles as fotos e meus apontamentos.

Dito e feito. Quando me liberaram, fui para a redação sem nada, só podendo escrever uma semana depois, quando da devolução do material.

Naquele histórico 26 de novembro de 1964, Goiânia estava tomada por forças militares. Nos céus, os bombardeiros amedrontavam. Com a queda do governador Mauro Borges, a Praça Cívica era uma praça de guerra. O palácio cercado. Os civís temerosos, num vai e vem à distância. Num piscar de olhos ‘invadir’ os jardins do palácio, que conhecia bem, por um portão lateral e fui agarrado por um monte de militares. Fiquei uma meia hora ‘guardado’ num quarto ali mesmo e depois me levaram para minha hospedaria. Lá chegando, um oficial conhecido me disse:

– Luiz, você foi longe demais! Vocês jornalistas não têm amor a vida. Todo mundo com os nervos à flor da pele, você podia ser metralhado em nome da segurança.

Não deu em nada. Depois de umas horas ouvindo ‘conselhos’, os ‘de casa’ me mandaram embora.

No dia seguinte, recebi ordens militares para tirar a Rádio Clube do ar. Não sei por que cargas d'agua não cumprir a ordem e fui novamente ouvir uns sermões na hospedaria!

A censura na imprensa, falada e escrita, como se dizia à época, estava braba. Nas redações um censor. Uma certa noite, ao fechar a edição da Folha, o censor censurou umas duas matérias, me mandando arrumar outras para fechar o buraco. Naquele tempo, notícia não era fácil assim. Já sendo tarde e o jornal precisando ser impresso e distribuido, os buracos ficaram – o ‘branco’, como chamávamos no jorgão das redações. Como era reincidente, a coisa empretejou para o meu lado, mas, vai daqui, vai dali, democrata, patriota, amigo das Forças Armadas, os oficiais locais me conseguiram a liberdade.

Tempos atrás, conversando com o deputado federal, o carioca Anísio Rocha, de quem me fizera muito amigo, lhe manifestei o desejo de ir trabalhar numa embaixada, no exterior, como adido de imprensa.

Prometera-me que falaria com o presidente João Goulart.

No andar da caruagem, com os negócios da Revolução, que veio a seguir – para o bem do Brasil – nem me passava mais pela cabeça tal desejo, nem Anísio me retornara sobre o assunto. Depois de todas essas confusões, tudo serenado, recebi, na redação do jornal, uma intimação para comparecer à 7ª CSM.

Como nunca mais houvera feito ‘estripulias jornalísticas’, fui tranquilo. Chegando lá, me encaminharam para uma sala, pronta para receber meu depoimento. Só militares de Brasília.

Depois que Jango caiu, sua papelada foi confiscada, lógico. Naquele amontoado de decretos assinados e por assinar, estava um, assinadinho, me nomeando adido de imprensa, parece que para a embaixada brasileira no Senegal.

Para justificar que eu era, como sou, um simples repórter, sem relação com ideologias estranhas ao nosso regime, nunca tive problemas. A bem da verdade, registre-se que em nenhum momento fui maltratado, fisico ou moralmente.  No final do depoimento, o oficial que presidia a ‘Inquisição’, sorrindo, me falou:

– A sua sorte é que você tem muitos amigos aqui dentro. Não fossem eles, você ia ser adido de imprensa na Ilha das Cobras!

Tenho ou não razão para, tantos anos depois, visitar minha hospedaria?!

(Luiz de Carvalho, jornalista, professor de literatura portuguesa e língua inglesa, ex secretário de Comunicação Social do governo do Estado do Tocantins, ex-diretor da Rádio e TV Brasil Central, membro da Adesg (Associação dos Diplomados da Escola Superior de Guerra), das Academias Tocantinenses de Letras e Tocantinense Maçônica de Letras)

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