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OPINIÃO

A existência entre o simbólico e o diabólico

Já dizia Kierkegaard, filósofo existencialista do século XIX, que “a existência mesma, o existir, é esforço”. Muitos podem concordar com essa reflexão, tendo em vista os problemas enfrentados no cotidiano da vida. Contudo, a maior tarefa de um indivíduo consiste em conformar sua existência com uma realidade integradora, capaz de lhe proporcionar autenticidade, em oposição a uma outra realidade que lhe permite perder-se de si mesmo. Estamos falando do simbólico e do diabólico, realidades que coexistem em nosso ser.

Entende-se por simbólico aquilo que gera integração, unidade. Por sua vez, o diabólico não diz respeito a uma personificação do mal, mas a um movimento oposto ao simbólico, pois representa tudo aquilo que divide, separa. Podemos encarar nossa jornada existencial entre essas duas realidades. Mas como ter êxito na missão de alcançar uma integração interior?

Segundo Kierkegaard, a existência humana é possibilidade. Isso significa que ela não é determinada por forças exteriores, mas é vivenciada a cada decisão do próprio indivíduo. Diante de inúmeras possibilidades, a maior decisão que o indivíduo deverá tomar é a de ser ou não ser ele mesmo. Trata-se de uma determinação ousada, que tem como princípio a liberdade interior. Quem não a tem, não é capaz de assumir sua existência de modo autêntico e libertador.

Nesta reflexão, essa disposição interior em ser si mesmo corresponde ao simbólico. Assumir o ser que se é, não para os outros, mas para si mesmo, é uma forma de integrar todas as dimensões que constituem o existir humano: afetiva, emocional, intelectual, etc. Não é uma tarefa fácil, é verdade, mas é o melhor caminho para ser uma pessoa autêntica. O simbólico confere sentido de ordem à existência, fazendo com que o indivíduo se sinta plenamente realizado, mesmo com suas limitações.

Por outro lado, o diabólico corresponde a um fechamento para essa possibilidade, ou seja, o indivíduo decide não ser ele mesmo. Ocorre uma rejeição do próprio ser, tendo em vista um ser ideal, que jamais será real. Em outras palavras, existe uma fuga frenética do ser que se é, que se tornou insuportável para o próprio indivíduo. Viver assim parece ser mais fácil, pois geralmente a responsabilidade pelos atos praticados é transferida para os outros.  Porém, ignorando sua própria existência, o indivíduo vive em um caos interior que se traduz por um verdadeiro inferno existencial.

A capacidade de congregar ou de dividir está presente em todos nós. Carregamos em nosso existir a potencialidade de vida, mas também a força que gera a morte. No exercício da liberdade, cabe a cada um a decisão fundamental de esforçar-se para ser o que se é. Recorda o filósofo que esse esforço é infinito. Deste modo, por maior que seja a maturidade de uma pessoa, ninguém pode se julgar totalmente livre de se perder diante das seduções de uma vida sem muito empenho, pois a existência oscila constantemente entre o simbólico e o diabólico.

(Thiago Gomes de Azevedo. Noviço Redentorista, licenciado em Filosofia pelo IFITEG-Instituto de Filosofia e Teologia de Goiás. Email: [email protected]

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