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“Control C, control V” na Justiça, preguiça ou incompetência?

Há mais de 20 anos, quando iniciei a magistratura como juiz em Taguatinga-TO, era um trabalhão, pois tinha que consultar os códigos para fazer os despachos e sentenças. Valíamo-nos do providencial “Modelos de despachos e sentenças”, pela Editora Saraiva, do então juiz de carreira na magistratura paulista, depois ministro do STJ. Era a nossa valência, pois ter em mãos o livro que o próprio autor chamava de “Burrinho” era a certeza de boas decisões.

Nos onze meses em que judiquei em Taguatinga, ainda Goiás, no ano de 1988 (pois  em janeiro de 1989 já vestia a toga de desembargador, com menos de um ano no primeiro grau), vali-me dos ensinamentos do culto Beneti para desengavetar processos empoeirados e julgar centenas de feitos, que, sem cujo manual seria escassa minha produção.

Tomando posse no Tocantins, tive a ideia de produzir um manual similar, que abrangesse todas as ações contidas no Código de Processo Civil, com o  roteiro de cada ação, desde o despacho inicial até à sentença. Inicialmente, por sugestão do editor, Fernando Luiz Rodrigues, dei-lhe o nome de “Prática, procedimento e dinâmica no juízo cível”, publicado pela antiga Três Poderes, de Goiânia, que caiu como um achado no meio da juizada. Escrevera manualmente e depois datilografei numa velha Olivetti e uns dois meses depois estava na mesa de todos os magistrados, como guia de iniciantes.

Já na terceira edição, fui fazer uma palestra na UFMG, de onde saíra recém-formado e voltara sete anos depois, já como desembargador, meu velho professor de Direito Civil, Dilvanir José da Costa, parecendo muito feliz em ver-me, como seu ex-aluno, transmitindo a professores e alunos aquilo que me ensinara, chamou-me de lado e sugeriu:

– Por que, na próxima edição, você não muda o título para “O procedimento no juízo cível”? É um título mais abrangente, pois você não só apresenta modelos, mas cerca-os de doutrina e jurisprudência.

Ele me convenceu, e, numa espécie de retribuição ao seu incentivo, dediquei-lhe a obra, que vendeu como água, e, face às mudanças que a nova lei processual trará a partir de março do ano que vem, a minha atual editora (Juruá, de Curitiba) pediu-me pressa na nova edição, pois muitas livrarias já fizeram encomenda. Sob a coordenação do competente advogado Luciano Gomes de Farias e atualização de Lise Póvoa França e Átila Póvoa, a edição brevemente estará nas livrarias.

Antes de a Juruá “comprar meu passe”, publiquei algumas edições pela Del Rey, de Belo Horizonte. E agora deve emplacar a décima-primeira edição.  E animado com o sucesso do “Procedimento no juízo cível”, escrevi sua versão na área penal, e “O procedimento no juízo criminal”, também pela Juruá, caminha para a 6ª edição, que será atualizada por Lise Póvoa França.

Hoje, com as facilidades da Internet, com decisões que já vêm mastigadas, modelos de petições para qualquer fase da ação, o advogado tem sua tarefa muito facilitada.  Para o advogado, as petições já estão todas prontas, com temas separados. Para o julgador, de outro lado, a facilidade aparece em decisões do tipo “rejeita preliminar”, “defere prova testemunhal”, “declina da competência”, etc.

Isso, por um lado, é bom, porque acelera o trabalho e evita que a gente perca tempo com coisas que tendem a ser sempre iguais, ainda mais que o computador possui um comando chamado “control C, control V”, que permite copiar trechos inteiros, evitando, por exemplo, transcrever jurisprudência e doutrina, tanto em petições como em atos do julgador. Mas, diante da facilidade da “colaboração” virtual, existem advogados que peticionam na base do “copiar e colar”, o que nem sempre satisfaz a peculiaridade do caso.

Evidentemente que a internet ajuda sobremaneira o trabalho, mas é bom que se lembre de que ela é apenas um valioso instrumento de pesquisa, e jamais a responsável total pelo trabalho, pois, principalmente na fundamentação de uma decisão, há que se esmiuçar o caso em julgamento, e os modelos da Internet não descem às peculiaridades do assunto.

Recentemente, no dia 27 de outubro passado, a 2ª Turma do STF, ao julgar um HC relatado pelo ministro Gilmar Mendes, que pedia a desconstituição de uma prisão preventiva, por falta de fundamentação, pois a conversão do flagrante fora baseada em um modelo claramente “pré-pronto”, extraído de fórmulas “presenteadas” pelo computador, em que o prolator da decisão nem ao menos adaptou ao caso a fórmula ao caso concreto.

A ministra Cármen Lúcia, que acompanhou o relator, também destacou a seriedade da questão: “É a vida de uma pessoa que eles tratam como se fosse papel!”

O juízo de 1º grau convertera o flagrante em prisão preventiva “como forma de preservação da ordem pública”. Ocorre, segundo a defesa, que a decisão era “padronizada” e “com argumentos genéricos” – servindo a qualquer acusado de tráfico de entorpecentes – tendo ocorrido constrangimento ilegal. O STF acolheu plenamente a tese da defesa.

Também, pudera! O juiz, no final de sua decisão “internetizada”, concluiu: “Por outro lado, se condenado(a)(s) o (a)(s) réu (ré)(s), possivelmente irá (irão) iniciar o cumprimento da pena em regime fechado.”

O “copiar e colar” virou praga, infelizmente. E o Supremo brecou.

Preguiça ou incompetência? Ou ambas? Qualquer que seja, é um verdadeiro descaso com o já desprotegido cidadão.

O assunto merece voltar depois.

(Liberato Póvoa. [email protected] (desembargador aposentado do TJ-TO, membro-fundador da Academia Tocantinense de Letras, escritor, jurista, historiador e advogado)

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