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OPINIÃO

Eu sou o milho

Sou do tempo em que “pamonhada” era festa. Todos se congregavam desde a quebra do milho na roça até o produto final, pamonha, servida em comemoração familiar.  Tempos muito bons. Sugiro aos amigos de todos os sábados que revivam na música “Colheita do Milho”, cantada ora por Chitãozinho e Xororó ora por Zezé di Camargo e Luciano e tantos outros. Fico emocionado e volto ao meu tempo, com esta poesia carregada sentimento:

“Até hoje ainda me lembro, era manhã de setembro, o sol com intenso brilho, eu na frente abrindo as covas, Chiquinha, menina nova, vinha atrás plantando o milho.

A natureza não erra, e os grãos rachando a terra, e o broto nasceu robusto, em cada braça do eito, coração roçava o peito, como o vento no arbusto.

O milho cresceu depressa, parecia uma promessa, na minha boca granando, e no tempo de colheita, Chiquinha, menina feita, era espiga se empalhando.

Quebrando milho na chuva, eu tropeçava nas curvas, do seu corpinho molhado, debaixo do pé de milho, como espigas no atilho, ficamos os dois atados.

Passou o ano e desta feita, vamos ter duas colheitas, o tempo foi bom pro milho, enquanto crescem as espigas, Chiquinha cresce a barriga, pra colhermos nosso filho.”

Nesta música o milho, sua colheita, pamonha como alimento, gerando o fruto que é o filho. Cora Coralina, poetisa nascida na Cidade de Goiás, dedicou ao milho um poema fantástico. Mulher de hábitos simples e doceira de profissão, produziu uma obra com traços marcantes e momentos do interior. Ao curvar-se ao Senhor, buscou no mais fundo de sua inspiração a “Oração do Milho”.

“Senhor nada valho. Sou a planta humilde dos quintais pequenos e das lavouras pobres. Meu grão, perdido por acaso, nasce e cresce na terra descuidada. Ponho folhas e haste e se me ajudares Senhor, mesmo planta de acaso, solitária, dou espigas e devolvo em muitos grãos, o grão perdido inicial, salvo por milagre, que a terra fecundou.

Sou a planta primária da lavoura. Não me pertence a hierarquia tradicional do trigo. E de mim, não se faz o pão alvo, universal. O Justo não me consagrou Pão de Vida, nem lugar me foi dado nos altares. Sou apenas o alimento forte e substancial dos que trabalham a terra, onde não vinga o trigo nobre.

Sou de origem obscura e de ascendência pobre. Alimento de rústicos e animais do jugo. Quando os deuses da Hélade corriam pelos bosques, coroados de rosas e de espigas, quando os hebreus iam em longas caravanas buscar nas terras do Egito o trigo dos faraós, quando Rute respigava cantando nas searas do Booz. E Jesus abençoava os trigais maduros, eu era apenas o bro nativo das tabas ameríndias.

Fui o angu pesado e constante do escravo na exaustão do eito. Sou a broa grosseira e modesta do pequeno sitiante. Sou a farinha econômica do proletário. Sou a polenta do imigrante e a miga dos que começam a vida em terra estranha. Alimento de porcos e do triste mu de carga. O que me planta não levanta comércio, nem avantaja dinheiro.

Sou apenas a fartura generosa e despreocupada dos paiois. Sou o cocho abastecido donde rumina o gado. Sou o canto festivo dos galos na glória do dia que amanhece.

Sou o cacarejo alegre das poedeiras à volta dos seus ninhos. Sou a pobreza vegetal, agradecida a Vós, Senhor, que me fizeste necessário e humilde. Sou o milho.”

O que nem todos conhecem é a história do milho. É um dos ingredientes mais usados na culinária e na produção agrícola não só brasileira, mas mundial. Entre as diferentes formas de utilização do milho foram encontrados mais de 70 produtos derivados dele ou que tem seus componentes isolados ou transformados industrialmente.Transforma-se em farinha, flocos, pastas, ingrediente básico para processos industriais, como amido, azeite, óleo e proteínas, bebidas alcoólicas, biocombustível, alguns curiosos e até inesperados como filmes fotográficos, cerveja, giz para quadro negro, maioneses, refrigerantes e tintas látex. Muito usado também na culinária brasileira em cremes, sorvetes, sopas, cozido, assado, canjica, saladas, curau e a deliciosa e preferida pamonha.

Os primeiros registros do cultivo de milho datam de cerca de 7.300 anos, encontrados em pequenas ilhas próximas ao litoral do México, plantado por índios. Com as grandes navegações do século XVI e o início do processo de colonização da América, a cultura do milho se expandiu para outras partes do mundo. Hoje é cultivado e consumido em todos os continentes. Possui boas qualidades nutricionais, contendo aminoácidos, alto teor de carboidratos, muito energético, com vitaminas A, E e B1, além de fósforo, cálcio e potássio. Alimentação muito utilizada para humanos e animais. Puro ou como ingrediente de outros produtos, é fonte energética.

O nome “milho” é de origem caribenha, significa “o sustento da vida”. Vários povos indígenas o reverenciam em rituais artísticos e religiosos. Alimento inigualável nas suas utilidades com presença constante no dia a dia da população. Tem papel na ajuda a prevenção de doenças crônico-degenerativas. Presente na indústria farmacêutica onde é empregado em cerca de 85 tipos de antibióticos.

A menor parte de sua produção se destina ao consumo humano, sua maior parte é utilizada na alimentação animal e chega até nós através dos diversos tipos de carne bovina, suína, aves e peixes.

Mas, por último, após apresentar o milho que consumimos nos mais diversos produtos, milho desconhecido, milho humilde, milho pobre, milho santo, milho que reúne as famílias, sobretudo nas “pamonhadas” nos mais distantes e sagrados rincões rurais, não nos esqueçamos que o milho também tem um poder de fazer com que o adulto retorne à sua vida de criança, pois ele é também, milho de pipoca!

Milho que traz saudade da minha infância e aperta o meu coração.

(Barbosa Nunes, advogado, ex-radialista, membro da AGI, delegado de polícia aposentado, professor e maçom do Grande Oriente do Brasil - [email protected])

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