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OPINIÃO

Traição fatal de um comandante

O coronel Raimundo Ferreira de Souza recebeu do general Moraes Âncora, comandante do Primeiro Exército, sediado na Guanabara, a missão de comandar as tropas dessa poderosa unidade enviadas para enfrentamento do pouco numeroso contingente chefiado pelo general Olympio Mourão Filho, que sublevara em Juiz de Fora a 4ª Região Militar, no 31 de Março.

No meio do caminho ele, coronel Raimundo, traiu. E traiu da forma mais inominável, já que obtida por meio de mero telefonema de um velho militar do qual fora servidor no Ministério da Guerra e no I Exército.

Em Confissões de Generais faço este relato, em muitos pontos baseado no próprio depoimento do marechal Odylio Denys – a quem denomino “o marechal decisivo” – em seu livro de memórias muito impropriamente intitulado Ciclo Revolucionário Brasileiro:

“Em defesa do governo João Goulart saíram da Guanabara várias e poderosas unidades do I Exército para barrar o avanço das tropas de Mourão. Tinham como vanguarda o I Regimento de Infantaria, comandado pelo coronel Raimundo Ferreira de Souza. Este era muito amigo de Denys, com quem fora assistente-secretário no comando do I Exército e no Ministério da Guerra. Por volta das 22 horas é chamado ao telefone o chefe do Estado-Maior da IV Região Militar, coronel João Batista da Costa. Era seu filho, Milton Batista da Costa, quem fizera a chamada. Falara da cidade de Três Rios, para informar sobre o poderio das forças do governo encaminhadas no sentido de Juiz de Fora e quem comandava a sua vanguarda. Milton tinha ido a Três Rios exatamente com essa finalidade, por sugestão do pai. Ao saber que à frente do contingente governista estava Raimundo Ferreira de Souza, João Batista da Costa lembrou-se da amizade do marechal Denys com aquele coronel. Pediu então ao filho que solicitasse ao coronel Raimundo uma comunicação telefônica com ele. João Batista. Coronel Raimundo atendeu a solicitação. Ligou para João Batista. Mas quem falou com ele foi o marechal Denys:

“É o coronel Batista?

Não, Raimundo, é o marechal Denys.

Não sabia que o Sr. está aí em Juiz de Fora.

Respondi-lhe – é Denys quem fala em seu livro – que me achava ali, com as tropas e com os mineiros, para depor o governo e acabar com a ameaça do comunismo para o país. Dei-lhe mais informações que pediu e disse-me, por fim:

Marechal Denys, eu e toda a minha tropa nos solidarizamos com o movimento revolucionário.”

A traição ao governo, por parte das tropas que representavam o I Exército, teve influência decisiva no desfecho dos acontecimentos militares desencadeados naquele dia. Tanto que o marechal Denys comenta:

“Com a satisfação de que estava possuído em face daquele acontecimento decisivo, exclamei: General Muricy, estamos com a vitória! Todo esse destacamento vai acompanhar o Regimento Sampaio. Não temos mais inimigos! Ao senhor cabe agora a ofensiva dando uma arrancada na direção de Petrópolis; ao chegar ao Belvedere fazer uma pausa para reajustar o dispositivo e ficar em condições de dar outra arrancada em cima do Rio. Foi o que aconteceu. Tomou o General Muricy disposições tais que incorporou todas as unidades do Destacamento Cunha Melo ao seu; permitiu que aquele general se retirasse isolado, de automóvel para o Rio, onde levaria a notícia da vitória do movimento revolucionário. O Destacamento Cunha Melo era composto de unidades do Rio de Janeiro e de grande poder. A solidarização dele ao movimento revolucionário desequilibrou a resistência do governo, pois ela nos deu praticamente a vitória.

Os elementos que pensavam em oferecer resistência ou que estavam vacilantes se uniram ao movimento revolucionário, que tomou um impulso avassalador nos Estados onde alguns elementos ainda não se haviam definido.”

(Eurico Barbosa, escritor, membro da AGL e da Associação Nacional de Escritores, advogado, jornalista e escreve neste jornal às quartas & sextas-feiras - E-mail: [email protected])

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