A vida é uma viagem longa.
Em meio à poeira em redemoinho na Rua Brasil, de Brazabrantes, apenas via-se o vulto de uma criança brincando com o tumulto da inquieta fúria de ciscos e pó.
– Saia daí menino! O Saci não está brincando nessa nuvem de poeira.
Quando, por fim, o moleque saiu do torvelinho de terras, papéis e folhas secas, com a carinha e cabelos empastados de terra, é que se podia adivinhar quem era o menino.
– O filho da dona Neném! Era a voz da avó Angelina, pegando-me pelas mãos e me levando para a bacia.
– Já! Tomar banho!
16 de Agosto, noite de festa na casa do Tião, aniversário dele. Em frente à casa, uma calçada alta, proteção à residência da família, que aparava as águas do rio quando a enchente batia na barreira de tijolos. Brincando sozinho no calçadão o menino tentava pegar os vagalumes que o desafiavam a brincar, enquanto os adultos e crianças estavam no interior da casa ao som das cantorias e das vozes altas e festivas.
Mas seguindo os pirilampos foi o pequeno menino infiltrando pasto adentro, gritando: “Vagalume tem tem! Seu pai tá aqui, sua mãe também!” E o pisca-pisca dos insetos atraindo a criança para longe da família em festa. O mato estava alto e a lua não estava para se mostrar àquela noite. O garotinho querendo pegar o bichinho coruscante corria cada vez mais para longe das pessoas, mais para perto do perigo, em direção ao rio silencioso que deslizava em leito imprevisível e ameaçador. O sertanejo dormindo na sua casinha abriu os olhos, conjecturando: – Estarei ouvindo uma voz de criança? A esta hora? Se é alguém lá da festa do Tião, está bem distante de lugar seguro. Levantou-se com lamparina em punho e foi em direção à voz que chamava: – Vagalume, vem!
O Seu Filó aproximou-se do garoto e o chamou pelo nome. Todos no vilarejo se conheciam.
– Venha comigo.
– Pega um vagalume pra mim?
– Sim, mas vamos sair desse mato, que a noite está escura.
Não lhe deu o inseto de luzinha verde, mas o levou para a casa dos seus pais, sob a bênção e a gratidão de todos, que estavam aflitos...
Quanto tempo faz que estes fatos se passou e até hoje estão guardados na memória. Parece que outros mundos passaram por este longo espaço de tempo, pois a vida não se aquietou até agora...
Hoje sou eu que imagino estar, ainda, e até agora, perdido na voragem do tempo...
Tenho n’alma a lembrança da minha mãe, meu pai e meus avós e irmãos...
Saudades das vezes em que eu me ressurgia das nuvens de poeira em busca da minha liberdade, que ainda não encontrei.
A gente jamais está livre por mais queira. A liberdade é somente no pensamento e na vontade. Eu nunca subi ao mais alto píncaro que já vi.
Nunca alcei ao espaço azul percorrendo a distância no alar das asas. Nunca mergulhei do alto espaço em direção aos rios onde dançam os peixes e as gaivotas.
Nunca alcancei o voo sereno, tranquilo e calmo do corvo que nos espia lá de cima.
Nunca tive a liberdade de sonhar os sonhos que sonho... Nem de cantar os cânticos mais belos e mais tristes que meu ser aspira cantar.
Nunca imaginei ir às montanhas onde habitam o silêncio das águias e dos vetustos dominadores das alturas.
Que liberdade eu tenho. Ou você se gaba de tê-la e eu nunca?
Olhando com atenção, percebo que julgando poder ir aonde pensar e quiser, jamais realiza o seu sonho...
Você está atado às correntes dos remorsos mais atrozes, por omissões de tudo o que podia ter feito – e não fez.
Você está sob os grilhões pesados que o atam na ambição e no querer de coisas mortas.
Não, você está mais detido do que eu...
Meu tempo passou, mas tenho a liberdade de gritar ao passado e reencontrar a veneranda avozinha, contando histórias.
Posso colher as folhas que rolam, as flores que balançam, e a alegria de não ter razão nenhuma de chorar...
Mas só de sorrir e esperar... Esperar o instante da liberdade de sair correndo ao encontro do meu amanhã que me chama logo ali, porque o meu amanhã existe e me aguarda e a liberdade é a única certeza que me alegra porque – o meu amanhã existe.
(Iron Junqueira, escritor)