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OPINIÃO

A estatização do mal

O sentimento é generalizado e os dados são conhecidos: brasileiro não confia na polícia. O instituto Datafolha, em pesquisa realizada para o jornal Folha de S. Paulo e divulgada em 31 de julho, revelou: a maioria da população teme sofrer agressão por parte de policiais militares. O temor de 53% dos entrevistados, por sua vez, é sofrer alguma agressão por parte da polícia civil. A dúvida é: por que, responsáveis pela proteção do brasileiro, alguns policiais engrossam as estatísticas? A questão, longe de esgotar o tema, pode ser histórica. Vejamos: tais autoridades policiais, ressalvadas as devidas e justas exceções, transformam o Estado de Direito em Estado policialesco porque, com um revólver na cinta, acreditam piamente que estão acima da lei. Com o devido respeito àqueles que honram a corporação da qual fazem parte, determinadas autoridades policiais maculam a instituição – tão desacreditada por 70% da população brasileira, conforme pesquisa de opinião pública realizada pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) para a elaboração do Índice de Confiança na Justiça Brasileira e que integra a 7ª edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública do Fórum Brasileiro de Segurança Pública – porque relembram, segundo a música de Bezerra da Silva, a figura do Bicho Feroz: “Você com um revólver na mão é um bicho feroz.” Porém, continua o sambista, “sem ele [...] até muda de voz”. Em entrevista veiculada pela internet, “o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, disse que a constatação de que 70% das pessoas não creem nas polícias brasileiras indica que os órgãos de segurança pública de todo o país precisam corrigir suas falhas e tentar reconquistar a confiança da população brasileira”. A realidade autoritária do Brasil, comandado por militares golpistas durante 20 anos, 11 meses e 15 dias, desaconselha que o brasileiro, em dia com o fisco e financiador da farra politiqueira com dinheiro público, seja tão otimista a partir das declarações do ministro de Estado acima mencionado. O Brasil, diante das arbitrariedades policiais historicamente entranhadas na corporação, acostumou-se com a precariedade da instituição ou falta de controle das referidas autoridades, sendo que determinadas situações vexatórias, humilhantes ou criminosas sofridas pelo mesmo brasileiro em dia com o fisco foram incorporadas ao seu cotidiano. Às referidas autoridades, atribui-se o exercício do poder de polícia que, entre tantos outros conceitos, está disciplinado pelo artigo 78 do Código Tributário Nacional: poder de polícia é a atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato em razão de interesse público concernente à segurança, à ordem, à tranquilidade pública e, entre outros, aos direitos individuais e coletivos. Nesse sentido, tal exercício do poder de polícia é regular quando desempenhado nos limites da lei, observando-se o processo legal e afastando qualquer tipo de abuso ou desvio de poder. A lei é assim. A realidade, infelizmente, não. Lamentavelmente, o Brasil vive, nos últimos tempos, a estatização do mal. No Rio de Janeiro, sumiu Amarildo. Onde ele está? Em Manaus, 34 pessoas desceram à cova em um único final de semana. Suas vidas serão devolvidas? Nos subúrbios da Grande São Paulo, 18 pessoas foram assassinadas. E agora? Em todos os casos, suspeita-se que a matança foi praticada por policiais que, teoricamente, deveriam proteger em nome do Estado. Pergunta-se: a quem recorrer? Às corregedorias policiais? Mas, se nada for feito, quem corrige as corregedorias? Ao Ministério Público, instituição responsável pelo controle externo da atividade policial e pelas eventuais denúncias contra os criminosos? Pode ser. Os cidadãos mais calejados pela vida, acostumados com o “deixa isso pra lá porque não vira e nunca virou nada”, desaconselham qualquer tipo de reclamação e convivem com uma situação cada vez mais insustentável. Assim como no famoso poema de Eduardo Alves da Costa, tais cidadãos presenciam o intolerável em doses homeopáticas:

[...]

Tu sabes,

conheces melhor do que eu

a velha história.

Na primeira noite, eles se aproximam

e roubam uma flor

do nosso jardim.

E não dizemos nada.

Na segunda noite, já não se escondem:

pisam as flores,

matam nosso cão,

e não dizemos nada.

Até que um dia

o mais frágil deles

entra sozinho em nossa casa,

rouba-nos a luz e,

conhecendo nosso medo,

arranca-nos a voz da garganta.

E já não podemos dizer nada.

[...]

Assim, mantida essa toada, resta ao brasileiro não ter contato com a polícia. A não ser em legítima defesa...

(Átila Bernardo Superbia, bacharel em História e Direito pela Unesp de Franca/SP)

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