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OPINIÃO

 “Ratas” não são novidade

Novidade sempre causa impacto. Estou pensando é em termos de interior, de sertão, onde, com certeza, o primeiro rádio despertou assombro à primeira vista, quando o bariru se deparou com aquela caixa conversando animadamente.  Isto, para não citar outras novidades. Digo-o com conhecimento de causa, a me basear na multidão que se acotovelava todos os dias às oito da manhã, à porta da “Loja Póvoa”, na antida São José do Duro (a Dianópolis de hoje), para escutar o “Repórter Esso” de Heron Domingues, quando tio Dito trouxe para o Duro a primeira caixa que falava. Único e admirado, levou tempo para que o pessoal se acostumasse a passar pela esquina da loja sem dar ligança.

Eu tinha meus sete, oito anos, quando a Cruzeiro do Sul começou a escalar Dianópolis, com um bimotor DC-3, na rota para Belém. Como o aeroporto ficava a cinco quilômetros, nos “dias de avião” deslocava-se muita gente, a pé ou a cavalo (que caminhão só havia um ou dois) para conhecer de perto aquele bicho que passava zoando por cima da cidade. E me lembro como hoje quando mãe fez farofa de ovo, botou café no quente-frio, e arribamos a pé para ver o avião.

Na minha concepção de menino, imaginava o avião como uma coisa pequena, tal qualmente aparecia no céu. Quando, porém vi aquele troço monstruoso aterrissando e vindo pra cá, ou soletrei a carreira de janelas como dentes, e o seu roncar ensurdecedor os urros de algum animal antediluviano levantando poeira no campo de barro. Daquela visão ficou a lembrança nas costas de meu irmão Tonho, pois fiquei tão apavorado, que me agarrei na sua camisa, rasgando-a, sem se falar nos arranhões que desenharam suas costas magras.

Já com meus dezoito anos, saí do Duro para Belo Horizonte, e em Brasília, ao descer no aeroporto, mostrei a meu irmão mais novo, que me acompanhava, “o que era ônibus”. Só que não era ônibus coisa nenhuma, mas uma kombi, que nas revistas mostram a mesma aparência, e eu lá sabia que havia diferença de tamanho?

Outras “ratas” andei dando, mais por precaução do que por bestagem, pois, ao sair de casa, recomendaram-me demais para não me perder na rua, e assombraram-me tanto com os ladrões, que a impressão era a de que na cidade grande só quem não era ladrão era eu. E o pior: ladrão pegava a gente na rua e tirava até a roupa do corpo. Depois, com o passar dos dias, fui amansando-me, ao ver que não era bem assim. Mas parece que as recomendações tinham sabor de profecia, pois do jeito que as coisas iam, breve não tardaria que chegássemos a ser despidos na rua.

Morando na pensão da dona Salomé, na Avenida Afonso Pena, passei quase um mês ou mais para me arriscar a ir à Igreja da Boa Viagem (na esquina do quarteirão), só de medo. Se saía de casa para tomar um refrigerante, contava até os passos, para não me perder na volta.

No tangente a “ladrões”, achava de bom alvedrio seguir o exemplo de meu pai: o dinheiro era guardado num bolso interno do calção, o que me transformava num verdadeiro acrobata na hora de pagar uma condução. Além de bancar o acrobata, aquela manobra de enfiar a mão por dentro do cós da calça para alcançar o bolsinho do calção sempre gerava mal-entendidos entre os circunstantes.

Aliás, era costume dos comerciantes de minha terra aquele bolsinho-cofre, e até ocorreu um fato em Belo Horizonte, quando o coronel Afonso Carvalho, comerciante em São José do Duro, foi fazer uma compra no armarinho de um turco da Avenida Santos Dumont. Na hora do acerto, Afonso pediu um menos ao ávido libanês, que tinha a mão fechada que nem papagaio no arame.  “Faça um menos”, “Não posso”, “Faça, que fico freguês”, “O lucro já é pouco...” e a intransigência do atacadista começou a enervar o coronel Afonso, que não viu outro remédio, senão pagar. E ainda nervoso, encarou o turco, meteu a mão por dentro do cinto, deixando-o apavorado:

– Que é isso, freguês?  Faz isso, não!  Eu lhe dou 20%!

E deu gordo desconto, pensando que Afonso estava era tirando uma arma. O bolsinho até que ajudou naquela hora.

Mas história mesmo foi a “rata” que deu uma turma da histórica Natividade, no sudeste tocantinense, quando, logo depois da Revolução de 64, esteve passeando em Goiânia. Foi um fato ocorrido há uns 50 anos, e integrava a turma gente dita experiente, vivida, que já fizera viagens a Goiânia. Logo após a posse de um diligente prefeito da safra dos biônicos (não sei se o Chiquinho de Castro), este decidiu fazer uma campanha de limpeza na cidade, mandando espalhar em cada esquina uma cesta de lixo muito vistosa, com os dizeres: “Colabore com a Prefeitura”, “Ajude a Limpeza Pública”.

Pois a turma de Natividade voltou quase sem dinheiro, de tanto “colaborar” com a Prefeitura, botando dinheiro nas tais cestas, na mais eloqüente demonstração de seu espírito público.

(Liberato Póvoa, desembargador aposentado do TJ-TO, escritor, jurista, historiador e advogado, [email protected])

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