Home / Opinião

OPINIÃO

O passado deixa rastros

O governador Marconi Perillo foi severamente confrontado na última semana em artigo de opinião assinado pelo capelão militar Waldemar Curcino de Morais Filho publicado aqui no DM. Waldemar, que conhece Marconi há mais de duas décadas, destilou suas considerações de modo contundente afirmando ser lema do governador “aos inimigos tudo” e “aos inimigos a lei”. Aduz, inclusive, ter sido porta-voz de inúmeras mensagens levadas a Marconi a pedido de seu sogro, o falecido ex-governador Henrique Santillo.

Esta semana novo artigo foi recebido no Diário da Manhã para publicação, intitulado “Marconi Perillo, o sepulteiro do BEG”. No texto Waldemar Curcino Filho faz outras duras críticas ao governador Marconi Perillo e lhe imputa a responsabilidade de ter sido o responsável pela entrega do saudoso Banco do Estado de Goiás para o Governo Federal proceder à sua privatização, nos idos anos de 1999, primeiro ano do primeiro governo de Marconi Perillo.

Antes mesmo de ser publicado é preciso ressalvar colocações que Waldemar faz no texto por atentarem fortemente contra a verdade que deve imperar em todos os sentidos e que precisa ser instrumento de libertação e não de aprisionamento de pensamentos e biografias.

Abro ligeiro parêntesis para deixar claro que não fui nomeado defensor do governador Marconi Perillo, não tenho procuração para tanto e muito menos sou remurado da folha do Estado para justificar a intervenção que faço e, reitero, muito menos quero algum cargo no governo. Saio em defesa de Marconi Perillo porque tenho compromisso com a verdade e com a Justiça, princípios inabaláveis aos quais jurei defender e que meus mestres esperam que eu faça.

A ligação de Waldemar Curcino Filho com o ex-governador Henrique Santillo lhe deu condições de ver muitas nuances do poder que nós, cidadãos comuns, não tomamos conhecimento. Ele conheceu Marconi Perillo desde sua militância no PMDB Jovem e sua proximidade com Santillo, inclusive quando ele ocupou o cargo de secretário particular do então governador. Por isto conhece muitos detalhes do círculo íntimo do poder e tem lembranças prodigiosas de inúmeros fatos. Mas, lamentavelmente se perde em detalhes que invalidam suas assertivas e comprometem a credibilidade dos argumentos que enumera. Lamentavelmente. Sua ira contra Marconi lhe cega a visão e entorpece seus sentidos, impedindo-o de analisar de forma segura e isenta o que verdadeiramente aconteceu com o patrimônio dos goianos.

O mais destoante que Curcino Filho alude em seu texto é a acusação de que o governador Marconi Perillo foi o responsável pela entrega final do BEG, a quebra da Celg e que a terceirização da saúde através das Organizações Sociais (OSs) e também o processo para transferência da gestão da educação nos mesmos moldes seja uma marca do governo Marconi Perillo. Equivocadamente lembra-se do triste episódio da liquidação da Caixego como tendo sido obra puramente da perseguição política do ex-presidente Fernando Collor, como represália ao então governador Santillo por esse não tê-lo apoiado no segundo turno das eleições presidenciais de 1989. Fala também da Celg como tendo sido desgraçadamente comprometida sua saúde financeira por obra e graça do governador Marconi Perillo.

Ledo engano incorre o capelão. Vamos aos fatos, para que a meia verdade não se sobreponha a esses e almeje se tornar verdade cristalina. De fato a Caixa Econômica do Estado de Goiás (Caixego) foi liquidada extrajudicialmente no primeiro ano do governo Fernando Collor, o irresponsável que foi eleito presidente e deposto dois anos e meio depois de tomar posse por causa de suas estripulias. Afirmar, contudo, que a liquidação determinada pela ministra da economia, Zélia Cardoso de Mello e executada pelo presidente do Banco Central, Ibrahim Eris aconteceu por vindita de Collor contra Santillo é no mínimo temerário, para não dizer tendencioso e irreal. Há um erro histórico gritante que a narrativa não perdoa. Waldemar Curcino Filho diz que o governo Collor teve por ministro das Relações Exteriores Fernando Henrique Cardoso. Negativo. FHC realmente foi chanceler brasileiro, porém no governo de Itamar Franco, o vice que sucedeu Collor após seu impeachment.

passado2

Quando Collor ascendeu ao governo a situação da Caixego já era uma desgraça só. A politicalha do PMDB que dominava o cenário político de Goiás desde 1983 havia feito uma tunga sistemática sobre todos os setores possíveis de tirar dinheiro no Estado e a Caixego foi uma das preferidas, justamente por ser mais facilmente atacada em seus cofres e pouco fiscalizada. Os empréstimos efetuados para deputados e dirigentes públicos que nunca foram pagos produziram um rombo gigantesco nas contas da Caixego e sua sorte estava selada por obra e graça dos irresponsáveis que o PMDB sempre abrigou. Faltou a Waldemar Curcino Filho lembrar disso, para não deixar a verdade apoiada sobre uma premissa capenga por completo. Quem era mesmo o líder inconteste do PMDB nessa época? Quem mesmo? Iris Rezende, o ex-governador que deixou Goiás para ser ministro do presidente Sarney e não fez campanha para o candidato de seu partido, Ulisses Guimarães.

Iris foi uma das primeiras lideranças em Goiás a apoiar Fernando Collor. Tivesse ele compromisso com Goiás e com as riquezas de nosso estado teria intervido com o presidente para aliviar as tensões da equipe econômica para com a Caixego. Aliás, outro dos grandes motivos da derrocada da Caixego foi o Plano Collor, que congelou ativos e poupança, principal base da atividade financeira da caixa dos goianos. Iris nada fez e foi conivente com a perseguição de Collor contra Goiás. Para atingir Santillo e seu governo valia para Iris até mesmo permitir sacrificar patrimônio dos goianos. Para sermos coerentes com a exposição dos fatos históricos é necessário lembrar a história contada por quem a viveu. Um exemplo disso foi dado pelo próprio Waldemar Curcino, que citou o livro “Os Coveiros do BEG”, do ex-presidente do banco, Walmir Martins de Lima. Na obra ele desfia o rosário de fatos comandados por governos do PMDB que provocaram a quebra do banco.

Quando se refere à Caixego e a dilapidação de seu patrimônio, mesmo depois de ter sido liquidada por obra e graça da desgraça emanada do governo federal, Waldemar Curcino Filho se esquece do último ato dos desgovernos do PMDB contra ela. Falo do desvio de R$ 5 milhões desviados através do superfaturamento de um acordo trabalhista às vésperas das eleições de 1998. O escândalo que ficou conhecido como “Caso Caixego” patenteou a certeza de que o dinheiro surrupiado da conta da massa liquidanda foi para a campanha de Iris Rezende, no segundo turno daquela eleição. Pagou os serviços do marqueteiro Duda Mendonça e outras despesas da campanha. O desvio foi determinado por Otoniel Machado, então suplente de senador e irmão de Iris Rezende. Ele teve sua prisão decretada, sofreu um incidente cerebral e nunca mais foi o mesmo. Iris perdeu a eleição e desde então sonha em voltar para o governo para vingar de Marconi.

No longo capítulo do BEG, lembrado por Waldemar Curcino filho constam algumas tentativas de lembrar a história, mas esta não aceita desvios na narrativa. Primeiro diz que o processo de federalização dos bancos estaduais, com o BEG incluso, determinado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso não teve a grita dos representantes goianos, que todos se calaram. Isso é fato. Mas, quem tinha poder de pressão, persuasão e proximidade com o presidente FHC nesse período. Quem conhece a história contemporânea do Brasil e de Goiás há de se lembrar bem que o PMDB tinha os três representantes no Senado e a esmagadora maioria na Câmara Federal. Iris era o todo-poderoso e havia sido inclusive ministro da Justiça de FHC e nada fez. Nada mesmo. Marconi era um apagado deputado federal, sem expressão e sem prestígio junto ao núcleo duro do governo FHC.

Quando Marconi e a oposição em Goiás, com o PSDB à frente, foram ao presidente FHC dizer que teriam candidatura própria ao governo de Goiás e que disputariam com Iris Rezende a reprimenda foi imediata. O ministro Euclides Scalco esbravejou com Marconi e os demais integrantes da frente anti-Iris dizendo que eles estavam “fazendo merda” na política de Goiás. Essa cena foi contada por um deputado federal na central de apuração do Tribunal Regional Eleitoral no dia do segundo turno das eleições. Portanto, quem mais poderia fazer para impedir que Goiás perdesse o BEG era Iris e o PMDB, mas nada fizeram, talvez porque esperavam que a venda de mais uma das “joias da herança” lhes rendesse algum dinheiro para ser igualmente objeto do butim costumeiro. Foi a mesma coisa que aconteceu com a Celg, vendida pelo governo goiano do PMDB. Poderiam dizer que foi ordem do governo federal e que FHC dera a deixa para que governos se desfizessem de seus patrimônios para saldar suas dívidas. Negativo: faltou homem para dizer não, como o governador mineiro Itamar Franco o fez.

Faltou lembrar do Banco de Desenvolvimento de Goiás (BD-Goiás) e de sua quebra sistematicamente induzida pelo governo que assumiu em 1983 e reduziu seus ativos, não deixando mais do que um passivo monumental e a lembrança do banco de fomento. Faltou lembrar também da Celg que foi obrigada a realizar obras que nada tinham em sua relação de empresa concessionária de energia elétrica. Que a mesma Celg começou a ir à bancarrota quando Iris governador renunciou à construção da Usina Hidrelétrica de Corumbá I, obra que daria a autossuficiência energética à empresa. Faltou lembrar que o PMDB construiu a Terceira Etapa da Usina Hidrelétrica de Cachoeira Dourada sem que o lago do Rio Paranaíba tivesse água suficiente para tocar as turbinas. Para ser verdadeiro e coerente com a história é preciso dizer que a Celg iniciou sua agonia final quando o governo do PMDB decidiu vender a principal joia da coroa, Cachoeira Dourada, e, o pior, pagar mais caro por uma energia que seria revendida aos consumidores goianos.

Portanto, caro Waldemar Curcino Filho, perdoe minha intromissão em sua perlenga com Marconi Perillo. Não me queira mal por esse aparte. O governador não é perfeito e já cometeu muitos equívocos. Mas, o que não posso é aceitar que fatos sejam distorcidos e que a história seja apresentada de modo invertido.

O que causa grande indignação é saber que nenhuma voz, nenhum expoente, nem mesmo um figurante, mas ninguém mesmo saiu a campo para defender o governador Marconi Perillo ou mesmo contrapor os argumentos do capelão militar Waldemar Curcino. O governo tem em seus quadros um verdadeiro exército de jornalistas, escribas, articulistas ou mesmo arremedos de pensadores, remurados com altos salários e lotados em diversos órgãos da administração estadual. Muitos integraram redações e foram expoentes no jornalismo goiano e até nacional. Mas, entre eles o silêncio impera e nenhum desses mistos de jornalistas e assessores do governo se arvora a sair em defesa do governador e de suas diretrizes no comando do estado.

O silêncio de todos esses só pode ser compreendido ouvindo o grito rouco da herança que não esquece dos vendilhões. Silêncio, passado. A história quer falar. Todos esses que hoje são remunerados no governo estadual já estiveram do outro lado em muitos outros governos, inclusive foram adversários do próprio Marconi Perillo e lhe fizeram acusações muito mais gravosas. Talvez não se manifestem por medo de que a história revele os rastros de suas passagens por outras paragens políticas e mostre a concupiscência das relações mantidas em outros tempos.

Vai, passado. Em seu voo libertário de revelar a verdade distribua as carapuças que servirão nas cabeças de quem não se assume nem tampouco impede que a verdade seja subvertida.

livro

Hélmiton Prateado é jornalista

Leia também:

  

edição
do dia

Capa do dia

últimas
notícias

+ notícias