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OPINIÃO

Nova estratégia militar da China

Já que recentemente a China assinou acordos com o Brasil no campo militar e de vultosos investimentos em diversos setores da economia – de ferrovias a hidrelétricas, passando por autopeças, agronegócios, mineração, siderurgia e TI (tecnologia da informação), cabe-nos contribuir com uma breve análise sobre o que consideramos a verdadeira história por trás da nova estratégia militar chinesa.

O observador um pouco mais atento às questões geopolíticas internacionais vai verificar que os chineses gradativamente estão se tornando “mais dispostos e capazes” de participarem e de defenderem seus interesses no exterior.

A partir dessa observação, constatamos que a China esforça-se para surgir no contexto internacional como uma das principais potências do globo, apenas o tipo de ator que ela vai representar no palco mundial é que se tornou um assunto de intenso debate entre os analistas especializados. Com a tensão crescente com o que podemos chamar de um “ponto de inflexão” nas relações EUA-China, o governo chinês lançou suas cartas sobre uma nova estratégia militar, pouco antes da décima quarta sessão anual do Diálogo de Shangri-La, realizado em Cingapura neste fim-de-semana passado. Desde 2012, Pequim tornou-se realmente mais assertiva em relação às suas águas marítimas próximas e o novo papel que deseja assumir ressalta a determinação do governo chinês em reforçar  a “gestão estratégica do mar”, que se depreende das  expressões da vontade chinesa em relação a pontos atuais de contenção, como da recuperação de terras disputadas no Mar do Sul da China. Mais recentemente - na seqüência das previsões do Pentágono – a guarda costeira da China parece estar aumentando sua atividade perto de Luconia Shoals (grande extensão de recifes complexos no Mar do Sul da China), a cerca de 60 milhas ao norte de Bornéu, na zona econômica exclusiva da Malásia. Acontece que existem vastos recursos de petróleo e gás natural sob o fundo do mar, nessa área.

Mas o pensamento estratégico que a China acaba de publicar também reflete um esforço muito maior de mudanças profundas na política externa chinesa.

Esta questão em si é relativamente simples: a participação da China na globalização catalisou uma explosão irreversível de interesses no exterior. Isso também provocou na China a inversão de mais recursos e a busca da capacidade necessária para avançar e defender tais interesses. Esta combinação tem levado a China inexoravelmente para fora de suas fronteiras, para tornar-se mais eficaz – isto é, protagonista em assuntos de segurança internacional. Na verdade, em muitos aspectos, a prioridade dessa estratégia chinesa de defesa deve ser o estabelecimento de uma política oficial para aproximar-se da realidade internacional. E, em relação a esta tendência, os estudiosos e decisores governamentais norte-americanos devem entender que eles deverão também moldar políticas que podem aproveitar os benefícios e administrar os desafios gerados pela China no novo cenário caracterizado pela sua necessidade de aumentar seu ativismo na segurança internacional.

Em particular, essa “Nova Estratégia Militar da China” articula publicamente inovações na maneira de pensar a segurança nacional da China em três áreas fundamentais: uma nova compreensão do quadro político para a força militar; as parcerias de segurança a serem aprimoradas; e capacidades de projeção de poder global para o Exército Popular de Libertação (EPL). Várias dessas idéias são anteriores à atual administração chinesa, datando de 2004 as chamadas “novas missões históricas” de Hu Jintao, mas estão sendo ratificadas e tendo maior ênfase atualmente, devendo permanecer além do mandato do atual presidente chinês, Xi Jinping. No seu conjunto, esta estratégia consolidará uma China que vai ser muito mais ativa sobre questões que refletem a realidade de seus interesses econômicos e políticos num novo escopo global.

Dentro desse contexto, uma ênfase específica está sendo colocada sobre a segurança de acesso chinês à energia e demais recursos no exterior, às infra-estruturas e também aos recursos humanos que deem o suporte necessário ao seu desenvolvimento, além das rotas marítimas que essas matérias-primas atravessam. Não há mais alternativa para a China a não ser participar e, para tal, precisará ter uma “visão holística da segurança nacional” em que seus interesses vão agora potencialmente substituir ideologias antigas, como oposição doutrinária de “ingerência nos assuntos internos de outros países”, no que poderá entender melhor e conviver com o papel americano na segurança internacional.

Na realidade, a China ao longo da última década já não vinha cumprindo a ladainha de dogmas históricos de não-interferência, chamados de Os Cinco Princípios de Coexistência Pacífica, eis que se envolveu em várias atividades que excedem os limites de não-ingerência tradicional, incluindo a mediação política, sanções econômicas unilaterais e multilaterais, além de implantações de suas forças de segurança em outros países. De uma forma ou de outra, envolveu-se no Sudão, Sudão do Sul, Líbia, Síria, Irã, Mianmar, Coréia do Norte e outros lugares. Nos últimos meses, o governo chinês enviou navios de guerra para águas territoriais do Iêmen para evacuar os cidadãos chineses  e também intermediou conversações de paz entre o governo afegão e os talibãs.

Atualmente, a política oficial chinesa é de recuperar o atraso com mudanças estruturais profundas, corrigindo as improvisações de gestões anteriores.

No geral, a China se compromete a “assumir responsabilidades e obrigações internacionais, oferecendo seus produtos de segurança pública e contribuindo mais intensamente para a paz mundial e o desenvolvimento comum”.

Com efeito, a segunda grande inovação na nova estratégia da China é o profundo reconhecimento do governo chinês de que a China não pode operar globalmente sem a ajuda de outros países. Esta nova abordagem, especialmente em comparação com os seus planos de defesa anteriores, prevê parcerias militares estratégicas e operacionais robustas com os Estados Unidos, Rússia e outros países através da Europa, África e Ásia-Pacífico. Há também as aspirações de estabelecer mecanismos de segurança coletiva equitativos e eficazes, continuar a aumentar a voz da China nos diálogos multilaterais de segurança, e participar mais em ações de segurança cooperativa.

Além de reforçar a mensagem de ascensão pacífica da China, uma cooperação mais profunda fornecerá a experiência operacional muito necessária para as suas Forças Armadas sob a forma de exercícios conjuntos ou implantações multilaterais, podendo fornecer acesso à tecnologia avançada, treinamento ou mesmo facilitar as operações distantes.

Ocorre que a China - após seu relativo isolamento antes da década de 2000 – agora tenta aprofundar suas relações de defesa em todo o mundo. Pequim tem agora “parcerias estratégicas” com cerca de 60 países em todo o globo, e seus interesses comerciais também sustentam vínculos aprofundados: os chineses são, hoje, o terceiro maior exportador mundial de armas e estão vendendo cada vez mais sistemas sofisticados e complexos nas áreas de defesa, inteligência e em outras áreas.

Nesse sentido, a China vai tentar fortalecer os laços com os países que já gozam de cooperação consolidada na área de segurança com os Estados Unidos, como a Arábia Saudita. No entanto, essa busca de parceiros também levará a China para um maior alinhamento com países como o Irã e a Rússia, cuja relação com Washington é mais turbulenta. Os pontos de interação estratégica é que irão criar um maior potencial tanto para a cooperação quanto para a competição.

Em relação ao aspecto de Projeção de Poder, as Forças Armadas (Exército de Libertação Popular) chinesas já têm feito progressos em quase todos os principais fatores determinantes do poder militar expedicionário e há muito espaço ainda para crescerem. No entanto, os analistas do Centro para uma Nova Segurança Americana chegaram à conclusão de que o ELP ainda possui uma incipiente projeção de poder em cinco campos principais: Projeção de Força; Sustentação; Capacidade; Comando e Controle; e Proteção da Força.

E sabemos que cada um desses campos é uma condição necessária, mas não suficiente para o uso eficaz do poder militar longe das bases e das costas marítimas de um país.

Conscientes disso, os chineses contemplam, na nova estratégia da China, cada categoria dessas vulnerabilidades como um objetivo específico de aperfeiçoamento a ser alcançado em diferentes domínios, o que pode ser adquirido com as parcerias estratégicas internacionais que lhes fornecerão a experiência operacional e mesmo a tecnologia necessária para a suficiência das suas Forças Armadas no contexto da segurança internacional.

Voltando ao Brasil, o que significa, finalmente, esse interesse repentino da China por nosso país? Será que a Dilma pode considerar que o acordo firmado deveu-se ao seu prestígio pessoal ou à identidade ideológica de Pequim com o atual governo brasileiro? Infelizmente, presidenta (sic), nem de longe isso passou pela cabeça dos chineses. Trata-se, apenas, do andamento da execução de um plano de implantação da “Nova Estratégia Militar” chinesa, uma visão ambiciosa para um maior envolvimento nos assuntos de segurança global proporcionais ao renovado status de grande potência da China e seus interesses agora indeléveis em todos os continentes. Nada mais que isso.

Outrossim, não podemos desconhecer que a atuação global da China, apesar de acentuar algumas áreas de competição com os Estados Unidos da América, também vai apresentar novas oportunidades de cooperação entre ambos.

Neste momento histórico de intensos conflitos regionais que estamos presenciando no mundo, torna-se de vital importância realçar o esforço sino-americano de multiplicar as medidas de confiança recíproca e o diálogo entre as hierarquias militares dos dois países, para melhor se compreenderem nas intenções e nas iniciativas dos dois lados.

(Hugo César Fraga Preto, professor, escritor, oficial da reserva do Exército, analista de Inteligência Estratégica de Estado, administrador e gestor superior em Logística)

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