Home / Opinião

OPINIÃO

Batistão amansa cavalo no Tocantins

Certa feita o nosso peão da fazenda São Pedro, localizada no alto da serra de Monte do Carmo, no Estado do Tocantins, deu aviso prévio e não estava muito disposto a cumprir o prazo estipulado em lei e ameaçava deixar a fazenda ao “Deus dará”, como dizem por lá.

Contatei alguns vizinhos para me ajudarem na busca de um substituto, porém, não estava fácil e foi então que tive a ideia de pedir ao Batistão, meu peão-funcionário na Santa Tereza e, sobretudo. meu amigo de longa data para “quebrar o galho” enquanto tentava arranjar outro substituto. Aceitou de pronto e foi de ônibus até Palmas, e de lá, um meu amigo iria levá-lo à fazenda.

Antes da partida ainda ensinou-me: “Quem quebra gaio é macaco gordo seu dotô!”

Depois de passados uns 3 a 4 meses fui na companhia do meu filho Hélio Júnior, verificar, “in loco”, o que o Batistão estava arranjando por aquelas bandas; fomos de surpresa, como todo fazendeiro “veaco” deve fazer, para que as possíveis coisas erradas sejam detectadas.

Era um sábado e o Batistão estava reunido no curral com várias pessoas, parecia, na verdade, uma festa , tendo em vista a presença, também, do belo sexo para animar o ambiente; ao receber-nos Batistão não se fez de rogado:

– Dotô, observei que o senhor tem vários cavalos, “xucros” alguns até um pouco “servagem” precisando ser amansados, alguns deles tem mania de “alongar” pelas campinas e amoitar nas beiras dos “córgos”, não adianta campear o marvado, aí só Deus traz de volta, por isto reuni estes amigos para ajudar-me na tarefa de desmunhecar o queixo dos bichos (incrível a capacidade do Batistão tem de fazer amigos, em tão pouco tempo, já angariara tantos...).

Após as apresentações – Este é o sr. Taturana, sua muié e sua filha Esperança; este é o Candinho pé de cana, aquele outro é... Enfim apresentou-nos a mais de uma dezena de pessoas e, pelo trajar (roupa domingueira), não estavam ali para amansar cavalos coisa nenhuma; como convém, fizemos de “bobo” e entramos no clima da festa, uma vez que já rolava, ainda não de “rédea solta”, umas cervejinhas que iam sendo retiradas de um tambor cheio de gelo à medida que iam sendo consumidas.

Lá pelas tantas, tornei-me “amigo” do Candinho pé de cana, sujeito parrudo e de pestanas graúdas, fala manhosa e sem tropicão nas palavras e, entre um copo e outro de cerveja, entremeados, por ele, com uma boa cachacinha, ele me contou a real história do “amanso cavalo bravo”:

“O Batistão é uma pessoa muito ‘política’, com pouco tempo por estas bandas já conhece muita gente de tanto ‘pombear’ pela região; um dia ele me segredou que está caidinho por um ‘rabo de saia’ que mora lá pras bandas do Espigão-Mestre da serra do Monte do Carmo, uma tal de Esperança; já fez várias tentativas, chegando até a fazer uma serenata e nada. Um dia destes até disse para ele: Batistão, dê tempo ao tempo, filho de Deus! Um dia esta ‘sirigaita’ muda de opinião!... E ele respondeu: – Não tenho muito tempo, daqui um pouco o dotô me chama de volta!

Foi então que ele colocou a sua pensa para pensar, espalhou na redondeza que ele era um dos melhores amansadores de cavalos bravos da região de Goiânia e que no sábado iria demonstrar isto para os amigos, dentre eles o sr. Taturana e sua filha Esperança, conhecida na intimidade por Jurity, apelido que ela ganhou por ter a pele da cor de ‘café com leite’, porém mais carregado no leite, diferentemente dos pais que eram mais carregados no café.”

Feita esta digressão, verificamos que o palco (curral) estava armado, Batistão atravessou a porteira com andar vagarento, com cara, até quanto o conheço, de quem se arrependera da empreitada que assumiu; os expectadores, inclusive Hélio Junior e eu, subimos nos degraus das tábuas do curral e ficamos “à cavaleiro” lá nas alturas; a sirigaita da Jurity teve a ajuda do Taturana, seu pai, para galgar o “topo da arquibancada”, sua mãe, que não estava com calça comprida, nem ameaçou subir.

Batistão estava “fantasiado” de cowboy, chapéu (um que lhe havia presenteado na minha volta do Texas) branco, com uma fita preta e larga na aba, bota de cano longo e bico fino (não conhecia este seu apetrecho, porém, tenho certeza de que estava apertando a ponta dos seus dedos, calça do estilo “rancheira”, como convém, de cor cinza, exibindo um cinto vistoso (preto) com uma fivela bastante larga, como se fosse uma placa de prata, visível de longa distância (branca), a camisa era, segundo ele deve ter pensado, no estilo “amolece coração de mulher”, branca, com bolsos azuis e botões (discretos) dourados.

Assim que ele entrou no curral, toda a plateia bateu palmas, que deve ter assustado o cavalo que o Batistão havia se proposto a amansar, pois o mesmo começou a dar pulos no cercadinho anexo ao curral e a coicear as tábuas; se houvesse jeito, tenho certeza de que esta seria a hora que o Batistão deveria desistir, porém, ele não teve tempo de pensar, pois, por qualquer motivo que não cabe analisar aqui, o cavalo já estava bem perto dele, foi o tempo de alguém entregar-lhe um cabresto, para o desgraçado do tordilho começar a correr ao redor do curral e o Batistão atrás dele e gritando:

Ôa, ôa, cá, vem cá!.... .

De repente um gozador, destes bem entojados (sempre tem um gozador nestas horas), gritou a todo pulmão:

– Batistão, conversa com o cavalo, ofereça um pouquinho de mio!

Não sei se o Batistão olhou para ver quem estava mangando dele, até porque a situação estava ficando difícil para ele, tendo em vista a presença na plateia da Jurity, a razão daquele espetáculo.

Alguns companheiros entraram na arena e ajudaram o Batistão a segurar o cavalo e ele colocou o cabresto e, com a ajuda, abriu a boca do “fio da mãe” e colocou o freio; nesta hora outro gaiato gritou:

– Coloca melado de rapadura no freio!

Batistão não deu ouvidos, colocou o suador, o arreio, a barrigueira e os estribos e com o empurrão dos amigos, subiu no lombo do “maledeto”; subiu e caiu!

Eu vi, ninguém me contou, na primeira esporada que o Batistão deu no selvagem (acho que na subida do lombo, Batistão esbarrou as esporas na virilha do animal) ai, só a misericórdia Divina para ajudar meu amigo, pensei comigo mesmo, então o tordilho falseou das munhecas e ficou diferente, deu um salto para frente e outro de banda, sua orelha empinou, parecendo que estava presa por arame e seus olhos esbugalharam como se fosse homem doido e saiu correndo com o fardo que carregava já estatelado no chão.

Resultado, Batistão voltou conosco para Goiânia com bastante escoriações pelo rosto e braços e, principalmente, sem a Jurity.

(Hélio Moreira, membro da Academia Goiana de Letras, Academia Goiana de Medicina, Instituto Histórico e Geográfico de Goiás)

Leia também:

edição
do dia

Capa do dia

últimas
notícias

+ notícias