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OPINIÃO

Por uma OAB em defesa da advocacia, da sociedade e autônoma

Na história recente do nosso País, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) teve um papel fundamental não só na defesa da Advocacia, mas, sobretudo, na construção da democracia brasileira, sempre resistindo às tentativas ainda atuais de cerceamento de seu poder atuação.

Fundada, em 1930, nos idos do então governo de Getúlio Vargas, a Ordem surge em um período político conturbando; criada quase que “acidentalmente” através do artigo 17, integrante do Decreto nº 19.408/30 que organizava as Cortes de Apelação e tratava da abolição dos julgamentos secretos. Em uma carta citada pelo advogado e historiador Alberto Venâncio Filho, a personagem central deste processo, o desembargador André de Faria Pereira, conta: “Levei o projeto [que viria a se tornar o decreto 19.408/30] a Osvaldo Aranha, que lhe fez uma única restrição, exatamente no artigo 17, que criava a Ordem dos Advogados, dizendo não dever a Revolução conceder privilégios, ao que ponderei que a instituição da Ordem traria, ao contrário, restrição aos direitos dos advogados e que, se privilégio houvesse, seria o da dignidade e da cultura.” O argumento convenceu e o artigo foi mantido, criando-a.

Em um levante contra o processo de autoritarismo crescente erigido pelo próprio Vargas, a Ordem iniciou sua trajetória na defesa das liberdades democráticas e dos direitos humanos com os acontecimentos políticos de 1935, marcados pelas primeiras medidas da execução do estado de sítio e da Lei de Segurança Nacional, que desembocariam no autoritário Estado Novo, em 1937. Na luta frente à repressão, o Conselho Federal da OAB indicou o advogado Sobral Pinto para a defesa ex officio dos líderes Luís Carlos Prestes e Harry Berger (Arthur Ewert), presos pela sua atuação (ao lado de Olga Benário, Elise Ewert e outros militantes) na Intentona Comunista. Sobral travou duras batalhas em defesa da liberdade e contra a violência do regime – apelando, inclusive, para a lei de proteção dos animais, na tentativa de resguardar a integridade física dos presos políticos, que só conseguiriam a liberdade com a anistia promovida em 1945.

Em outro momento, já no recente período de redemocratização do país, a OAB mais uma vez foi um estandarte na luta pelo fim da ditadura militar, cobrando eleições diretas, transparência absoluta do poder público e liberdade aos partidos políticos. Foi ainda primordial quando, em 17 de novembro de 2004, protagonizou um dos momentos mais importantes da história jurídica contemporânea do país: a aprovação pelo Senado Federal do controle externo do Judiciário, com a posterior criação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). O mesmo se deu em episódios marcantes como do impeachment do ex-presidente Fernando Collor, a aprovação da lei da inviolabilidade dos escritórios de advocacia (Lei 11.767/08) e da unificação do Exame de Ordem – entre outras várias circunstâncias nas quais primou pela independência e autonomia, em favor da democracia e do desenvolvimento do Estado brasileiro.

Entretanto, ao longo de toda sua história, não faltaram tentativas de restrição de seu poder: entre 1940 e 1950, com a obrigatoriedade de prestar contas ao Tribunal de Contas da União; na década de 1970, com a tentativa de submissão da entidade ao Ministério do Trabalho; em 1998, com duas medidas provisórias que tratavam da vinculação do Conselho Federal e das Seccionais ao Poder Judiciário dos Estados; e no ano 2000, processo ainda em andamento, quando o Ministério Público enquadrou a Ordem novamente como uma autarquia, obrigada a prestar contas ao TCU, em uma tentativa de revogar sua condição e reconhecimento sui generis.

Em Goiás, um fantasma assombra o patrimônio moral sedimentado pela Ordem nestes últimos 85 anos: seu aparelhamento político. O que se tem visto, desde a saída do último presidente da OAB-GO para assumir um cargo público na estrutura do Governo de Goiás, foi uma situação na qual a Ordem foi deixada em segundo plano, em detrimento de interesses político-partidários. Situações mal resolvidas dentro da OAB-GO, como direcionamento mal explicado de verbas e tráfico de influência passaram a ameaçar a idoneidade de uma instituição que sempre fez questão de se fazer exemplo de responsabilidade e justiça perante as demais instituições brasileiras.

A OAB desempenha um papel de representação da sociedade civil, histórica e cultural e, definitivamente, não pode – em nenhuma hipótese – estar atrelada ao Poder Público, muito menos ser aparelhada pelo mesmo. Sua independência é condição sine qua non para que a instituição exerça seu papel, junto à sociedade civil, com autonomia e idoneidade, tendo por pedra fundamental a figura do advogado, que tem um papel singular de defensor da Lei, da Justiça, dos Direitos Humanos, da Ética, da Constituição Brasileira e do Estado Democrático de Direito, alicerçado na interdição do arbítrio e na concreção definitiva dos direitos fundamentais, cujo alcance só pode ser efetivado através de um eficiente controle do Poder por toda a sociedade e por todas as instituições democráticas. Eis a base de uma verdadeira democracia.

(Almério Leão, advogado e professor (e-mail: [email protected]))

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