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OPINIÃO

Minha paixão pelo futebol de várzea e sua genuinidade

Marcio Carvalho Santos Especial para Opiniãopública

Praticamente em todo o Brasil, quando é chegado os finais de semana, dias de folga para a maioria dos  trabalhadores das periferias, é a vez de milhares deles irem assistir ou bater aquela velha “pelada”, pois o futebol de várzea continua sendo uma das principais formas de lazer dos amantes deste esporte, que é tido como  paixão nacional no  Brasil.

O futebol de várzea disputado nos campos de terra reúne atletas amadores, crianças, adultos e idosos desportistas em busca de praticar ou apreciar um esporte que os traz lazer e diversão. A proximidade do jogo se junta com o pensar diferente, com a rivalidade sadia, com a “zoação e a pegação no pé” e também é misturado à paixão vivenciada desde a infância e em todos os espaços (no trabalho, na praça, no rádio na TV).  Como  tudo é vivido com muita intensidade, esta modalidade sempre  atraiu e continua a atrair muitos apreciadores e admiradores, vários deles, inclusive, preterindo o esporte profissional em detrimento do amador.

Além do lazer, não deixaria de citar também a dimensão social das peladas de fim de semana nos bairros, visto a oportunidade de trabalhadores informais terem uma fonte de renda, pois vendedores de picolé, churrasquinho, refrigerante,  cerveja e água são presenças garantidas nas praças esportivas.

Na maioria das vezes, a  ausência de investimentos públicos e as más condições de infraestrutura (ausência ou precariedade de vestiários, falta de locais apropriados para abrigar os torcedores,e até a existência de campos de jogo com terrenos acidentados) atuam como  fatores  que atrapalham a chamada tradição varzeana. Todavia, por mais que os investimentos, principalmente em infraestrutura, poderiam abrilhantar a festa futebolística e tudo que a envolve, a ausência deles  não impedem que o espetáculo aconteça, e a várzea sobrevive a estas e outras dificuldades.

O que vivemos na região leste  de Goiânia é um exemplo claro do  paradigma: amor pelo futebol de várzea  x  dificuldades e obstáculos encontrados para que ele aconteça. Aqui, assim como em tantos outros locais espalhados pelo Brasil, nas currutelas, nas cidadezinhas do interior e nas grandes cidades, o futebol não para. Eu, por exemplo, sou um varzeano apaixonado, e foi justamente nos campos da Vila Pedroso, do buracão no Jardim Dom Fernando, e no da Praça da Juventude no Jardim das Aroeiras, onde desenvolvi toda essa paixão. Foram nas partidas disputadas nestes campos de terra que fiz grandes amizades, que aprendi que muito mais que uma disputa, estar nos finais de semana jogando ou assistindo estas partidas, é ter a oportunidade de me divertir e  rever velhos e grandes amigos, de sentir toda aquela adrenalina e emoção em ver seu time ganhar ou perder, já imaginando se irá zoar alguém, ou se será zoado durante a semana. Foi lá também que pude reconhecer o real significado socioesportivo do futebol de várzea, onde democraticamente times e jogadores com muita ou pouca técnica, torcedores jovens e idosos, ricos ou pobres estão no mesmo patamar social.

Em todo este contexto, dou um destaque especial  a alguns personagens que possuem papel  fundamental  para que tudo isso aconteça, elas, além de possuírem toda uma história como desportistas, zelam pela tradição desta modalidade esportiva. Entre outros, podemos citar os organizadores dos torneios e campeonatos, os que divulgam e animam os jogos, os que patrocinam e apoiam as equipes e as competições. Temos também os parceiros que fazem a festa se tornar mais alegre e mais gostosa com a cervejinha e os aperitivos que eles vendem na beira do campo. E por último não poderia deixar de destacar os atores principais:  atletas, árbitros, técnicos, donos de equipe e, é claro, a torcida.

E para terminar esse manifesto, deixo a seguinte mensagem em nome de tantos que pensam como eu:

Intelectuais  como Darcy Ribeiro, Gilberto Freire e Roberto Damatta citam o futebol como elemento de identidade nacional no Brasil, um esporte  democrático e não alienador, que alcança todas as classes sociais. Então, pensando assim, talvez a modalidade que melhor expresse o papel de toda essa magnitude é justamente o futebol de várzea, dada a amplitude tomada pelo futebol profissional, que vem elitizando o acesso aos estádios e aos jogos através dos canais de televisão fechados, e além também da própria corrupção no esporte, que funciona como barreira criada para revelação de novos jogadores  profissionais. Mas deixando os pormenores de lado, no Brasil, diferentemente de outros lugares no mundo, futebol é futebol, seja profissional ou amador, disputado no campo gramado ou no de terra.  Por isso, para encerrar deixo uma frase do escritor e dramaturgo Nelson Rodrigues, que em seu livro Uma Pátria de Chuteiras escreveu o seguinte: ....“No Brasil,  nós também “vivemos” o futebol, ao passo que o inglês, ou o tcheco, o russo apenas o joga. Há um abismo entre a seca objetividade europeia e a nossa imaginação, o nosso fervor, a nossa tensão dionísica.”

Um grande abraço a todos e um “salve” a todos os peladeiros do Brasil.

(Marcio Carvalho Santos, desportista, geógrafo, vice-presidente da Associação de Moradores do Jardim das Aroeiras-Goiânia, professor das redes municipal e estadual de Educação)

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