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OPINIÃO

Sonhos além do espelho

Vanderlan Domingos ,Especial para Opinião Pública

Cheguei bastante cansado depois de uma passeata em prol de um Brasil melhor. Sentei-me num sofá e liguei a TV. Depois de uma canseira danada ainda tinha que assistir Ministros da Dilma falar sobre a mobilização ocorrida naquele dia 15 de março. Estiquei as pernas sobre o sofá e fiquei observado... Foi tanta balela, mentiras e cinismo que não conseguia dormir, deu-me insônia. Na maciez de um travesseiro fechei os olhos e comecei a contar carneirinhos, mas, desta vez, de tão cansado e chateado cheguei a contar mais de mil, pois só assim, conseguiria dormir. De repente me vi diante de um enorme espelho. Atônito, vi um corpo bizarro sendo todo espelhado. Era o meu corpo e de início uma imagem escura, mas eu não era um fantasma e desesperado, tentei empurrar o repugnante espelho, mas nada e o pior é que foram aparecendo imagens desagradáveis. Num repente uma cueca cheia dinheiro aparece, mas eram pequenas notas de dois reais. Ela estava pendurada numa parede atrás de mim e se refletia no espelho. Olhei o meu corpo e notei que não estava sem essa peça íntima a ainda usava calça jeans, camisa branca e gravata, desbotadas. Vi-me um ser totalmente sem elegância e mais, descobri que não era rico e morava numa casa cheia de rachaduras adquirida do programa “Minha Casa Minha Vida”. O espelho mostrava que eu tinha um nariz desproporcional, como o do Pinóquio. Então era mentiroso e observando mais, descobri que usava tapa-olho.  Era pirata também. Pensei: Meu Deus! O que aconteceu comigo! Procurei freneticamente na escrivaninha a minha carteira de identidade para verificar se era daquele jeito, no entanto, achei somente o velho passaporte e naquele documento descobri que não era eu e nem goiano era. Lá constava que era nascido na cidade de Garanhuns em Pernambuco. Continuando com o rosto voltado para o espelho, também observei que ele já estava carcomido pelo tempo e aí me senti inconsolável, pois estava numa cadeira de rodas. Exclamei: Meu Deus, isso não é possível! Se eu estava com tanto pés de galinhas no rosto e numa cadeira de rodas, significava que  além de pobre, deselegante, velho, nariz grande, mentiroso, pirata e nordestino, era também deficiente físico. Claro que era impossível, dizia para mim mesmo: Poxa!  Além de pobre, deselegante, velho, nariz grande, mentiroso, pirata, nordestino, deficiente físico, nem goiano era, além de corrupto, ímprobo, ligado a uma facção criminosa chamada de “mensaleiros”, tudo graças a um recorte de jornal que encontrei jogado sobre o piso. Na foto, lá estavam eu junto com José Genoíno, Paulo e José Dirceu e outros. Noutra foto, uma edição mais recente de outro jornal, exposto sobre a escrivaninha, foi mais incomodativo ainda, pois vi a figura do ilustre Ministro do Supremo Joaquim Barbosa com o dedo em riste para mim, dizendo: Você está preso! Fiquei assustado, é claro, pois no texto escrito em letras garrafais, dizia que eu fazia parte do Conselho da Petrobrás e era amigo do Paulo Roberto Costa e do Nestor Cerveró. Na foto estampada no jornal a Dilma dava gargalhada e detrás de sua mesa, uma foto do Lula pendurada na parede entre Hugo Chaves e Fidel Castro. Aquela cena foi demais para mim!

Passados alguns segundos, apareceu um homem bem vestido e me perguntou com uma voz meio rouca: Já contou o dinheiro senhor? Fiquei pasmo! Que dinheiro? Era a voz do Presidente da Casa da Moeda derrubado por suspeita de recebimento de propina. Vixe! Só me faltava essa! Logo onde se fabrica o papel moeda que chamamos de real. Com a voz embargada disse:

- Ó Deus!  Pobre, deselegante, velho, nariz grande, mentiroso, pirata, nordestino, deficiente físico, não era goiano, corrupto, ímprobo, ligado a facção criminosa denominada de mensaleiros, sussurrei: Agora estou frito de vez!

Desesperado, gritei diante do espelho, passei a mão sobre a cabeça e tive outra surpresa: Era careca e meio banguela! Alguém tocou a campaninha, abri a portas e apareceu uma mulher com uma pasta preta debaixo do braço, que antes de entrar na sala foi logo dizendo:

- Vim te avisar que você deve devolver os cartões corporativos porque o seu perfil não se enquadra dentro do nosso padrão, aprovado pela Fifa, e ainda por cima, você está desempregado. Estupefato, fiquei olhando aquela figura e comecei a gaguejar, mas pasmem: era a Ideli Salvati, mulher forte do Palácio do Planalto.

Que merda! Nem cartão tinha! Além de não ter cartão e nem uns míseros trocados, também estava desempregado. Tentei explicar a aquela senhora o quanto era difícil encontrar trabalho no Brasil, principalmente quando se é pobre, deselegante, velho, nariz grande, mentiroso, pirata, nordestino, deficiente físico, não goiano e corrupto, ímprobo, ligado a facção criminosa denominada de mensaleiros, careca, banguela, gago e desempregado. Chateado com aquela figura metida, tentei fechar a porta com a única mão, pois na outra, tinha um dedo decepado quando tentei ser aprendiz de torneiro mecânico e bastante contrariado, fui até a janela olhar a paisagem e vi centenas de barracos ao meu redor. Senti uma pequena parada no marca-passo e uma leve tontura, pensei: Poxa! Além de pobre, deselegante, velho, nariz grande, mentiroso, pirata, nordestino, deficiente físico, não ser goiano, corrupto, ímprobo, ligado a facção criminosa denominada de mensaleiros, careca, banguela, gago e desempregado, descobri, que além de maneta e favelado, usava marca-passo e sentia tonturas.

Comecei a passar mal e sentir calafrios, situação que me obrigou a ir até ao guarda-roupa para pegar uma camisa para trocar e novamente outra surpresa: quando abri a gaveta encontrei duas camisas vermelhas bastante encardidas com o símbolo do PT e MST. Só podia ser sacanagem! Resmunguei... Entrei em surto, pois além de pobre, deselegante, velho, nariz grande, mentiroso, pirata, nordestino, deficiente físico, não ser goiano, corrupto, ímprobo, ligado a facção criminosa denominada de mensaleiros, careca, banguela, gago e desempregado, maneta, favelado, usando marca-passo, sentir tonturas e calafrios, e ainda, ser cabo eleitoral do PT e dizerem que eu tinha invadido a fazenda de Eunício. Aí foi demais! Então questionei: Não sou cabo eleitoral, não sou eleitor do PT, nem invasor de terras, nem possuo lotes no Jardim da Paz ou no cemitério Jardim da Palmeiras, e esse tal de Eunício não é Garanhuns?

Naquele momento alguém passou detrás do espelho e que já tinha feito um saboroso café da manhã apareceu brava e disse repetidas vezes, e em voz alta:

- Francenildo!!!  Vamos!!! Acorde! Mas eu não era o Francenildo, aquele trabalhador que denunciou e foi injustiçado em Brasília. Mas se eu não era o Francenildo, nem conhecia a bela Rosemary Noronha, nem fazia parte do dossiê dos aloprados, da CPI dos Correios, dos escândalos do Ministério dos Esportes, do Mensalão, ou da corrupção Petrobrás e nem era funcionário fantasma porque tinha em mãos documentos que provavam a minha disposição e freqüência junto ao gabinete de um Deputado. Quem era eu então? Mais um grito ensurdecedor que levanta até defunto ressoou nos meus ouvidos: Cara! Levanta-te, pois já terminou a entrevista dos Ministros há várias horas. Já passa da meia noite. Amigo leitor foi um tremendo susto! Num sobressalto, abri os olhos e meio desorientado disse a mim mesmo: Cruz-credo! Onde estou? Com o suor descendo pelo rosto olhei pra minha mulher e disse: Que bom você me acordar, estava tendo um sonho e me via diante de um espelho. Ufa! Que alívio! Levantei-me rapidamente do sofá, olhei através da sacada do meu AP e realmente a cidade adormecia e não se ouvia mais os panelaços e buzinaços, então, naquele instante, percebi que tudo não passara de um sonho ou pesadelo sei lá, e aí murmurei baixinho dizendo: Graças a Deus! Moral da história: Às vezes não é a gente que olha para o espelho, é ele que olha pra gente e na escada da vida somos todos meros reflexos daquilo que realizamos cotidianamente, mas quando se trata de sonhos, a imagem do espelho às vezes pode vir invertida.

(Vanderlan Domingos de Souza, advogado, escritor, missionário e ambientalista, vice-presidente da União Brasileira dos Escritores, presidente da ONG Visão Ambiental, diretor conselheiro do Instituto Movimento Santuário da Arte, membro da Academia Morrinhense de Letras, agraciado com Título Honorífico de Cidadão Goianiense. Escreve todas as quartas-feiras. Email: [email protected] Blog: vanderlandomingos. blogspot.com Site: www.ongvisaoambiental.org.br)

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