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OPINIÃO

Próstata sem preconceito

Wagner de Barros ,Especial para Opinião Pública

Este depoimento – por parte de um paciente, leigo e imprevidente, que cometeu a busca tardia da doença–, rendo-o no sentido de contribuir com uma modesta parcela de dados, informes, atitudes e práticas, adquiridos por experiência própria, útil, conquanto penosa, e de suscitar o conhecimento de problemas, seus aspectos subjetivos e culturais, que impedem os homens de obter o diagnóstico precoce para prevenção do câncer de próstata, doença prevalente ainda hoje pejada de mitos e preconceitos.

Feita a advertência do circunlóquio, registre-se que, biológica e ancestralmente, o homem é o único animal que desvirtua a cópula ao transformá-la, por incontrolável cabritismo, num jogo lascivo e deveras homérico. Enquanto que os demais seres, por instinto, fazem do acasalamento tão somente o passaporte destinado à reprodução, atraídos pelo magnetismo do cio e pelo apelo insondável da perpetuação das espécies, o homem deixa-se envolver na prática erótica e inconsequente do ato sexual e não poupa a próstata. Por isso, ela acabou sendo alcunhada de glândula do prazer... e do desgosto, apesar do paradoxo. É que ao cabo do uso e do abuso desenfreado – com ou sem finalidade de procriação –, ela cobra um amargo e pesado tributo aos maratonistas da libido.

Cabe, pois, um alerta amigo aos que já ultrapassaram a idade do lobo. Chegados ao primeiro cinquentenário, àqueles que pretendem comemorar, com justo orgulho, a vida bem-sucedida, os filhos bem criados e encaminhados, as boas ações praticadas e as pescarias inesquecíveis, recomenda-se não retardar o momento propício da imprescindível consulta com o urologista, para continuar a fruir as vitórias pessoais e as benesses merecidas. Recorde-se que Adão foi o primeiro mártir da humanidade, visto que perdeu as mordomias do paraíso por rebeldia e imprudência.

No tocante à prevenção – para muitos, não para todos –, não são difíceis de adotar as cinco regrinhas mais recomendadas pelos especialistas: atividade física; dieta rica em fibras, frutas e legumes; menos gordura animal e carnes vermelhas; não fumar; e peso na medida certa. Além disso, é de bom alvitre que se faça, consciente e precavidamente, o exame de rotina, dosagem do PSA, inclusive o execrável (injustamente) toque retal. Eis que, este, apesar da má fama, do medo e do preconceito, é rápido e indolor. Ao que se sabe, até hoje, nenhum varão impoluto perdeu a virgindade masculina, ou melhor, a dignidade varonil, por submeter-se à temível palpação digital... ! Salvo algum caso raro de paciente crônico e reincidente voluntário.

Insista-se na monótona ladainha de que essa postura cautelar poderá preservar vidas úteis e preciosas à família e à sociedade, na sua fase mais produtiva e prazerosa. Aos garanhões, faunos impetuosos e insubmissos, dispostos a protelar essa norma preciosa de saúde, que se preparem para enfrentar o médico oncologista e assumir os riscos e desconfortos do câncer de próstata, doença que lesa um em cada cinco homens.

Confessadamente, por minha culpa, minha máxima culpa, eu não me livrei dessa malsinada estatística, por deixar, descuidadamente, de fazer os exames preventivos nas épocas certas. Embora assistido por excelente equipe médica, acabei confinado no primoroso Hospital São José, de São Paulo, por longos, pungentes e aflitos meses, sujeito ao bombardeio de intérminas sessões radioterápicas, longe do afago dos saudosos familiares, dos amigos, das pescarias e churrascos nos meus ardentes altiplanos goianos. Afortunadamente, os procedimentos foram (quase) perfeitos, o que me ensejou, ainda que claudicante, a dar este testemunho de felizardo sobrevivente do carcinoma .

Quem quiser saber mais sobre o câncer de próstata – essa grande assombração da vida do homem –, como doença altamente prevalente no mundo inteiro, basta recorrer ao site de busca e às bibliotecas virtuais. Há literatura de sobra sobre o assunto, o qual, sinceramente, não é o meu gênero. Ainda prefiro deleitar-me, até pegar no sono dos justos, com as joias literárias de Voltaire, Eça, Borges e Machado. Com eles não terei pesadelos, e “ poderei sacar o meu chicote de vento e partir galopando no meu cavalo de nuvem “ !

Confiamos que no futuro a ciência possa superar as atuais limitações técnicas e desenvolver meios e tratamentos eficazes para inibir o surgimento dessa atroz enfermidade e suas sequelas que tanto discriminam e perseguem os homens desde a meia-idade. Que se cuidem os cinquentões, anualmente, com os exames preventivos, mormente com o diagnóstico precoce, que ainda é o melhor referencial para cura.

Dito isso, vale proclamar em alto e bom som: “abaixo o velho tabu”! Apesar de incompreensível e tolo, o arraigado preconceito ainda é cultuado pela maioria esclarecida masculina, ao que parece mais preocupada com a função erétil do que com os fatores de risco da anomalia prostática. Abominem-se, pois, o medo e o preconceito que geram desconforto , resistência e constrangimento no tocante aos exames de prevenção de câncer de próstata. Somente assim poderá ser possível antever uma sobrevida saudável aos mais previdentes e sensatos avós, que ainda poderão sonhar com grandes pescarias, amar e ser amado, ler e escrever, doar e retribuir, na sua longeva e lúdica caminhada outonal.

(Wagner de Barros, advogado)

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