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Umberto Eco e a humildade científica

Salatiel é Engenheiro, bacharel em Administração de Empresas, mestre em Energia pela Unicamp. É autor de “A Construção de Goiás”

Já contei, neste e em outros espaços, a experiência que teve o grande escritor italiano Umberto Eco, de saudosa memória, durante o processo criativo de um de seus escritos sobre a Idade Média.

No desenvolvimento desse projeto, o autor era ciente de que estava diante de uma obra-prima que, certamente, levá-lo-ia ao patamar do reconhecimento internacional. Após meses de pesquisa em torno de grandes clássicos em uma pilha de documentos, Umberto Eco não conseguia encontrar a resposta ao pulo do gato que fecharia o romance. O autor de “o Pêndulo de Foucault” não era homem que desistia dos obstáculos, mas aquele enigma prevalecia, e sem ele a obra não poderia ser publicada.

Todavia um acaso mudou completamente o humor do autor. A agonia se transformou em absoluto entusiasmo no momento que ele, despretensiosamente, entrou em um pequeno sebo ao lado da Catedral de Notre-Dame, em Paris. Em uma pilha desordenada, o pesquisador enxergou um pequeno livro com não mais de 60 páginas, de um autor menor da Idade Média, do qual o já consagrado ensaísta italiano jamais tinha ouvido falar. O livro em questão era de um tal Abade Vallet. Em pouco tempo, ele leu aquele livrinho e, — eureca! — Umberto Eco encontrara o pulo do gato para fechar um de seus maiores romances.

A partir desse episódio, um dos maiores escritores do século vinte pôde concluir uma de suas obras-primas. Ele não falou qual obra era, desconfio que essa obra seja o mundialmente conhecido “O Nome da Rosa”.

A história acima me fez lembrar de um episódio semelhante quanto a um livro que sempre olhei com certo desdém, falo do best seller “A Elite do Atraso”, de autoria do sociólogo Jessé de Souza. Confesso que sempre tive relativo preconceito no que tange aos livros que todo mundo compra. Contudo, por insistência de um amigo professor de Ciência Política, debrucei-me, em uma manhã, na leitura de “A Elite do Atraso”.

Li 70 das 230 páginas do livro, e preso à mesma sensação que teve o grande Humberto Eco com sua descoberta do Abade Vallet. “A Elite do Atraso” desmonta verdadeiros monstros sagrados da nossa intelectualidade, a exemplo de Sérgio Buarque de Holanda e Raimundo Faoro, mas poupa de críticas mais ácidas os clássicos do sociólogo Gilberto Freire. Chega, de certo modo, a reconhecer a grandeza do sábio de Apipucos. A narrativa de Jessé Souza, repleta de argumentos absolutamente consistentes, convence. Pude, dentro de um mundo menor, sentir o mesmo que o grande Umberto Eco sentiu: um misto de surpresa e admiração por um autor que merece ser lido. Ter humildade científica nos ajuda a pensar “fora da caixa”!

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