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OPINIÃO PÚBLICA

Fidelidade

Vi na TV, tem­pos atrás, o cão que acom­pa­nha seus do­nos até a es­co­la e fi­ca no por­tão da es­co­la es­pe­ran­do por eles até a au­la ter­mi­nar. Is­so lem­bra um fil­me que mos­tra ou­tro cão, mais fi­el ain­da, que fi­ca es­pe­ran­do por seu do­no que não vol­ta­ria mais até a sua pró­pria mor­te.

Os jor­nais mos­tra­ram, há al­gum tem­po, a his­tó­ria de dois cã­es de rua que an­da­vam sem­pre jun­tos pe­lo cen­tro de Flo­ri­a­nó­po­lis, mais exa­ta­men­te pe­la área da Bei­ra­mar. Eram ami­gos, pois não se se­pa­ra­vam. Acon­te­ce que um be­lo dia fo­ram atra­ves­sar a ave­ni­da e um de­les foi atro­pe­la­do e mor­reu. Pois o ou­tro fi­cou ali, so­li­dá­rio e tris­te, ro­de­an­do o ami­go, lam­ben­do-o, co­mo quem diz: “acor­de, ami­go, va­mos em­bo­ra!”. Não ar­re­dou pé do la­do do ami­go, mes­mo quan­do al­guém o co­lo­cou den­tro de um sa­co plás­ti­co pa­ra le­vá-lo da­li.

A ima­gem do cão ve­lan­do o ou­tro emo­cio­nou quem pas­sou por ali e até a te­le­vi­são pa­rou pa­ra re­gis­trar o qua­dro inu­si­ta­do. Uma se­nho­ra que pa­rou pa­ra ver con­do­eu-se com a per­da e a dor do cão re­ma­nes­cen­te e pe­gou-o, ti­rou-o de per­to do ami­go mor­to e le­vou-o pa­ra ca­sa, ado­tou-o. Ela dis­se que iria dar um lar pa­ra ele, iria ten­tar re­tri­bu­ir o ca­ri­nho que ele de­mons­trou pe­lo ami­go. Be­lo ges­to, mi­nha se­nho­ra. Me­nos um cão aban­do­na­do na rua.

A fi­de­li­da­de do cão de rua me lem­brou de Pi­tu­xa, a nos­sa Xu­xu, so­bre a qual já es­cre­vi al­gu­mas ve­zes. Mes­mo que eu a se­gu­ras­se pa­ra dar-lhe re­mé­dio – ela era mui­to for­te, ape­sar dos seus qua­se vin­te anos -, mes­mo que eu bri­gas­se com ela quan­do ela fa­zia xi­xi on­de não de­via, ela sem­pre vi­nha cor­ren­do pa­ra mim, quan­do che­ga­va em ca­sa, me lam­bia a ca­ra, as mãos, mos­tran­do que não guar­da­va ran­cor, por mais que a gen­te ti­ves­se que fa­zer coi­sas que a de­sa­gra­da­vam. Sem­pre aba­na­va o to­qui­nho de ra­bo, dan­do-nos bo­as vin­das. Sem­pre la­tia pra gen­te, quan­do es­tá­va­mos meio pra bai­xo, co­mo quem diz: va­mos, ami­go, âni­mo, va­mos vi­ver que a vi­da não es­pe­ra, o tem­po não pa­ra. E, é bom fri­sar, ele não ou­via mais, en­xer­ga­va qua­se na­da, pois a ca­ta­ra­ta to­mou os seus olhos e tam­bém qua­se não sen­tia mais chei­ro. Era a nos­sa ami­ga mais fi­el.

O ser hu­ma­no, in­fe­liz­men­te, não é tão fi­el as­sim.

(Lu­iz Car­los Amo­rim - Es­cri­tor, edi­tor e re­vi­sor – Fun­da­dor e pre­si­den­te do Gru­po Li­te­rá­rio A ILHA, que com­ple­ta 37 anos de li­te­ra­tu­ra nes­te ano de 2017. Ca­dei­ra 19 da Aca­de­mia Sul­bra­si­lei­ra de Le­tras. Erro! A referência de hiperlink não é válida.)

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