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Quando o empresário do campo resolve ser vitimista

Recentemente Tasso Jayme, presidente da Sociedade Goia­na de Pecuária e Agricultura (SGPA) e produtor rural, publicou um texto em um dos maiores jornais circulantes na capital de­fendendo o fim do Funrural.

Ok...vamos dar uma de Jack e ir por partes. Primeiro: o que é o Funrural? Os programas assistenciais ao trabalhador rural sur­giram com o Prorural–Programa de Assistência ao Trabalhador Rural, no início da década de 1970, visando concessão de apo­sentadorias por idade, invalidez, pensão, serviço social, etc. A Contribuição Social Rural, ou Funrural, também criada nesse contexto, é uma contribuição social destinada a custear o INSS. Historicamente a tributação na área rural teve como regra a co­mercialização da produção, gerando debates há mais de qua­renta anos.

Em 1971, o Funrural determinou a cobrança de 2% sobre a co­mercialização do produtor rural para financiar a previdência ru­ral. Em 1988, com a entrada em vigor da nova Constituição Fe­deral, foi criado o Regime Geral de Previdência Social e em 1989 entra em vigor uma lei que determina que a contribuição previ­denciária das empresas em geral, tanto urbanas quanto rurais, seria de 20%, mais 2,0% para o SAT (Seguro Acidente do Traba­lho), incidindo sobre o total das remunerações pagas durante o mês aos empregados.

Em 1992, com a lei 8.540, houve a regulamentação da contri­buição específica para o produtor rural. Foi determinado que a cobrança seria feita sobre a receita, e não mais sobre a folha de pagamento. O empregador rural, pessoa física, passou a recolher 2,1% (atualmente 1,5%) sobre a produção e o empregador rural, pessoa jurídica, 2,6% (atualmente 2,85%) e, assim como o em­presário urbano, o produtor precisa fazer um recolhimento in­dividual para se aposentar.

Entretanto, no início de 2010 o Supremo Tribunal Federal (STF), julgou inconstitucional a contribuição previdenciária pelo empregador rural pessoa física para o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural) sobre a receita bruta vinda da co­mercialização da produção. Mas a justiça recomendava que esse valor fosse depositado para o caso de o supremo mudar de ideia, devido a uma emenda feita na Constituição em 1998 e regula­mentada em uma lei de 2001. Se o dinheiro não fosse destinado ao pagamento, ele voltaria para o produtor. Como a decisão era opcional, muita gente deixo de recolher (é claro!).

Então, em março de 2017 o STF mudou seu julgamento. Com isso se estabeleceu o Programa de Regularização Tributária Ru­ral (PRR), que determina as regras de pagamento e parcelamen­to da dívida retroativa do tributo e juros. O prazo máximo de ade­são era 28 de fevereiro, mas ele já foi estendido e ainda existe a possibilidade de o STF decidir que a contribuição não deve ser cobrada de forma retroativa.

Segundo: o que diz Tasso Jayme (posicionamento comum a muitos produtores, em especial os grandes)? Segundo o tex­to publicado, o agronegócio brasileiro sofre muito, a exemplo da Operação Carne Fraca, e agora com mais impostos (se referin­do a constitucionalidade do Funrural e o PRR). Segundo ele, é o setor agrícola que faz o país ter indicadores positivos no que tan­ge as exportações (afinal a nossa história sempre foi ser fonte de matéria prima não é mesmo?!).

O empresário agrícola é o salvador da balança comercial, en­tão por que não um tratamento vip?! E ainda faz uma analogia tosca sobre a existência de dois “Brasis”, um Brasil ágil em cobrar impostos e um Brasil deficitário em prestar serviços ao cidadão, como se a lógica fosse simples assim. Como se o fato da isenção de impostos dado a grandes empresários, seja urbano ou rural, não afetasse a arrecadação e como se esses também não tives­sem, muitas vezes, ligação com casos de corrupção. Como se o “business”, tanto no campo como na cidade, não possuíssem es­treitas ligações com os centros políticos do país.

Segundo Jayme, no dia 4 de abril ocorrera o evento “Verde e Amarelo” (não vamos entrar nas questões nacionalistas e sim­bólicas que remetem a uma visão conservadora da sociedade...) por mais “boa vontade” na cobrança do Funrural, visto por ele, ao que o texto indica, é sim inconstitucional e é absurda a nova decisão do STF. Para Jayme, a cobrança de cinco anos de retroa­tivo vai falir o produtor goiano e só está ocorrendo por que o go­verno federal está louco por mais arrecadação.

Para além do teor vitimista do texto, é bom destacar que ba­sicamente o que Tasso Jayme está querendo é o que toda clas­se empresaria quer: isenção de impostos. O objetivo é maiores lucros e que se dane os direitos do trabalhador rural. Se você for parar para pensar há paralelos entre essa questão do fun­rural e da proposta de reforma da previdência. Resta saber até que ponto essa decisão do STF vai pesar para a bancada ru­ralista e o jogo político dos acordos, concessões, privilégios, apoios e pressões irá começar...(se é que já não começou aqui em Goiás, com essa onda de inocentar governador em caso da Saneago...fica aí o questionamento).

(Lays Vieira, jornalista, socióloga e cientista política)

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