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ENTRETENIMENTO

CIDADES SEM ALMA

Existe uma característica que define a maioria das pintu­ras deixadas pelo argentino Roberto Aizenberg: o poder exala­do pelas grandes construções es­palhadas por grandes cidades e a esterilidade dos céus que a elas ser­ve de cenário. Através dessa combi­nação, o artista nos coloca diante de uma constatação angustiante e pre­sente em qualquer pessoa que leva uma vida metropolitana: o quan­to somos pequenos diante da gula do concreto que nos cerca. Na obra de Aizenberg, quase não existem pessoas, pássaros, árvores ou vida em geral. A impressão que ela pas­sa é que os objetos pintados foram abandonados em alguma cidade devastada pela radioatividade, ou que teve sua vida sugada pela ga­nância do poder.

Aizenberg nos mostra como a padronização das coisas nos faz vi­ver em um ambiente de repetição extrema. Os enormes poleiros hu­manos em forma de prédio exibem suas janelas quadradas, distribuí­das na horizontal e na vertical sem que nada interfira na rigidez de sua distribuição ordenada. Não existe aleatoriedade. Não existem erros de percurso. Tudo está onde deve­ria estar, em perfeito funcionamento sintético: e nada lembra o curso im­provável da existência humana. Ai­zenberg nos faz enxergar a cidade, que reduz suas engrenagens huma­nas a micróbios com seu tamanho e seu potencial de ver várias gerações nascendo e morrendo. Assim como Andreas Gursky, um dos fotógrafos mais influentes da atualidade, a re­petição de elementos visuais tra­duz-nos a sensação de solidão em meio à multidão.

FUGITIVO

A perseguição e privação à liber­dade sempre estiveram presentes na vida do pintor e escultor Rober­to Aizenberg. Nasceu em 1928 em Vila Federal, uma colônia judia na Argentina onde seus pais encon­traram refúgio da perseguição que sofriam na Rússia, país de origem. Casou-se com a jornalista e ativista Matilde Herrera, e nos anos 1970, durante o processo de reorganiza­ção nacional da Argentina, viu pra­ticamente toda sua família ser se­questrada: três enteados: Valeria, José e Martín (junto com seus côn­juges – Valeria e uma cunhada esta­vam grávidas). Todos permanecem desaparecidos. Exilou-se forçada­mente na França e na Itália. Voltou à Argentina alguns anos antes de morrer, em 1996.

Os pais de Aizenberg estabili­zaram-se em Buenos Aires pouco tempo depois de seu nascimento. Desde jovem, ele admirava a arqui­tetura e a ideia de construção: ele­mentos marcantes que influencia­ram permanentemente toda sua obra. Sobre sua fascinação com as formas geométricas do concreto da cidade, Aizenberg costumava dizer: “Me interessa muito a arquitetura, tudo que tem a ver com o espaço tri­dimensional, e não só com o espaço pictórico, que é bidimensional”. Pas­sou a admirar a arte surrealista atra­vés do contato com a obra do pintor Juan Batlle Planas, um dos expoen­tes do gênero na América Latina.

AURA

Laura Feinsilber, crítica de arte, aponta um diálogo de Aizemberg como a sensação diminuta do ho­mem em confronto com o gigante horizonte metropolitano. “A obra tem caráter áurico, está imbuída de uma espiritualidade que a faz trans­cendente. Quando o contemplador está diante dela, sente visceralmen­te em contato com algo importan­te, que carrega certo temor referen­cial”. Ela também ressalta a forma com que a grandiosidade arquite­tônica esconde os seres humanos. “As construções são fascinantes. No caso das torres, são sempre desabi­tadas: com suas sombras e janelas que não permitem ver mais além. As formas geométricas se espalham, distorcem a paisagem, mascarando rostos e figuras”.

Outro detalhe de Azenberg é a distopia utilizada por ele para re­presentar os céus que dão fundo à maioria das telas. Segundo Lau­ra Feinsilber, eles são “sinistros”, re­pletos de “cromatismo e melanco­lia”. Dialogam com a artificialidade das figuras representadas, exibem gradações antinaturais e mais pare­cem ter saído de algum sistema ope­racional de computador do fim dos anos 1990. Alheio a qualquer defi­nição molhada de seus quadros, Ai­zenberg, segundo Feinsilber, era um pintor “rigoroso, ascético, distante e solitário”, que “argumentava que a condição básica de uma obra de arte é a beleza”.

ANDREAS GURSKY

Seguindo uma linha de raciocí­nio semelhante, e através de um tra­balho milimétrico, Gursky concentra várias imagens, todas com um foco uniforme, criando quadros perfei­tos e biônicos de seus objetos de es­tudo. Várias das obras de Gursky tem dado destaque ao seu modo parti­cular de registrar desde o final dos anos 1980. A fotografia Dolomites, Cable Car, de 1987, que mostra um bondinho imerso na neblina de uma paisagem ensurdecedoramente am­pla, é um de seus primeiros clássicos. A imagem de destaque desta maté­ria, Paris, Montparnasse, de 1993, destaca a geometria repetitiva de um edifício modernista na França. Ou­tra imagem, Greeley, de 1992, tem um formato alto e menos largo que o de costume, e mostra um pasto com gado colorido nos Estados Unidos.

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