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Redescobrindo Octo Marques

Com um estilo singelo, de gen­te do interior, o artista plásti­co Octo Marques conseguiu imprimir em sua obra, além de pai­sagens da antiga capital do Estado, o cotidiano, emoções, hábitos e cultura dessagente. Escaneou a alma de uma Vila Boa que até hoje circula viçosa entre passado e futuro. Uma cidade que transita entre a vida de cidade tu­rística/histórica/cultural e a realidade bucólica do campo e suas tradições. Ou seja, as raízes deste estado. E, por capturar muito desta essência de for­ma simples, mas rica de simbolismos e detalhes, que Octo Marques se tor­nou um talento raro da arte goiana.

Contudo, é bem verdade que este artista foi um tanto quanto esquecido e injustiçado pelo seu tempo e pelos de agora. Mas para reverter e revitali­zar este quadro e ainda celebrar o cen­tenário do artista plástico, será aberta hoje, às 20 horas, no Museu das Ban­deiras (Muban), a exposição “Cente­nário Octo Marques”.

Indo a fundo no intuito de dar gló­rias a este nome das cores, o proje­to terá continuidade. Se na cidade de Goiás – onde o artista nasceu e mor­reu – a mostra fica em cartaz até o dia 17 de agosto, logo vai contar com uma segunda etapa. Assim, as mes­mas obras irão chegar ainda à galeria que o homenageia, o Centro Cultural Octo Marques (CCOM), que está se­diado no Parthenon Center, aqui em Goiânia, onde a mostra poderá ser vi­sitada entre os dias 24 de agosto e 21 de setembro.

A compilação deste evento, orga­nizado pela Balaio Produções Cultu­rais em parceria com a Associação de Artesão e Artistas Amigos de Goiás­-Aaamigos, é fruto de um trabalho intenso e minucioso de restauração e que durou cerca de nove meses. E seu grande trunfo é de recuperar e trazer ao público o contato com 11 obras produzidas por Octo Marques entre os anos de 1976 e 1985.

“Centenário Octo Marques” traz 10 telas coloridas, de tinta sobre tela, e um desenho de bico de pena, em pa­pel, de um acervo particular, em um grau avançado de deterioração pela ação do tempo. “As obras estavam apresentando algumas patologias como sujidades, desprendimento da cama da pictórica, craquelamento, perdade suporte, eacentuado ataque biológico, além de problemas estru­turais”, explica Cássia Reis, restaura­dora responsável pela recuperação dos trabalhos da mostra.

Para trazer de volta à tona estas pre­ciosidades, não foi tarefa lá muito fácil, conforme Cássia contou em entrevis­ta ao Diário da Manhã. Em uma das obras, o desenho em bico de pena pro­duzido em 1976, a restauradora recor­da que chegou a trabalhar por qua­tro meses.“Este desenho apresentava esmaecimento, manchas, pequenos rasgos, respingos de tintas, perda de suportepictórico, acidificação, ataque biológico devido à ocorrência de fun­gos e bactérias, dentreoutros”, detalha.

GUIANDO VISÕES

Mas todo esforço para Cássia Reis, que se dedica há 10 anos à hi­gienização e conservação de docu­mentos, o contato com estas obras de arte e peças arquitetônicas his­tóricas do artista lhe proporcionou um reencontro inesquecível. Pois como também é vilaboense, ela já conhecia e admirava a obra de Octo Marques desde criança. No entan­to, com o projeto, ela iniciou uma intensa pesquisa sobre suas técni­cas artísticas em teses, monogra­fias, livros da época.

O resultado foi que ela conheceu um Octo Marques ainda maior do que quando aceitou participar da mostra. “A vida e as obras de Octo Marques realmente me fascinaram em um nível que não pude supor. Quando entrava porta adentro e co­meçava a trabalhar, praticamente in­gressava em um ambiente onírico, constituído de reminiscências do ar­tista”, revela a restauradora.

As pinceladas primitivas com in­fluências expressionistas, com as quais se pode avistar um pouco das raízes culturais de todo um estado, lhes abriram os olhos. Assim, notou detalhes expostos em cada paisagem e personagens do artista, que fizeram Cássia sentir como se Octo Marques estivesse lhe contando uma história.

“É incrível pensar na tamanha massa de subjetividade e zelo nas minudências compostas em cada exemplar do artista. Assim, sua mi­nuciosidade, principalmente ao re­tratar as cenas cotidianas que pre­senciava, é uma das suas maiores idiossincrasias vistas de meu pon­to pessoal”, comenta.

Outro ponto que mexeu com a restauradora a forma do artista guiar o olhar do espectador para um viagem pictória, mesmo sem ter passado nenhum estudo eru­dito. Octo Marques era autodida­ta. “Ele absorvia aquilo que pos­suía de mais natural, que era a simplicidade, com um olhar ex­tremamente crítico”, elogia.

TALENTO SEM GLÓRIA

Porém, é fato que mesmo dotado de tanta sensibilidade para traduzir o contexto que vivia, seus dons não fo­ram reconhecidos como deveriam em seu tempo.“O Octo Marques não teve o valor artístico necessário em vida. Ele possuía um perfil extremamente cria­tivo fora dos padrões exigidos e con­templados pela sociedade de sua épo­ca”, indigna-se a restauradora.

Por isso, ela conta que muitas ve­zes ficou sem condições financeiras viáveis para concretizar a grandeza de sua arte. Cássia explica que Octo foi até pormenorizado pelo que é um de seus trunfos: a utilização de materiais aces­síveis à sua condição de vida. “Ele fez da arte pictórica uma alquimia”, diz.

Um exemplo disso é que durante o trabalho de restauração Cássia des­cobriu técnicas de composição inusi­tadas, como o uso de tinta de sapatei­ro ou de açafrão, para pintura de telas. “Isso é algo muito complexo e rico, pelo fato dele ter conseguido estabi­lizar estes pigmentos para suas cria­ções”, argumenta.

Logo, nota-se ainda dar mérito e glória à obra de Octo ainda é um de­safio dos dias atuais, que Cássia e esta exposiçãotambémreivindicam.“Um artistadoknow-howdeOctoMarques merece tal recognição, pois, sendo ele autodidata(escritor, desenhista,pintor, escultor, entre outros ), não pode per­der-se no lapso temporal.”

O ARTISTA

Octo Marques (1916–1988) nasceu em Goiás, e em seus 73 anos de vida – se tivesse vivo, no dia 22 de abril teria completado 102 anos – foi produtivo: criou mais de 2 mil obras em técnicas versáteis. Fez produções em bi­cos de pena, aquarelas, óleos so­bre tela, xilogravuras e cerâmicas. Etambémfoiescritorejornalista.

Sua colaboração para a cul­tura da cidade de Goiás e do Es­tado é até hoje relevante, pois foi fundador da Associação Goia­na de Imprensa (AGI) e da Esco­la de Artes Veiga Valle, na cidade de Goiás. Na arte começou aos sete anos, pintando cenas de ex­-votos para os romeiros das fes­tas de Trindade (GO).

De 1934 a 1938 morou no Rio de Janeiro e em São Paulo, onde dedicou-se ao Jornalismo. De volta ao Estado de Goiás, morou em Goiânia, em Cam­pinas, dedicando-se ao serviço público. Em 1943 demitiu-se e retornou à Vila Boa, onde em 1945 empregou-se na Prefeitura Municipal de Goiás e também colaborava para os jornais Fo­lha de Goyaz e O Popular.

Se aposentou em 1973. Mas, apesar da trajetória profissio­nal e artística consistente, Octo Marques levou uma vida difícil e foi vítima de muito preconceito, pelojeitosimplesparaumartista.

Apesar de ter suas obras dis­putadas na cena artística da épo­ca, Octo Maques morreu sozi­nho, na miséria e tomado pelo alcoolismo. Na época de sua morte, o escritor José Mendon­ça Teles traduziu bem seus ingló­rios dias últimos dias: “Quanto mais Octo caminhava para o fim, mais suas obras eram disputadas na bolsa da sociedade capitalista, em contraste doloroso”.

A RESTAURADORA

Formada no cur­so Técnico em Conser­vação e Restauração de Bens Móveis e Imóveis, do Iphan e ofertado pela Secretaria de Ciência e Tecnologia do Estado de Goiás (CEP – Centro de Educação Profissio­nal – Sectec), Cássia teve o prazer de ter como mestres profissionais renomados do Estado e país, como Deo­linda Taveira, João Rosa (in memoriam),Mônica Carva­lho e Milena Migoto. Traba­lhou como técnica em Con­servação e Restauração de Bens Culturais, com ênfase em Consultoria/Inventário e Restauração de Elementos Artísticos e Integrados nos exemplares culturais priva­dos e públicos no Estado de Goiás, Minas Gerais e Bahia.

SERVIÇO:

Restauro Octo Marques “Centenário Octo Marques”

Cidade de Goiás

Museu das Bandeiras (Muban)

Abertura: 20 de julho (sexta-feira) – 19h30

Período de exposição: 21 de julho a 17 de agosto

Goiânia/GO

Centro Cultural Octo Marques (Parthenon Center)

Abertura: 24 de agosto

(sexta-feira) – 19h30

Período de exposição: 25 de agosto a 21 de setembro

ENTRADA FRANCA

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