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ENTRETENIMENTO

Tudo começa e termina no barro

Está acabando mais um ano. É nessa hora que muita gente começa a questionar os últimos 12 me­ses. O que começou? O que aca­bou? Pensando assim, os ciclos da vida, sua efemeridade e con­tínua transformação, uma ex­posição grandiosa – com cerca de 5 mil peças de variadas di­mensões – chegou a Goiânia e trazendo reflexões interessan­tes, não apenas para este perí­odo de finalizações, mas para levar para 2018. Trata-se de “Mi­rante”, da artista plástica goia­na Kássia Borges, que estreou no último sábado (16) e fica em cartaz até 31 de janeiro, na Vila Cultural Cora Coralina.

A curadoria da mostra veio de um artista plástico goiano, que tem uma ligação especial com a expositora: Vinícius Figueire­do. Ele é ex-aluno de Kássia Bor­ges, na UFG, e não mediu esfor­ços para construir esta mostra aqui. “Kássia nasceu numa oca, transcendeu os limites da flores­ta. A artista dá atenção à arte con­temporânea e, por isso, tem par­ticipado com trabalhos ou visitas às últimas Bienais de São Paulo e do Mercosul. Esta mostra é ape­nas um recorte da diversidade da sua produção que integra o acer­vo de vários museus nacionais e internacionais”, escreveu o cura­dor, no texto da exposição.

“Me sinto lisonjeada em ter plantado tantas sementes que floresceram. É muito importan­te para um professor ver profis­sionais competentes andando a passos largos rumo ao sucesso e que tem um pouco de nós tendo voz nos movimentos culturais nos polos conjunturais e episte­mológicos neste novo conteúdo histórico”, disse a artista sobre a parceria com Vinícius.

A obra, que a artista mostra aqui, fala de gestação, criação e finitude e tudo tem a ver com a história e andanças da artista. Nascida em Goiás, às margens do Rio Araguaia, em uma tribo indí­gena, Kássia hoje mora no Ama­zonas, lugar em que pode admi­rar de perto quando “borboletas amarelas anunciam o verão”.

O respeito e a admiração pela natureza lhe proporcionaram também uma segunda profissão: a de cientista ambiental. “Sou doutora em Ciências do Ambien­te e Sustentabilidade, pela Uni­versidade Federal do Amazonas (Ufam), onde hoje também lecio­no nas áreas de tridimensional e arte contemporânea”, conta.

Mas antes de fixar morada no Amazonas, ela rodou meio mun­do. Depois que saiu de Goiás, se formou em Artes Plásticas em Uberlândia (MG), fez mestrado do Rio Grande do Sul. Também morou e estudou na Alemanha na década de 1080, onde estudou com nomes importantes da arte, a exemplo de Joseph Beuys, con­siderado seu pai intelectual e que é considerado um dos mais in­fluentes artistas alemães da se­gunda metade do século XX.

É bem verdade que Kássia ain­da mantém contato com artistas europeus. Este ano, por exemplo, fez duas residências artísticas na França, onde também realizou duas exposições e uma curado­ria, além de lançar por lá um li­vro de arte em francês. “Sou ci­dadã do mundo. Morei, estudei e trabalhei no Brasil de norte a sul. Posso dizer que conheço o Bra­sil. Morei, estudei e trabalhei na Europa, portanto conheço a Eu­ropa. Fazer turismo é conhecer nenhum lugar. Conhecer é con­viver com as pessoas do lugar, é entender as minúcias do lugar topofílico”, destaca.

A MOSTRA

Porém todas as experiências mundo afora, apesar de agre­gadoras, nunca a fizeram es­quecer suas raízes. “Ser índia só me acrescenta, me engran­dece enquanto gente”. E é por isso que Kássia acredita que “Mirante” é soma de todas suas experiências e vivências.

“Após um longo percurso e caminhada, olho ‘sobre’ a minha poética. ‘Mirante’ significa esse olhar mais aprofundado sobre o conceito de origem que construí ao longo da minha trajetória que se soma 30 anos desde o primei­ro salão de arte que participei em São Paulo”, explica.

Seu conceito de origem está ligado à suas próprias raízes in­dígenas e no Mito Karajá, que reconhece o papel da sagrado da mulher no papel como uma agente da vida. Dessa forma toca em diversos assuntos im­portantes à contemporaneida­de, como o papel da mulher de vulnerabilidade, no intuito de incentivar seu empoderamen­to. A questão do preconceito ra­cial, também é bastante tocado em “Mirante”, principalmente com a praticamente dizimada nação indígena.

“O meu trabalho é um movi­mento antirracismo que apre­sento para a sociedade e na mes­ma medida para a superação das desigualdades raciais, indí­genas e das mulheres. Não há evento sem ator, atriz, sem au­toria. Com minha participação aqui, pretendo possibilitar a re­flexão. Isto é, ela possa ter um valor organizacional – e por que não político? –, para os movi­mentos contra a pedofilia, para a superação do racismo estrutu­ral, institucional e epistêmico”,

Suas discussões se materia­lizaram em obras bidimensio­nais e tridimensionais de va­riados tamanhos. A cerâmica é o material mais utilizado e tem também toda uma simbologia na obra de Kássia.

“A cerâmica faz parte da mi­nha, da sua e da nossa história desde sempre. É um artefato que faz parte da história da huma­nidade e da mulher. É um ins­trumento indígena, histórico e cultural. Tem uma dimensão nas instâncias sociais, culturais e artísticas. É crucial nos níveis dos planos locais e globais. Ela tem um valor filosófico e artís­tico firmado na ancestralidade que extrapola para a contempo­raneidade”, analisa a artista.

Espalhados pela Vila Cultu­ral, percebe que muitos de seus trabalhos que invocam a repe­tição, como se fosse uma dan­ça sagrada indígena. “Meu fazer é ritualístico 1, 2, 3… uma re­petição do gesto. Um depois do outro”, explica a artista, que as­sim como o tema de sua expo­sição, revela assim, como tema da mostra, sua arte está sem­pre em mutação. “A cada dia me construo como artista, acho que nunca estamos prontos. Todos os dias aprendemos um pouco mais e nos constituímos”.

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