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ENTRETENIMENTO

Assumindo os papéis

Um jovem itaberino de 24 anos chamado Walacy Neto pode muito bem representar o es­pírito da nova literatura local. Isso por­que desde quando chegou a Goiânia não se acomodou com o talento e pas­sou a assumir diversos papéis, além do de escritor e poeta: foi sua própria editora e distribuidora, e deu espaço a outros autores anônimos. Sempre pu­blicou seus poemas e contos em fan­zines que vendia de mão em mão – e gosta de fazer disso até hoje. Foi mais longe e criou em 2013 o próprio selo, o Zé Ninguém – cujo nome nasceu da ironia despretenciosa de publicar no­mes desconhecidos.

Então, o poeta, escritor e jornalis­ta, que atua ainda como repórter do DMRevista, já possui uma história de resistência pra contar dentro e fora dos livros. E suas ações culminaram para a concretização de um desejo que vem perseguindo há dois anos: a publicação de Muito Pelo Contrário, seu primeiro livro de contos e poesia, que será lançado hoje, às 19 horas, no Evoé Café Com Livros.

A obra é uma publicação da Nega Lilu Editora com apoio Fundo de Arte e Cultura de Goiás. E na estreia de Wala­cy nos livros, a editora organizou uma produção cuidadosa. Para começar, a obra traz ilustrações feitas em nan­quim e grafite sobre papel do artista goiano Pedro Kastelijns, que hoje estu­da e mora em Amsterdã. “Não ilustrei somente o que vi, mas a atmosfera pro­vocada pela leitura de Muito pelo con­trário”, lembra Kastelijns.

Também integram a equipe deste projeto editorial a designer gráfico Be­atriz Perini, a diretora de arte Luana Santa Brígida, o revisor Vinícius Vargas e o produtor gráfico Carlos Sena. “Mui­to pelo contrário é, sem dúvida, uma das publicações mais representativas da produção gráfica e literária contem­porânea de Goiás”, ressalta a diretora da Nega Lilu, Larissa Mundim.

A obra é ainda prefaciada por um caro amigo de Walacy: o escritor per­nambucano Marcelino Freire, que co­nheceu durante uma das edições da Balada Literária em Goiânia. Ambos apreciadores da literatura de Manoel de Barros, logo se encantaram e se re­conheceram na obra um do outro.

“A escrita dele embaraça, dá nó na garganta, roda a baiana. Tudo ele bota ali, na cara da folha, como fazia o nos­so poeta Manoel de Barros”, diz um trecho do texto de Marcelino Freire, do prefácio de “Muito Pelo Contrário”.

TRÊS PARTES

A obra, que compila textos escritos pelo jovem em 2012, traz, além de po­emas, contos, microcontos e frases. “Por isso, pode ser descrito de várias formas: um livro de contos, de poe­mas, ou de poesia, por exemplo”, ex­plica o autor. Em um jogo interessan­te literário, Walacy dividiu a obra em três partes interligadas, chamadas: "Muito", "Pelo" e "Contrário". O pri­meiro momento traz textos curtos, que joga iscas para os capítulos se­guintes, mais intensos.

“A segunda parte, chamada ‘Pelo’, já conta com um texto mais den­so, mais aprofundado em questões como a vida social, os medos, receios, alegrias e instantes. Por fim, o ‘Con­trário’ é o capítulo onde o persona­gem-autor se revela, contando sobre seu desencaixe no mundo e a angús­tia de ter algo muito misterioso e novo por dentro”, analisa o autor.

LANÇAMENTO DO LIVRO “MUITO PELO CONTRÁRIO”, DE WALACY NETO

Quando: Hoje, às 19 horas

Onde: Evoé Café (Rua 91, 489, Setor Sul, Goiânia)

ENTRADA FRANCA

Preço de capa: R$ 25

Entrevista Walacy Neto

 “O poeta é necessário nesses momentos de várias certezas”

A frase é do escritor, poeta e jornalista Walacy Neto, que nasceu em Itaberaí (GO) – cidade a aproximadamente 120 km de Goiânia –, em 1992, um dia depois do Na­tal. Na infância, não foi um garoto prodí­gio, mas na adolescência se sentiu podero­so quando descobriu que podia fazer tudo com a literatura, após escrever sobre uma música de Raul Seixas. Levou isso a sério, tanto que inventou o próprio espaço para escrever. A seguir, o artista conta um pou­co sobre a trajetória até aqui, além de tra­zer uma análise, sobre cena, segundo ele, envergonhada da poesia goiana. Confira trechos desta conversa abaixo.

DMRevista: O escritor Marcelino Freire te comparou a Manoel Barros. Como foi que se conheceram e se torna­ram amigos?

Walacy Neto: Conheço o Marcelino desde 2013, quando ocorreram algumas edições da Balada Literária aqui em Goi­ânia. Ele é um escritor que leio e tenho gra­tidão por poder chamá-lo de amigo. O Marcelino me acompanha, me dá espaço em tudo onde pode. Por essa proximidade de caminho achei interessante convidá-lo para criar o texto introdutório do “Mui­to Pelo Contrário”, tendo em vista que ele conhece boa parte da minha curta traje­tória. Compartilhamos também esse des­lumbre pelas obras do Manoel de Barros. Inclusive, muitas referências deste livro tem relação com o trabalho de Manoel.

DMRevista: Como as ilustrações de Pe­dro Kastelijns completam sua obra?

Walacy Neto: O trabalho do Pedro eu conheci na rua mesmo, nas festas, shows e bares de Goiânia. A sugestão foi da Larissa Mundim, que fez a coordenação do proje­to, e achei perfeita a sugestão. Na época, eu já imaginava que meus poemas pode­riam combinar, de alguma forma, com o trabalho do Pedro. É muito arriscado ilus­trar um poema, tem o risco do texto perder a força ou a imagem ficar muito "literal". Porém, no “Muito Pelo Contrário”, os de­senhos apenas expandem o horizonte do poema, dando não só profundidade mas também outros significados.

DMRevista: Como foi que nasceu a par­ceria com a Nega Lilu?

Walacy Neto: Já faz alguns anos (dois por aí) que tento publicar esse primeiro livro. Em Goiânia é difícil, a maioria das editoras ainda acredita no cenário livra­ria, biblioteca e grandes distribuidoras. Eu sabia que meu livro não tinha nada a ver com essas lojas de TV que vendem livros em shopping. Antes desse livro eu produzi meus poemas no fanzine (livre­to de xerox) e a proximidade de vender de mão em mão sempre foi uma caracterís­tica minha. Mas aí, fiz um prefácio de um livro que seria publicado pela Nega Lilu Editora da poeta Dairan Lima, que ad­miro muito, chamado “Vermelho”. Ver­melho é um livro lindo e nesse momento vi que a Nega Lilu editora poderia ser a porta de entrada para esta primeira pu­blicação. De fato, por ser uma editora ain­da pequena o trabalho é quase artesanal, sendo que a equipe é pensada para cada trabalho, a fim de criar um livro específi­co. O patrocínio veio do edital do Fundo de Arte e Cultura, da Seduce Goiás.

DMRevista: Quando notou que era um poeta?

Walacy Neto: Não tenho uma histó­ria bonita pra contar sobre minha rela­ção com a poesia. Quando era pequeno minha mãe comprava livros infantis, in­centivava como toda mãe. Meus profes­sores também sempre me trataram mui­to bem e admiro a maioria deles. Mas, nessa época não me importava com muita coisa. Eu tenho muita pregui­ça e quando era mais jovem tinha mui­to mais. Uma coisa eu sempre tive, sem­pre gostei de fazer alguma coisa: montar casas de madeira, construir pistas no quintal, brincava de alquimista, fazia brinquedos e etc. Quando tava perto da adolescência via meus amigos com seus violões, bateria, skates e essas coi­sas, mas eu não tinha aptidão pra nada. Não sabia cantar, não tinha paciência pra aprender violão, caía muito de ska­te, patins ou bicicleta, e nunca tirei uma foto boa. Um dia escrevi um texto pra es­cola baseado em uma letra do Raul Sei­xas e senti que aquilo era muito doido. Criar um universo, criar tudo. Percebi que para escrever não precisa aprender, pois escrever é o próprio aprendizado.

DMRevista: E quando e como foi en­contrando espaço e reconhecimento entre o meio literário goiano?

Walacy Neto: Em Goiânia, quando me mudei para cá de Itaberaí, eu co­nhecia o Carlos Brandão, tinha feito uma entrevista com ele na faculdade. A gente ficou amigo e ele disse de cara que se eu quisesse um local para me apresentar teria que criar esse local do nada. Goiânia tem um circuito interes­sante de poetas e saraus, atualmente. Acredito que muito disso pode ser resul­tado dos eventos que fiz pela Zé Nin­guém, onde muitos produtores, poetas e até músicos se apresentaram pela pri­meira vez e continuam por aí correndo atrás. Acho que o reconhecimento que tenho vem disso, não por ser um poeta e etc, mas por ter de alguma forma com­partilhado esse espaço que procurei.

DMRevista: Pode falar sobre o selo Zé Ninguém e sua importância neste seu iní­cio no universo editorial?

Walacy Neto: A Zé Ninguém come­çou por acaso mesmo, quase sem querer. Quando fui imprimir meu primeiro fanzi­ne eu achei engraçado essa brincadeira de colocar o nome de uma editora no fundo do livro, uma ironia mesmo. Assinei atrás "Editora Zé Ninguém" e quando li pensei que podia ser algo interessante. Daí, come­cei a pedir poemas do pessoal que conhe­cia e fazer esses zines para quem não tinha aptidão pro trabalho. Tudo feito sem lucro, com a pura pira de divulgar os poetas que não tem livros publicados.

DMRevista: Quais são as suas maiores referências literárias?

Walacy Neto: Acho que por ser um es­critor muito recente, não tenho referên­cias claras, quase tudo que leio me encan­ta e me afeta. Mas, no caso deste livro, me inspirei muito na obra do Manoel de Bar­ros. Busquei na minha infância alguns elementos e percebi esse medo que eu ti­nha de olhar pra dentro, coisa que Mano­el fazia calmo e sereno. Tenho muitas re­ferências brasileiras na literatura, como o Marcelino Freire, Guimarães Rosa, João Gilberto Noll. No "Muito Pelo Contrário" eu uso muitas referências musicais nos poemas. O leitor vai encontrar referências de música do Belchior, por exemplo, Raul Seixas, Roberto Carlos e outros.

DMRevista: Como é sua leitura sobre da nova geração de escritores em Goiânia?

Walacy Neto: Vejo que os poetas com quem topo por aí dividem dessa mesma preguiça que eu tenho. Isso é bom pro ócio criativo. Porém, vejo às vezes uma covar­dia do poeta, que parece ter vergonha do que faz, como se fosse um crime vender, ler ou apresentar. Isso reflete no texto de cada um, onde as temáticas são cada vez mais sobre o desencaixe social, a depressão da vida moderna e o tempo. E o poeta é neces­sário nesses momentos de vários pontos de vista de várias certezas. É o poeta que tem que orquestrar uma maneira de pensar diferente, totalmente inédita. Em Goiânia temos milhões de poetas, de baixo de tudo tem um poeta, mas ao mesmo tempo não temos poeta algum, enquanto a poesia for vergonha até pra quem faz.

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