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ENTRETENIMENTO

Os contrastes da arte

Você já parou para ima­ginar como seria o ate­liê de grandes nomes das artes, a exemplo de Clau­de Monet e Auguste Renoir? O artista plástico Luiz Mau­ro não só pensou nisso, como dedicou anos a fio para, a par­tir das fotos destes espaços, mostrar o seu olhar a cada um destes lugares de criação. O resultado do intenso mergu­lho à história e subjetividade da arte vai poder ser confe­rido na exposição “Na Escu­ridão do Ateliê Nasce a Luz”, que abre hoje, às 19h, no Cen­tro Cultural UFG. O evento marca ainda a volta do artis­ta às exposições individuais, o que não fazia há 13 anos.

Com curadoria de Divino Sobral, a compilação traz 18 trabalhos, que contemplam, além de Renoir e Monet, os ate­liês de outros nomes interna­cionais da arte, como Anish Kapoor, Ad Reinhardt, Roy Li­chtenstein, Benjamin Johnston e Georgia O’Keeffe. Há também representantes brasileiros, a exemplo de Rubem Valentim e Lygia Clark. As obras fazem parte de uma série “Ateliê”, que foi apresentada em 2015 no Maison Européenne de la Pho­tographie (MEP), em Paris, um dos principais espaços dedica­dos às fotografias na Europa.

Na França, a exposição che­gou sob o título “Des Peintures Comme des Photographies” e, conforme Luiz Mauro, foi bem recebida por público e crítica. “Muita gente ficou surpresa por encontrar pinturas em um es­paço tradicionalmente dedica­do à fotografia, o que fez com que os curadores de museus, críticos de arte de diversos ve­ículos de comunicação e gale­ristas demonstrassem grande interesse pelo meu trabalho. As exposições foram abertas numa terça-feira à noite e na quinta-feira à tarde já haviam mais de 1.400 assinaturas de vi­sitantes”, relembrou o artista.

“Na Escuridão do Ateliê Nas­ce a Luz”, apesar de comparti­lhar a mesma essência – e alguns trabalhos – da exposição pari­siense, também apresenta obras inéditas. Até porque, muitos tra­balhos daquela época foram vendidos – e por tal motivo nem foi possível dar continuidade a uma exposição agendada logo em seguida no Rio de Janeiro.

TÉCNICA

Além de impressionar o ve­lho mundo, pode-se dizer que a série “Ateliê” revolucionou a forma de Luiz Mauro fazer arte. Pois, apesar de sempre ter man­tido uma relação de proximi­dade e respeito com a história da arte e espaços arquitetôni­cos, trabalhar com a fotografia é um processo relativamente novo para o artista. Afinal, Luiz Mauro, que começou a pintar na década 1980, durante maior parte da carreira trabalhou so­mente com pintura sobre tela. “Papel para mim servia ape­nas como estudos para chegar à obra final”, revela.

Agora, tudo mudou: ten­do o papel como suporte, ele acrescenta à imagem várias camadas de nanquim e tin­ta a óleo. Uma das princi­pais abordagens deste novo processo é a transposição de imagens documentais para o universo da pintura e do desenho. E o resultado é um jogo interessante entre luz e sombras, em que é revelada não só o espaço físico, mas a carga emocional e dramática guardada cada ateliê.

“Esses trabalhos surgem por meio da fotografia, mas a po­ética só aparece quando sub­jetivo essas imagens, quando tomo esses espaços para mim, porque na realidade eu não tento retratar esses espaços, o que faço é tomá-los para mim, como se eu quisesse preservar esses ambientes na minha me­mória”, explica o artista.

E esta capacidade de criar em cima de algo tão concre­to, para Divino Sobral, trans­forma o trabalho de Luiz Mauro em algo “nada foto­gráfico”. “O objetivo de Luiz Mauro não é reproduzir lite­ralmente a fotografia, e sim utilizá-la como matriz para a construção de uma obra que parte do registro documental para atingir o estado poético repleto de melancolia, e que exibe em si mesma seu modo de fatura cambiante entre desenho e pintura e sua exis­tência autônoma da fotogra­fia”, disse o curador.

Antes de passar por toda técni­ca que possibilita estas imagens impressionantes, o artista reali­za todo um trabalho de pesqui­sa, em livros, revistas, na internet, conversas, etc. Seu processo criati­vo é repleto de sutilezas e detalhes interessantes que o artista contou detalhadamente em entrevista ao DMRevista. Acompanhe trechos da conversa a seguir:

Evento: Mostra Na Escuridão do Ateliê Nasce a Luz

Centro Cultural UFG (Av. Universitária, 1533 - Setor Leste Universitário)

Abertura: Hoje, às 19h

Período de visitação: Até o dia 26 de janeiro de 2018, das 9h às 12h e das 13h às 18h (segunda-feira a sexta-feira)

ENTREVISTA - LUIZ MAURO

DMRevista- Foi a imagem do ateliê de Georg Baselitz que te inspirou a criar a série “Ateliê”?

Luiz Mauro- Sempre me interessei por espaços arquitetônicos, por interiores, e também pela história da arte. Quando vi aquela imagem senti que se recrias­se aquele ambiente no desenho eu iria unir estes dois elementos. Mas isso foi em 1997, eu tinha compromissos relaciona­dos com outros trabalhos que eu esta­va desenvolvendo naquele momento e eu me esqueci desse desejo. No final de 2004 eu me casei e me mudei para Goi­ânia e passei a pintar em um quarto pe­queno, bem diferente do grande espaço que eu ocupava na cidade de Inhumas. Aí, acho que pelo contraste e pela nostal­gia daquele grande espaço perdido, co­mecei a criar ateliês imaginários a par­tir dos ateliês que já tinha tido. Em 2011 eu ganhei um prêmio no Salão de Arte Contemporânea de Goiás, organizado pelo saudoso Carlos Sena, com um des­ses trabalhos, intitulado “Estúdio nº 5”. Logo em seguida, me caiu às mãos uma fotografia do ateliê de Claude Monet, foi quando decidi retomar aquela ideia que eu tinha tido ainda na década de 90. Mas o ateliê de esculturas de Georg Base­litz só seria realizado por mim em 2014, porque eu tinha perdido essa imagem em alguma caixa durante as mudanças e somente quando fui reabrindo caixas, já tinha feito muitos ateliês, aquela ima­gem me retorna.

DMRevista- Ateliê de algum artista em especial te chama mais atenção?

Luiz Mauro- Eu analiso esse traba­lho de duas maneiras, uma é cada ate­liê individualmente, aí sempre acho que o trabalho mais interessante é o que eu ainda vou realizar. Mas tive uma expe­riência muito intensa com o Ateliê Ru­bem Valentim, que é o último que reali­zei, e eu procurava pela imagem há três anos, na internet, livros, revistas, per­guntava pra pessoas que tiveram conta­to com ele em vida, e não encontrava. Até que soube que o artista, ativista e xamã Bené Fonteles tinha sido grande amigo e assistente do Rubem. A relação deles foi tão próxima que o Rubem deixou toda a mobília e pertences do ateliê em testa­mento para o Bené, que até já remontou esse ateliê no Museu da República. Fui atrás do Bené, o conheci e demonstrei o meu desejo de fazer o trabalho sobre o es­paço de criação do Rubem e ele me disse que tinha sido feito um registro antes da desmontagem do ateliê, mas que elas es­tavam perdidas. Demorou alguns meses até que as imagens fossem encontradas. Esse trabalho está presente na exposição.

DMRevista- Em que estes ambientes mais te fascina?

Luiz Mauro- A primeira coisa que me move é a história de cada artista que ha­bitou esse ateliês, mas o que me motiva mesmo é a força de cada um desses es­paços. Sempre me senti atraído pelo am­biente do ateliê, creio que pelos mistérios que giram em torno desse lugar e pela intimidade que caracteriza esses espa­ços. Minha formação, enquanto artista autodidata, se deu principalmente nes­ses espaços, em ateliês de diversos artis­tas, assim como no ateliê coletivo que tínhamos em Inhumas. No convívio di­ário nesses espaços sempre tive na mi­nha imaginação que faria algo sobre o tema, mas não sabia exatamente o que seria, isso só foi acontecer com o passar do tempo. E sabia do risco que eu estava correndo, porque era um tema que esta­va presente na história da arte de uma forma muito acadêmica e não era isso que eu queria. E ao mesmo tempo sabia que o trabalho ia ter que dialogar com a tradição, então é uma obra muito elabo­rada e que me expõe a riscos.

DMRevista- Como nasceu este convi­te de expor fora do Brasil?

Luiz Mauro- Jean-Luc Monteros­so, diretor da Maison Européenne de la Photographie (MEP), tem grande inte­resse pela produção brasileira, já tendo organizado exposições de diversos artis­tas, como Vik Muniz, Miguel Rio Branco e Sebastião Salgado. Em julho de 2014 Monterosso veio ao Brasil para organi­zar uma exposição coletiva de artistas brasileiros (exposição que só aconteceu agora em 2017) e na sua pesquisa, visi­tando o colecionador Leonel Kaz no Rio de Janeiro, ele se deparou com alguns trabalhos meus. Conforme foi narrado por ambos, quando Monterosso viu os trabalhos ficou muito bem impressiona­do e falou: “Vamos parar tudo, quero ver é isso aí.” Depois, perguntou ao Leonel se ele tinha outras obras, eles foram ver e então ele propôs a individual em Pa­ris. O que o levou a se interessar foi o di­álogo que meu trabalho estabelece com a fotografia, o fato de eu partir de fotos documentais trazendo-as para o cam­po da pintura. Foi assim que em abril de 2015 inaugurei a mostra Des peintures comme des photographies, simultânea a cinco mostras de artistas que traba­lham com fotografia, sendo três france­ses, uma japonesa e um inglês. A MEP é o maior museu de fotografia da Europa.

DMRevista- Por que o hiato de 13 anos sem expor em Goiânia?

Luiz Mauro- Na realidade, da últi­ma individual em 2004 para agora, meu trabalho passou por uma grande trans­formação, até meu ateliê teve que ser adequado a esse trabalho que estou re­alizando hoje. Por diversos anos eu tra­balhei somente com pintura sobre tela, papel para mim servia apenas como es­tudos para chegar à obra final. Mas an­tes dessa exposição acontecer na MEP, era pra ela ter acontecido no Rio de Ja­neiro, na Atena Contemporânea, com a mostra na MEP, nós a adiamos para que fosse feita logo depois. Mas com a expo­sição na MEP, alguns trabalhos foram vendidos e não foi possível. Entretan­to, nesse período eu participei de várias mostras coletivas e durante algum tem­po não senti vontade de realizar uma exposição individual. E de 2004 para cá meu trabalho passou por uma gran­de transformação e isso levou tempo para que eu considerasse que já havia um conjunto que fechasse o conceito do meu trabalho. Além disso, meu processo é muito lento, tenho uma relação mui­to particular com o tempo. Cada traba­lho dessa série de obras, seja em maior ou menor dimensão, exige muito tempo para ser elaborado. Para você ter uma ideia, alguns desses trabalhos levam até quatro meses para serem feitos. Primeiro há a escolha da imagem, porque se não for uma boa imagem, não dá pra fazer o trabalho. Em seguida, eu preciso ade­quar essa imagem, ampliá-la por meio de cópia para um maior detalhamen­to; então, antes de o desenho chegar à mesa do ateliê, já foram alguns dias em pesquisa e adequação dessas imagens para interpretação; depois vem a parte do desenho, da perspectiva, aí as suces­sivas camadas de nanquim, até chegar à finalização com o óleo.

DMRevista- O jogo de sombra e luz é uma das características da sua obra. Pode falar um pouco como foi a cons­trução do seu estilo?

Luiz Mauro- Esse interesse pela luz pode ser percebido em trabalhos que re­alizei em 1988, mas nessa série atual a obra é desenvolvida na luz que nasce da escuridão, o espaço e os objetos nascem através dessas zonas de contraste entre a luz e a escuridão. O título da exposi­ção dado pelo curador Divino Sobral foi muito inteligente porque faz uma síntese do meu processo de trabalho.

DMRevista- Você tem mais de 30 anos de carreira, como é que o tempo tem agido em sua maneira de criar?

Luiz Mauro- O tempo tem agido atra­vés das transformações que o dia a dia estabelece conosco. Mas o fio condutor da minha obra está presente nas pri­meiras obras, desde a segunda metade da década de 80, como assuntos e abor­dagens, o tempo também potencializa também os pontos de interesse, a histó­ria da arte e da humanidade sempre me fascinaram e me moveram. Eu falo da história da arte, mas o principal mesmo é a história da humanidade.

DMRevista- Muitas polêmicas ron­daram a arte nos últimos meses. Como você tem encarado o atual cenário da arte contemporânea no Brasil?

Luiz Mauro- Já foram feitos vários es­tragos devido ao posicionamento desses grupos conservadores e radicais, funda­mentalistas. Temos que lutar a favor da liberdade, conquistada por meio da luta de várias gerações. Mas acredito que se­rão necessários anos para retomarmos conquistas que imaginávamos que fos­sem sólidas. E o verdadeiro sentido des­sas ações é silenciar o artista, porque te­mos voz diante do povo. Quanto à arte contemporânea brasileira, ao mesmo tempo que existe uma crise e uma mas­sificação, nós temos artistas fundamen­tais para a compreensão da arte con­temporânea no mundo.

DMRevista- Qual o seu maior sonho enquanto artista?

Luiz Mauro- Sou um tipo de artista que tem a atividade no ateliê como ofí­cio. Trabalho todos os dias. Para mim o mais importante é continuar produzin­do, meu maior luxo é fazer arte.

“Temos que lutar a favor da liberdade, conquistada por meio da luta de várias gerações”, disse o artista

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