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América Latina deve buscar crescer como os países emergentes da Ásia, diz economista-chefe do BID

RIO - Com mais de três décadas de acompanhamento da economia da América Latina (AL), o economista-chefe do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), José Juan Ruiz, viveu todas as crises da região. E diz que, apesar do baixo crescimento da economia, a situação nem se compara ao passado, pois já se consegue reagir à piora do cenário internacional.

O GLOBO:,As previsões da AL são de expansão menor, mas o senhor vê dois ritmos diferentes. Como?

É preciso distinguir o crescimento potencial, a que velocidade pode crescer um país a médio prazo, de um crescimento de curto prazo. Entre 2003 e 2008, a América Latina cresceu em média quase 5% (ao ano) porque havia fatores externos positivos: alto crescimento da economia mundial, amplas condições de liquidez, altos preços de e dólar baixo. Nos últimos 24 meses, esses fatores mudaram, o que afeta a América Latina, que provavelmente terá crescimento de 1% em 2015 e 2% em 2016. E afetam de maneira diferente a região. A América Latina é exportadora líquida de , mas há países no Caribe e na América Central que importam alimentos e energia. E, em vez de exportar para a China, vendem mais para os EUA e dependem mais de sua economia. Em geral, os países do Sul são mais sensíveis à desaceleração econômica dos países asiáticos e aos preços das , enquanto os países do Norte, América Central, Caribe e México, são mais ligados aos EUA, que crescem mais que há dois anos. Por isso, a curto prazo há uma disparidade do crescimento. O Sul desacelera mais que o Norte. Venezuela, Argentina e Brasil respondem por 51% da economia da região e vivem recessão, mas o resto avança.

José Juan Ruiz:

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No Brasil, há um debate entre os que creditam a crise ao cenário mundial e os que apontam o impacto da demanda doméstica. Como o senhor avalia?

A crise mundial tem impacto, mas há uma parte da crise mais doméstica. Nos últimos anos, o Brasil teve inflação mais alta, o superávit primário caiu, o crédito cresceu demais. A demanda cresceu muito, e a oferta, não. É preciso reequilibrar isso para que o Brasil possa voltar a crescer perto de 3,5%, seu potencial. É preciso reajustar a macroeconomia. O Banco Central adota medidas para controlar a inflação, há um programa de ajuste fiscal para restaurar o superávit primário e crescer de forma mais sustentável. Há momentos em que é preciso fazer ajustes. O importante não é tanto identificar responsabilidades, mas ressaltar que o Brasil e outros países mostram capacidade de reação a essa piora do cenário internacional. É o que nos diferencia do passado. A América Latina aprendeu e não deixou chegar o momento de medidas desesperadas. Os países tomam medidas duras porque os desequilíbrios são grandes, mas mostram que tem instituições, políticas e regras que permitem enfrentar um novo ambiente internacional. Os mercados têm confiança de que o Brasil faz o que precisa. É verdade que se perdeu oportunidades de fazer mais na época de expansão. Não só no Brasil, todos poderiam ter feito.

O que mudou para o Brasil?

A volatilidade econômica era muito maior porque as pessoas não sabiam o que era o país. O Brasil é uma economia que teve prodigioso crescimento por dez anos, se transformou socialmente, está no mapa mundial, é uma das grandes economias. Não é só porque é grande, mas porque fez as coisas razoavelmente bem. Há muito mais credibilidade na política econômica.

Alguns temem a capacidade do ajuste...Não crê no risco de perda do grau de investimento?

Há muitas coisas a fazer socialmente. Todos os países têm. Há uma espécie de resignação não apenas no Brasil como na América Latina de que só pode crescer 3,5%, 4%, enquanto olhamos taxas de 6%, 7% na Ásia. Essa resignação é porque não fizemos tudo o que deveria ter sido feito. Não há nenhuma razão para o Brasil crescer menos que China, Índia, Filipinas ou Turquia. Há muitas reformas a serem feitas, que favoreçam a produtividade, a inclusão social, redução da informalidade, mais infraestrutura, mais investimento. É preciso criar um ambiente de negócios para que isso possa ocorrer. Mas realmente estamos em situação muito melhor que no passado, sobretudo porque estamos vendo a capacidade de reação. O Banco Central está atuando, o programa fiscal está aí e o analisamos. Ainda que numa democracia haja diferentes pontos de vista, sobre como se faz o ajuste, a percepção é que se está fazendo e da forma como quer. No passado, que faziam de acordo com o programa do FMI. Hoje, é a democracia que seleciona o ajuste que quer, é um grande avanço em relação ao passado.

Muitos países da região estão com a inflação mais alta. Isso lembra o passado?

Nem todos os países estão na mesma situação. A região deixou de estar no mapa como a de maiores taxas de inflação do mundo. Há casos isolados, mas realmente a inflação não é uma variável que define o continente, é preciso lembrar de onde viemos. O Brasil têm uma inflação acima do limite do Banco Central, mas não é a inflação que teve no passado. A Colômbia viveu três décadas de inflação de 20% e muito, hoje tem taxas em torno de 4%. Chile tem inflação de 3%. No Peru, de 2%. São aumentos temporários da inflação. Na medida em que haja uma política fiscal responsável, como faz o Brasil, haverá reação. Não é que a inflação voltou para ficar.

O BID tem destacado as semelhanças dos países latinos em relação à deterioração da situação fiscal. O que explica?

A região teve uma época boa, com os preços altos de commodities, e melhorou enormemente os resultados fiscais. Houve muitos países que introduziram leis de responsabilidade fiscal, como o seu, regras fiscais, adotaram objetivos de superávit primário. Tudo isso criou um colchão, para que os países pudessem reagir na época de vacas magras. O problema é que as vacas magras chegaram muito rápido, com a grande crise internacional. Então muitos países de América Latina usaram corretamente esse colchão para evitar que entrassem em recessão. Foi o momento em que a região, pela primeira vez em uma crise, foi capaz de usar políticas anticíclicas. O que ocorreu depois é que as condições internas e externas não foram boas o suficiente para retomar o colchão e se chegou a uma situação de déficit. Foi o que ocorreu no Brasil, por exemplo. Nesses momentos, é preciso reajustar e restaurar o colchão para fazer frente a possíveis deteriorações das condições internacionais e domésticas. Isso é o que toda a região está fazendo, cada país com suas próprias condições. Não depende só do número do superávit primário. O número do superávit primário (economia para pagar os juros da dívidadeve ser o número que permita voltar a gerar segurança e assegurar vai seguir recebendo fluxos internacionais e vai pagar um valor razoável porque acreditam que a situação é estável. Aqueles países nos quais o nível de dívida é mais alta, precisam de mais ajuste. A situação é muito diferente, mas em geral a maior parte dos países da América Latina têm que revisar receita, gastos, déficit, em função do nível de dívida e do preço que tem que pagar, do rating para assegurar que a credibilidade se mantenha e os investidores saibam que há um marco de políticas sólido.

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