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'Retratos Fantasmas' entra em cartaz no Cine Cultura nesta quinta, 7

Retrato afetivo dos cinemas de rua recifenses, filme é pré-selecionado para representar Brasil no Oscar do ano que vem

Cena de ‘Retratos Fantasmas’: marquise do cinema de rua São Luiz, em Recife - Foto: Divulgação Cena de ‘Retratos Fantasmas’: marquise do cinema de rua São Luiz, em Recife - Foto: Divulgação

Kleber Mendonça Filho, 54, é um cara de bom gosto. Pela voz do cantor Tom Zé declamando versos de “Happy End”, o filme “Retratos Fantasmas” - em cartaz nesta quinta, 7, sessão das 20h, no Cine Cultura - diz que não haverá “final feliz”. Imagens de Recife em preto e branco, nos anos 20, mostram cargueiros, trilhos à beira mar, areias da praia, águas do mar e carros nas ruas. Instantes depois, o narrador descreve a capital pernambucana durante a década de 60, na qual se observa o Hotel Boa Viagem, edificação demolida nos anos 2000.

É certo que um pouco do cineasta se revela ao público a cada filme. As reflexões feitas pelo artista, por exemplo, foram levadas à tela grande em “O Som ao Redor” (2013), “Aquarius” (2016) e “Bacurau” (2019), este último considerado regozijo cinematográfico pelo fato de ser metonímia do Brasil durante os anos de turbulência política, entre 2016 e 2019. Só que nenhuma obra com a assinatura de Kleber Mendonça traz recorte tão subjetivo quanto o documentário a ser lançado neste feriadão em Goiânia. Veja-o e tire suas conclusões.

“Retratos Fantasmas” se inicia provocando sensação estranha. Nos primeiros 30 minutos, Kleber Mendonça mostra o apartamento em que morou na infância. Aparecem outros registros do passado, guardados em fitas originadas numa câmera de VHS comprada pela mãe do cineasta, nos anos 90. Ou seja, o preço não foi lá dos mais baratos. “Era uma câmera cara”, disse o diretor, numa entrevista ao jornal “O Estado de S. Paulo”, na estreia nacional.

O público vê detalhes do apartamento. Estão ali Kleber, a mãe, os amigos e o animal de estimação do vizinho. As fitas têm força para manterem vivas essas memórias, que podem ser definidas, segundo o cineasta, como fantasmas. Sua mãe já não vive mais. O cachorro morreu há anos. Kleber envelheceu, e os colegas também. Ao contrário do que costuma ocorrer com as pessoas, as máquinas sobrevivem ao tempo. São indissolúveis aos segundos, minutos, horas, dias, semanas, meses, anos, décadas… Apenas resistem, as fitas.


		'Retratos Fantasmas' entra em cartaz no Cine Cultura nesta quinta, 7
Kleber Mendonça Filho, reconhecido no mundo: reflexões sobre o passado. Foto: Victor Juca/ Divulgação

Ao Diário da Manhã, numa entrevista concedida antes de “Retratos Fantasmas” estrear no Festival Cannes, Kleber Mendonça diz que quando se olha para o passado de uma cidade, o passado das cidades e o passado das imagens acontece uma espécie de lembrança fantasmagórica. “Inclusive, quando a gente olha fotos antigas da família, há tendência de enxergarmos fantasmas. Acho que o filme é um pouco sobre essa ideia. E também sobre a relação que todos nós temos com o cinema”, reflete o cineasta.

Depois dos retratos pessoais, o diretor sai pela cidade. Mostra transmutações e memórias. Uma escolha sensata, pensando bem. Pois era preciso vagar pelas ruas registrando tudo, com a câmera na mão observando as esquinas e, como consequência direta disso, entendendo as transformações urbanas inerentes às metrópoles. Foi numa dessas caminhadas pelo Recife que encontrou espaços apaixonantes, hoje lugares em desuso, os cinemas de rua. Muitos dos quais até se tornaram templos neopentecostais - como em Goiânia.

Álbum da cidade

“Eu estava procurando imagens da minha cidade, o Recife. Mas isso pode acontecer em Goiânia também, ou qualquer outra cidade, ao tentar fazer um álbum, o seu próprio álbum pessoal de fotografias da sua cidade. Eu comecei a procurar onde normalmente muita gente não procura. Fui não só em arquivos, instituições e televisões, mas também nas pessoas físicas. Aos poucos, descobri muitas fotos guardadas e muitas imagens filmadas e gravadas em filme Super 8”, conta Kleber ao repórter, num bate-papo realizado em maio deste ano.

Numa dessas pesquisas, o cineasta encontrou um “tesouro” criado por Ângelo Lima, radicado em Goiânia e um nome fundamental para o cinema goiano. A obra, chamada “Ato Público Pela Volta da Alegria”, foi rodada em 1981 na área em que “Retratos Fantasmas” se passa, isto é, no centro de Recife. De cara, Kleber entendeu que tinha em mãos uma preciosidade histórica. Mandou o filme aos Estados Unidos e, pouco tempo depois, Ângelo o recebeu de volta, agora já restaurado. A produção, então, lhe telefonou e perguntou se seria possível usar as imagens. “Sim”, disse-lhes o dono do “Ato Público…”.

“Retratos Fantasmas” vislumbra o futuro em três tipos de cinema. Os primeiros resistem com suas portas abertas, existem aqueles que estão fechados e os que vão fechar em pouco tempo. As pessoas migram para os shoppings, numa consequência natural do capitalismo. Hoje, até isso se tornou obsoleto, já que público prefere acompanhar lançamentos pelo streaming. Mas não tenha essa reflexão do repórter como saudosista, por favor.


		'Retratos Fantasmas' entra em cartaz no Cine Cultura nesta quinta, 7
Cartaz do filme 'Retratos Fantasmas'. Foto: Divulgação

Se é possível sofrer overdose de imagem pela gama de produções a um clique, também há acesso mais fácil a obras para as quais antes era preciso se deslocar até as locadoras. O próprio Kleber Mendonça Filho, aliás, gosta de saber que tanto “Som ao Redor” quanto “Aquarius” estão disponíveis no catálogo da Netflix e, a partir daí, qualquer pessoa - jovem ou velha - pode num domingo à tarde fazer uma descoberta cinematográfica. Ah, mas não é aquele que tem a Sônia Braga? Então, vou olhar. Pois é, é comum essa cena. Ainda bem.

Nos 91 minutos de “Retratos Fantasmas”, Kleber Mendonça Filho cria afetivo retrato dos fantasmas que povoam a memória. Mais do que falar sobre a transmutação do espaço urbano, o cineasta caracteriza os cinemas como templos. Mas Kleber Mendonça garante que não faz carta de amor ao cinema. “Acho que já tem muitas delas sobre o cinema no cinema. O filme tem muito da relação que eu tenho com a minha cidade, que é muito dúbia. É uma cidade que se maltrata muito, ou talvez maltratam demais essa cidade”, explica o diretor.

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Retratos Fantasmas

Estreia na quinta, 7

Sessão das 20h

Cine Cultura

Centro Cultural Marietta Telles Machado

Praça Cívica

Inteira a R$ 10

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